quarta-feira, 5 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 10

Na noite de sexta-feira, Hank não conseguia tirar da cabeça a assembléia extraordinária que se aproximava, o que pro­vavelmente era bom para ele em vista da moça que estava sentada à sua frente no seu pequenino escritório, canto da casa. Ele havia pedido a Mary que estivesse por perto e agisse de forma amo­rosa e conjugai. Esta jovem senhora, Carmem, foi o único nome que ela deu, era um caso dos pesados. Pela forma de se vestir e se portar, ele fez questão que fosse Mary quem atendesse à porta e a fizesse entrar quando ela chegou. Mas pelo que Hank podia notar, Carmem não estava tentando projetar uma imagem falsa; parecia genuína, apenas sinceramente exagerada. Quanto aos motivos pelos quais que­ria aconselhamento...

— Acho — começou ela — acho que eu apenas estou muito so­zinha, e é porque ouço vozes...

Imediatamente, ela examinou os rostos dos dois para ver sua rea­ção. Mas depois da recente experiência, nada parecia muito irreal para Hank e Mary.

Hank perguntou:

— Que tipo de vozes? Que tipo de coisas elas dizem?

Ela pensou por um instante, os grandes olhos azuis, exagerada-mente inocentes, perscrutando o teto.

— O que está acontecendo comigo é legítimo — disse ela. — Não estou louca.

— Não duvido da sua palavra — disse Hank. — Mas conte-nos acerca dessas vozes. Quando elas falam com você?

— Quando estou a sós, especialmente. Como ontem à noite, eu estava deitada na cama e... — ela relatou as palavras que a voz lhe dissera, que poderiam ter sido o texto perfeito de um telefonema obsceno.

Mary não sabia o que dizer; aquilo estava ficando muito forte. A Hank, a coisa toda soava um tanto familiar, e embora ele se sentisse muito cauteloso em relação a Carmem e seus motivos, ainda per­manecia aberto à possibilidade de que ela estivesse enfrentando parte das mesmas forças demoníacas que ele enfrentara.

— Carmem — perguntou ele — essas vozes já disseram quem são? Ela pensou por um momento.

— Acho que uma delas era espanhola ou italiana. Tinha um so­taque, e o nome era Amano, ou Amanzo, ou algo parecido. Ele sempre fala muito suavemente e sempre diz que deseja ter relação sexual comigo...

Nesse momento o telefone tocou. Mary levantou-se depressa para atender.

— Não se demore — pediu Hank.

Que ela saiu bem depressa, saiu. Hank a estava acompanhando com o olhar quando sentiu que Carmem lhe tocava a mão.

— Você não acha que estou louca, acha? — perguntou, com olhar súplice.

— Ah... — Hank retirou a mão a fim de coçar uma coceira ine­xistente. — Não, Carmem, não estou... isto é, não acho. Mas real­mente quero saber de onde essas vozes vêm. Quando foi que você começou a ouvi-las?

— Quando cheguei a Ashton. Meu marido me abandonou e vim para cá a fim de começar vida nova, mas... sinto-me tão sozinha.

— Você as ouviu pela primeira vez quando chegou a Ashton?

— Acho que é por que estava me sentindo muito solitária. Ainda me sinto solitária.

— O que foi que elas disseram no começo? Como se apresentaram?

— Eu estava sozinha, e solitária, havia acabado de mudar para cá, e pensei ter ouvido a voz de Jim. Sabe, o meu marido...

— Continue.

— Realmente pensei que era ele. Não indaguei como ele podia falar comigo sem estar presente, mas respondi e ele me disse quanta falta sentia de mim, e como achava que era melhor a maneira como as coisas estavam, e passou o resto da noite comigo.

Ela começou a derramar lágrimas.

— Foi lindo.

Hank não sabia o que pensar do que ela dizia.

— Incrível — foi tudo o que conseguiu dizer.

De novo ela olhou para ele com aqueles grandes olhos súplices e disse através das lágrimas:

— Eu sabia que você acreditaria em mim. Já ouvi falar de você. Dizem que é um homem compassivo, e muito compreensivo...

Depende de quem você ouve, pensou Hank; mas então a mão dela estava novamente tocando a sua. Hora de suspender a consulta, pen­sou Hank.

— Ah — disse, tentando ser confortador, sincero e imparcial. — Escute, acho que foi uma hora bem proveitosa...

— Oh, sim!

— Você gostaria de voltar na semana que vem?

— Oh, adoraria! — exclamou ela, como se Hank a tivesse convi­dado para um encontro. — Tenho tantas outras coisas para lhe contar!

— Bem, ótimo, acho que a próxima sexta está bem para mim se você puder.

Oh, ela podia, podia, sim, e Hank levantou-se, indicando que a sessão havia terminado. Não haviam coberto muito terreno, mas no que dizia respeito a Hank, céus, fora o bastante.

— Agora, vamos os dois tirar um tempo para pensar nessas coisas. Depois de uma semana, elas podem parecer um pouco mais claras.

Podem fazer mais sentido —. Onde, oh, onde estava Mary? Ah, ela voltava à sala.

— Já está de saída?

— Foi maravilhoso — suspirou Carmem, mas pelo menos soltou a mão de Hank.

Botar Carmem porta afora foi mais fácil do que Hank havia espe­rado. Maravilhosa Mary. Salvara a pátria! Hank fechou a porta e recostou-se contra ela.

— Uau! — foi tudo o que conseguiu dizer.

— Hank — disse Mary, com voz quase inaudível — eu não estou gostando nada disto!

— Ela... ela é bem quente, isso ela é.

— O que acha da história dela?

— Esperarei para ver. Quem telefonou?

— Espere só até ouvir isto! Era uma mulher do Clarim querendo saber se a pessoa que havíamos suspendido da comunhão da igreja era Alf Brummel!

De repente Hank pareceu um brinquedo inflável com um vaza­mento.

 Um pouco desapontada, Berenice entrou no escritório de Marshall. O redator estava à sua mesa, examinando alguns anúncios para a edição de terça-feira.

— E então, o que disseram? — perguntou ele sem erguer os olhos.

— Não é o Brummel, e acho que não foi uma pergunta muito delicada. Conversei com a esposa do pastor, e pelo tom da voz dela pude perceber que o assunto todo é muito espinhoso.

— E, ouvi conversa lá no barbeiro. Alguém estava dizendo que vão votar para mandar o pastor embora esta noite.

— Ah, então eles de fato têm problemas.

— Mas totalmente independentes do nosso, o que me deixa con­tente. Isso já foi longe demais.

Marshall examinou de novo a lista de nomes que Berenice havia conseguido com Albert Darr.

— Como é que querem que eu trabalhe aqui com esse tipo de coisas não resolvidas rolando por aí? Bernie, você está começando a dar muito trabalho, sabia?

Ela aceitou as palavras dele como elogio.

— E você já examinou aquele folheto que traz as matérias facul­tativas que Langstrat está dando?

Marshall apanhou-o e pôde apenas menear a cabeça incredulamente.

— Que raio de negócio é isto? “Introdução ao Deus e à Deusa Consciência e a Arte: a divindade do homem, bruxa, bruxo, a Roda Sagrada da Medicina, como funcionam os feitiços e rituais”? Você deve estar brincando!

— Continue lendo, chefe!

— “Caminhos para a sua Luz Interna: conheça os seus próprios guias espirituais, descubra a luz interna... harmonize seus níveis de existência mental, físico, emocional e espiritual através da hip­nose e da meditação.”

Marshall leu mais um pouco e a seguir exclamou:

— O quê? “Como Gozar o Presente Através da Experiência de Vidas Passadas e Futuras”?

— Gosto dessa que está perto do fim: “No Princípio Era a Deusa”. Langstrat, talvez?

— Por que ninguém ouviu falar disso antes?

— Por algum motivo, nunca foi anunciado no jornal da escola nem na lista pública das aulas. Foi o próprio Albert Darr quem me deu o folheto e disse que era um item passado um tanto exclusivamente de um para o outro entre os alunos interessados.

— E minha Sandy está assistindo à aula dessa mulher...

— É, de certa forma também todas essas pessoas da lista. Marshall colocou o folheto na mesa e apanhou a lista. Meneou a cabeça novamente; era a única coisa que ele conseguia pensar em fazer.

Berenice acrescentou:

— Acho que não me importo tanto se um bando de tontos querem cair na conversa dessa Langstrat, mas eles são importantes demais! Olhe só para isso: Dois dos membros do conselho diretor, o dono do terreno da faculdade, o tesoureiro municipal, o juiz do distrito!

— E Young! O respeitado, reverenciado, influente Oliver Young, tão envolvido na comunidade! — Marshall repassou mentalmente as recordações gravadas em alguma fita da sua memória. — É, o quadro está completo, agora faz sentido, todo aquele palavrório vago, evasivo que ele me passou no seu gabinete. Young tem uma religião toda particular. De batista conservador é que ele não tem nada, isso posso garantir!

— Religião não me interessa muito. Mas mentiras e trapaças são coisas totalmente diferentes!

— Bem, ele negou veementemente conhecer a Langstrat. Perguntei-lhe diretamente, bem na cara, e ele me disse que não a conhecia.

— Alguém está mentindo — cantarolou Berenice.

— Gostaria que tivéssemos mais corroboração.

— É, apenas acabamos de conhecer o Darr.

— E Ted Harmel? Você o conhecia bem?

— Bem o suficiente, suponho. Você sabe por que ele se foi embora?

— Brummel disse que houve um escândalo, mas em quem se pode acreditar hoje em dia?

— Ted negou.

— Ahá, todo o mundo está dizendo tudo e todo o mundo está negando tudo.

— Bem, de qualquer forma, ligue para ele. Eu tenho o número. Ele está morando perto de Windsor. Acho que está tentando ser um eremita.

Marshall correu os olhos pelo material dos anúncios ainda sobre a sua mesa, esperando seu tempo e atenção.

— Como é que vou conseguir fazer alguma coisa por aqui?

— Ei, não é nada importante. Se eu posso dar umas voltas por conta própria, o mínimo que você pode fazer é ligar para o Ted. Ligue amanhã... sábado, que é seu dia de folga. De repórter para repórter. De jornalista para jornalista. Pode cair nas graças dele.

Marshall suspirou.

— Passe-me o número.

 Mary terminou de arrumar a cozinha, pendurou o pano de pratos, e foi ao quarto dos fundos. Ali, no escuro, Hank estava orando ajoe­lhado ao lado da cama. Ela se ajoelhou ao lado dele, tomou a sua mão, e juntos se colocaram nas mãos do Senhor. A vontade de Deus seria feita aquela noite e, fosse qual fosse, a aceitariam.

Alf Brummel tinha uma chave da igreja e já estava presente, acen­dendo as luzes e aumentando a temperatura do termostato. Ele não se sentia nada bem. Era melhor que votassem certo desta vez, pen­sava.

No lado de fora, embora ainda faltasse meia hora para o início da reunião, carros começaram a chegar, em número maior do que o que geralmente comparecia aos domingos. Sam Turner, o principal com­parsa de Brummel, chegou em seu Cadilac, e ajudou Helen, a esposa, a descer do carro. Ele era uma espécie de fazendeiro, não um grande proprietário, mas agia como se fosse. Naquela noite, ele estava sombrio e decidido, assim como a esposa. Em outro carro, chegou John Coleman e a esposa Patrícia, um casal discreto que se transferira para aquela igrejinha de uma igreja grande em outra parte da cidade. Eles realmente gostavam de Hank e não se importavam em demonstrar a sua afeição. Bem sabiam que Alf Brummel não ficaria muito contente com a sua presença.

Outros foram chegando e depressa se coagulavam em grupinhos de sentimentos afins, falando em sílabas rápidas e tons baixos e mantendo os olhos voltados para si mesmos, exceto por uns poucos que espichavam o pescoço para ver quem tinha comparecido, ten­tando prever a contagem final.

Diversas sombras escuras de seu poleiro no topo do telhado da igreja, de suas posições à volta do prédio, ou dos postos para os quais tinham sido designados no templo, vigiavam tudo com muita cautela.

Lucius, mais nervoso que nunca, andava e flutuava sem cessar. Baal Rafar, ainda desejoso de manter-se em quase anonimato, havia-lhe confiado essa tarefa e, pelo menos nessa noite, Lucius estava de volta à antiga glória.

O que mais preocupava Lucius era a presença dos outros espíritos que ali se encontravam, os inimigos da causa, o exército dos céus. Estavam sendo mantidos afastados pelas forças de Lucius, sem dú­vida, mas havia guerreiros novos que ele jamais vira antes.

Nos arredores, mas não muito perto, Signa e seus dois guerreiros vigiavam. De acordo com as ordens de Tal, haviam permitido que os demônios tivessem acesso ao prédio, mas estavam de olho nas suas atividades e vigilantes quanto à presença de Rafar. Até então, simples presença deles, assim como a de muitos outros guerreiros, tinha exercido um efeito tranqüilizador sobre as hostes demoníacas. Não havia ocorrido nenhum incidente e, no momento, era tudo o que Tal desejava.

Quando Lucius viu o casal Coleman entrar pela porta da frente, começou a agitar-se. No passado, eles nunca se tinham mostrado muito fortes contra as derrotas e desânimos ordenados por Lucius, e o casamento deles quase se desfizera. Então, haviam-se colocado ao lado desse Busche de Oração, ouvindo o que ele dizia e tornando-se cada vez mais fortes. Não demoraria muito e eles, e outros como eles, constituiriam uma verdadeira ameaça.

Mas a sua chegada não causou tanta agitação em Lucius quanto o enorme e loiro mensageiro de Deus que os acompanhava. Lucius tinha certeza de nunca ter visto esse guerreiro antes. Enquanto os Coleman se assentavam, Lucius precipitou-se para baixo e interpelou o novo intruso.

— Nunca o vi antes! — disse grosseiramente, e todos os outros espíritos concentraram a atenção nele e no estranho. — De onde vem?

O estranho, Chimon da Europa, nada disse. Apenas cravou os olhos nos de Lucius e permaneceu firme.

— Diga-me o seu nome! — exigiu Lucius. O estranho não disse palavra.

Lucius sorriu matreiramente e sacudiu a cabeça.

— Você é surdo? É mudo? É tão irracional quanto é silencioso? — Os outros demônios caíram na risada. Adoravam esse tipo de jogo. — Diga-me, você é bom de luta?

Silêncio.

Lucius puxou de uma cimitarra que rebrilhou cor de sangue e

zumbiu metalicamente. Seguindo-lhe o exemplo, os outros demônios fizeram o mesmo. O ruído e o retinir de lâminas lustrosas encheram o aposento à medida que rubras meias-luas de luz refletida dançavam nas paredes. Um círculo de demônios armados impediram a inter­venção dos outros mensageiros de Deus, enquanto Lucius continuava a provocar o guerreiro desconhecido.

Lucius olhou para esse oponente firme e imóvel com um ódio ardente que fez seus olhos amarelados saltarem e seu hálito sulfuroso ser violentamente expelido através de narinas muito dilatadas. Ele brincou com a espada, fazendo-a descrever pequenos círculos na frente do rosto do estranho, tentando ver se o estranho fazia o menor movimento.

O estranho apenas o fitava, sem se mexer.

Com um grito intenso, Lucius passou a espada pela frente do es­tranho, cortando-lhe a roupa. Vivas e risadas ergueram-se do bando de demônios. Lucius posicionou-se para lutar, segurando a espada com as duas mãos, agachado, as asas abertas.

Diante dele estava uma estátua de túnica retalhada.

— Lute, seu espírito desanimado! — desafiou Lucius.

O estranho não reagiu, e Lucius cortou-lhe o rosto. Outros vivas da parte dos demônios.

— Tiro uma orelha? Ou duas? Corto-lhe a língua, se é que tem uma? — provocava Lucius.

— Acho que está na hora de começarmos — disse Alf Brummel do púlpito. Os presentes cessaram suas conversações cochichadas, e o lugar começou a aquietar-se.

Lucius olhou para o estranho com uma risadinha de mofa e indicou com a espada:

— Vá juntar-se aos outros covardes.

O novo guerreiro afastou-se, e então tomou seu lugar junto aos outros mensageiros de Deus atrás da barricada demoníaca.

Onze anjos tinham conseguido entrar na igreja sem encolerizar em demasia os demônios: Triskal e Krioni já haviam entrado com Hank e Mary. Eles tinham sido freqüentemente vistos na companhia do pastor e da esposa, e por isso não receberam muita atenção além das expressões e posturas ameaçadoras de sempre. Guilo estava lá, grande e ameaçador como nunca, mas aparentemente nenhum de­mônio tinha o menor interesse em dirigir-lhe qualquer pergunta.

Outro novo guerreiro, um polinésio troncudo, dirigiu-se a Chimon e tratou do ferimento do seu rosto enquanto Chimon consertava o rasgo da túnica.

— Mota, chamado da Polinésia — veio a apresentação.

— Chimon da Europa. Bem-vindo ao nosso grupo.

— Está em condições de continuar? — perguntou Mota.

— Continuarei — respondeu Chimon, tecendo habilidosamente o tecido da túnica com os dedos. — Onde está Tal?

— Ainda não chegou.

— Um demônio de febre tentou deter o casal Coleman. Sem dúvida Tal teve de enfrentar um ataque contra Duster.

— Não sei como ele o repelirá sem tornar-se visível.

— Deixe por conta dele —. Chimon olhou em redor. — Náo vejo o Príncipe Baal em parte alguma.

— Pode ser que jamais o vejamos.

— E possa ele jamais ver Tal.

Brummel, em pé atrás do púlpito passou os olhos pelas quase cinqüenta pessoas que se haviam reunido e deu início à reunião. Desse local vantajoso, nem mesmo ele podia deixar de tentar adi­vinhar a contagem final. Algumas pessoas iam definitivamente man­dar Hank passear, algumas definitivamente não iam, e então havia aquele grupo frustrador e imprevisível a respeito do qual ele não podia ter certeza.

— Desejo agradecer a todos o terem comparecido esta noite — disse ele. — Esta é uma questão dolorosa que temos de resolver. Era o meu desejo que a noite de hoje nunca chegasse, mas todos nós queremos que a vontade de Deus seja feita e almejamos o que for melhor para o seu povo. Assim, vamos iniciar com uma oração e entregar o res­tante da noite ao cuidado e direção divinas.

Tendo dito isso, Brummel iniciou uma oração muito pia, implo­rando a graça e a misericórdia do Senhor, com palavras que trariam lágrimas ao mais seco dos olhos.

No canto da frente do templo, Guilo, irritado, desejava que um anjo pudesse cuspir num ser humano.

Triskal perguntou a Chimon:

— Está recebendo força? Chimon respondeu:

— Por quê? Alguém mais vai orar?

Brummel terminou a oração, os presentes murmuraram alguns améns, e então ele prosseguiu com a apresentação do assunto em pauta.

— A finalidade desta reunião é discutirmos abertamente os nossos sentimentos com relação ao Pastor Hank, de colocar um ponto final em todas as calúnias e disse-que-disses, e encerrá-la com um voto decisivo de confiança. Espero que todos tenhamos a mente do Senhor ao resolver essas questões. Se houver algo que alguém deseje dizer ao grupo, eu pediria que limitasse o seu tempo a três minutos. Avi­sarei quando o tempo acabar, por isso não se esqueçam.

Brummel olhou para Hank e Mary, e continuou:

— Acho que é bom dar a palavra primeiro ao pastor. Depois, ele nos deixará a fim de podermos falar à vontade.

Enquanto Hank se levantava, Mary apertou-lhe a mão. Hank di­rigiu-se ao púlpito e, colocando-se atrás dele, segurou as laterais. Durante longos momentos, não pôde dizer coisa alguma, mas apenas ficou a olhar em cada olho de cada rosto. Percebeu de repente o quanto verdadeiramente amava essa gente, toda ela. Podia ver a du­reza em alguns rostos, mas não conseguia deixar de enxergar além dela a dor e a escravidão que subjugavam essas pessoas, iludidas, desviadas pelo pecado, pela cobiça, pela amargura e pela rebeldia. Em muitos outros rostos ele lia a dor que estavam sentindo por ele; sabia que alguns oravam silenciosamente, pedindo a misericórdia e a intervenção de Deus.

Hank, ao começar, deixou que uma breve oração lhe entremeasse os pensamentos.

— Sempre considerei um privilégio colocar-me atrás deste sagrado púlpito, a fim de pregar a Palavra e falar a verdade.

Examinou de novo o rosto dos presentes por apenas um momento e então continuou:

— E mesmo esta noite sinto que não posso me desviar da comissão que Deus me deu e do propósito pelo qual sempre me coloquei diante de vocês. Não estou aqui com o propósito de defender a minha pessoa ou o meu ministério. Jesus é o meu advogado, e deixo o curso de minha vida aos cuidados da sua graça, orientação e misericórdia. Por isso, esta noite, já que estou mais uma vez atrás deste púlpito, dei­xem-me partilhar com vocês aquilo que recebi de Deus.

Hank abriu a Bíblia e leu na segunda epístola de Paulo a Timóteo, capítulo 4.

“Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino; prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceiras em seus ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o tra­balho de evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério.”

Hank fechou a Bíblia, correu o olhar pelo aposento e disse com firmeza:

— Que cada um de nós aplique a palavra de Deus onde ela for aplicável. Esta noite falarei apenas por mim mesmo. Tenho um cha­mado de Deus; acabei de lê-lo. Alguns de vocês, eu sei, tiveram realmente a impressão de que Hank Busche está obcecado com o evangelho, que ele só pensa nisso. Bem, é verdade. Às vezes chego a perguntar-me por que permaneço numa posição tão difícil como esta, neste esforço penoso... mas para mim o chamado de Deus na minha vida é uma ordem inescapável e, como disse Paulo: “Ai de mim se não pregar o evangelho.” Compreendo que às vezes a verdade da Palavra de Deus pode tornar-se em divisão, irritação, em pedra de tropeço. Mas isso só acontece porque ela permanece imutável, inflexível, firme. E que melhor razão poderia haver para construirmos a vida sobre tão imutável alicerce? Violar a Palavra de Deus nada mais é que destruir a nós mesmos, nossa alegria, nossa paz, nossa felicidade.

— Desejo ser justo com vocês, e por isso falarei a verdade ao dizer-lhes exatamente o que podem esperar de minha parte. Tenciono amá-los a todos, não importa o que aconteça. Tenciono pastoreá-los e alimentá-los enquanto desejarem que eu fique. Não desacreditarei, nem transigirei, nem darei as costas àquilo que acredito que a Palavra de Deus ensina, e isso significa que haverá horas em que terão o meu cajado de pastor em torno de seus pescoços, não para julgar ou fazer mal, mas para ajudá-los a se voltarem para a direção certa, a fim de protegê-los e curá-los. Tenciono pregar o evangelho de Jesus Cristo, pois para isso fui chamado. Sinto uma grande responsabilidade por esta cidade; há vezes em que sinto tão fortemente essa responsabi­lidade que tenho de perguntar-me por que, mas esse sentimento não se vai e não posso dar-lhe as costas nem tentar negá-lo. Até que o Senhor me diga o contrário, tenciono permanecer em Ashton a fim de me desincumbir dessa responsabilidade.

— Se esse é o tipo de pastor que desejam, então digam-me esta noite. Se não for esse o tipo de pastor que desejam... bem, realmente também preciso saber.

— Amo-os a todos. Desejo o melhor que Deus tem para lhes dar. E acho que isso é tudo o que tenho a dizer.

Hank desceu da plataforma, pegou a mão de Mary, e os dois saíram pela passagem central rumo à porta. Hank tentou captar os olhos de tantas pessoas quantas pudesse. Algumas lhe deram olhar de amor e estímulo, outras desviaram os olhos.

Krioni e Triskal saíram com Hank e Mary. Lucius observava com zombeteiro desdém.

Guilo murmurou para os companheiros:

— Enquanto o gato está ausente, os ratos vão brincar.

— Onde está Tal? — perguntou novamente Chimon. Brummel pôs-se de pé diante do grupo.

— Ouviremos agora as declarações da congregação. Levantem a mão se quiserem falar. Sim, Sam, porque não fala primeiro?

Sam Turner levantou-se e foi à frente.

— Obrigado, Alf — disse. — Bem, não tenho dúvida de que todos conhecem a mim e a minha esposa Helen. Temos morado nesta comunidade por mais de trinta anos, e apoiamos esta igreja através de tudo quanto foi dificuldade. Ora, não tenho muito o que dizer esta noite. Todos sabem que tipo de pessoa sou, como acredito em amar ao próximo e em viver uma vida de bem. Tenho tentado fazer o que é certo e ser um bom exemplo daquilo que um cristão deveria ser.

— E estou zangado esta noite. Estou zangado por causa de meu amigo Lou Stanley. Vocês podem ter notado que Lou não está aqui hoje, e estou certo de saber o por quê. Antigamente, ele podia apa­recer na igreja e fazer parte dela, e nós todos o amávamos e ele nos amava, e acho que todos ainda o amam. Mas esse sujeito Busche, que se acha ser um presente de Deus para o mundo, pensou que tinha o direito de julgar o Lou e chutá-lo para fora da igreja. Agora, amigos, deixem-me dizer-lhes uma coisa: ninguém chuta Lou Stanley para fora de lugar algum se Lou não quiser, e o próprio fato de Lou ter concordado com essa difamação de caráter simplesmente mostra a bondade do seu coração. Ele já podia ter processado Busche, ou resolvido a questão como já o vi resolver outros problemas. Ele não tem medo de nada. Mas acho que Lou está com tanta vergonha das coisas horríveis que foram ditas a respeito dele e tão magoado pelo que acha que pensamos dele que achou melhor não aparecer mais.

— Ora, temos aqui esse fofoqueiro farisaico de Bíblia em punho, o culpado desses problemas. Perdoem-me se pareço um tanto duro, mas, ouçam, lembro-me de quando esta igreja era como uma família. Quanto tempo faz agora desde que ela foi assim? Vejam o que acon­teceu: cá estamos, envolvidos numa grande discussão, e por quê? Porque permitimos que Hank Busche viesse e alvoroçasse a todo o mundo. Ashton costumava ser uma cidade pacífica, esta igreja cos­tumava ser pacífica, e digo que devemos fazer o que for necessário para que as coisas voltem a ser como antes.

Turner voltou ao seu lugar enquanto algumas cabeças acenaram silenciosamente em encorajamento e aprovação.

Em seguida, John Coleman pediu a palavra. Uma pessoa tímida, ele estava muito nervoso por ter de falar na frente de todos, mas estava preocupado bastante para fazê-lo assim mesmo.

— Bem — disse, revolvendo nervosamente a Bíblia e olhando para o chão — em geral não falo muito, e estou morrendo de medo pelo fato de estar em pé aqui, mas... acho que Hank Busche é um ver­dadeiro homem de Deus, um bom pastor, e eu realmente detestaria vê-lo partir. A igreja da qual Pat e eu viemos, bem, simplesmente não estava satisfazendo às nossas necessidades, e estávamos ficando com fome: fome da Palavra, da presença de Deus. Achamos ter en­contrado essas coisas aqui, e estávamos realmente esperando poder participar desta igreja e crescer no Senhor sob o ministério de Hank, e sei que uma porção de outras pessoas sentem da mesma forma. No que diz respeito a esse negócio do Lou, o que aconteceu não foi apenas responsabilidade do Hank. Todos nós participamos da de­cisão, inclusive eu, e sei que Hank não estava tentando magoar a ninguém.

Quando John se assentou, Patrícia deu-lhe uns tapinhas no braço e disse:

— Você se saiu muito bem —. Mas John não tinha tanta certeza assim.

Brummel dirigiu-se ao grupo.

— Acho que seria uma boa idéia ouvirmos o que o secretário da igreja, Gordon Mayer, tem a dizer.

Gordon Mayer foi à frente levando alguns arquivos e atas da igreja. Era um homem tenso, de expressão rígida e voz rouquenha.

— Tenho dois assuntos que desejo apresentar ao grupo — disse. — Antes de mais nada, na parte de negócios, vocês todos precisam ficar sabendo que as ofertas decaíram nos últimos meses, mas as nossas contas ficaram na mesma, se é que não subiram. Em outras palavras, o dinheiro está acabando, e eu pessoalmente não tenho dúvidas quanto ao motivo. Existem diferenças entre nós que real­mente precisamos resolver, e deixar de contribuir não é o modo de fazer isso. Se tiverem reclamação acerca do pastor, então façam o que tiverem de fazer esta noite, mas não vamos acabar com a igreja toda por causa desse homem.

— Em segundo lugar, não sei se adianta alguma coisa, mas deixem-me dizer-lhe que a comissão original designada para escolher o pastor estava considerando outro homem para o cargo. Eu fiz parte da comissão e posso garantir-lhes que ela não tinha a menor intenção de recomendar Busche para o cargo. Estou convencido de que a coisa toda foi um engano, um grave erro. Votamos no homem errado e agora estamos pagando.

— Por isso, deixem-me encerrar assim: Claro, cometemos um erro, mas tenho fé no grupo que está aqui, e acho que podemos dar as costas ao que passou e começar a fazer a coisa certa para variar. Vamos lá, pessoal.

E assim foi a noite durante quase duas horas, enquanto ambos os lados se alternavam em crucificar e louvar a Hank Busche. Os nervos vieram à tona, os traseiros se adormeceram, as costas se grudaram, e os pontos de vista opostos cada vez mais se exaltaram em suas convicções. Após duas horas, um sentimento comum começou a ser murmurado pelo salão: “Vamos lá, está na hora de votar...”

Alf Brummel havia tirado o paletó, soltado a gravata, e arregaçado as mangas. Ele estava juntando uma pilha de quadradinhos de papel, as cédulas.

— Muito bem, este voto será secreto — disse, entregando os papéis a dois auxiliares escolhidos às pressas, os quais os distribuíram à congregação. — Vamos manter a coisa bem simples. Se deseja que o pastor fique, escreva sim, e se quiser outra pessoa, escreva não.

Mota cutucou Chimon.

— Hank terá número suficiente de votos? Chimon apenas meneou a cabeça.

— Ainda não temos certeza.

— Quer dizer que ele pode perder?

— Esperemos que alguém esteja orando.

— Onde, mas, onde está Tal?

Escrever um simples sim ou não tomava pouco tempo, de modo que quase de imediato os auxiliares estavam recolhendo os votos.

Guilo estava quieto no seu canto, fitando com ferocidade tantos demônios quantos olhassem para ele. Alguns dos espíritos menores de perturbação adejavam pelo templo tentando ver o que as pessoas estavam marcando nas cédulas, e rindo, fazendo caretas, dando vivas ou xingando conforme o que viam. Em pensamento, Guilo via três ou quatro daqueles pescocinhos finos em suas mãos. Não vai de­morar, demoniozinhos, não vai demorar.

Brummel assumiu o comando novamente.

— No interesse da justiça vamos escolher representantes dos dois diferentes... ah... pontos de vista para virem fazer a contagem.

Depois de um bocado de risinhos nervosos, John Coleman foi es­colhido pelos favoráveis e Gordon Mayer pelos desfavoráveis. Os dois levaram os pratos de coleta cheios de votos a um banco nos fundos. Um bando de demônios esvoaçando e chiando convergiu sobre o local, querendo ver o resultado.

Guilo também saiu do seu canto. Nada mais justo, pensou. Lucius precipitou-se do teto num instante e sibilou:

— Volte para o seu canto!

— Desejo ver o resultado.

— Ah, é isso o que você deseja, não é mesmo? — zombou Lucius — E se eu resolver abri-lo como fiz ao seu amigo?

Algo na forma pela qual Guilo respondeu: — Experimente — pode ter feito Lucius reconsiderar. À aproximação de Guilo os demoniozinhos saíram alvoroçados como um bando de galinhas. Ele se inclinou sobre os dois homens para dar uma olhada. Gordon Mayer contava primeiro, em silêncio, e depois passava as cédulas a John Coleman. Mas sorrateiramente escondeu alguns votos positivos na palma da mão. Guilo olhou para ver quão atentamente os demônios estavam observando, depois fez ele mesmo um movimento sorrateiro, tocando as costas da mão de Mayer.

Um demônio percebeu e bateu na mão de Guilo com garras à mostra. Guilo puxou depressa a mão e chegou infinitamente perto de rasgar o demônio em tiras, mas conteve-se e obedeceu às ordens de Tal.

— Qual é seu nome? — quis saber Guilo.

— Trapaça — respondeu o demônio.

— Trapaça — repetiu Guilo enquanto voltava ao seu canto. — Trapaça.

Mas o golpe de Guilo havia servido para frustrar o esforço de Mayer. As cédulas caíram da mão do homem e John Coleman as viu.

— Você derrubou alguma coisa aí — disse ele com muita doçura. Mayer não pôde dizer nada. Simplesmente entregou as cédulas ao outro.

A contagem estava terminada, mas Mayer queria contar outra vez. Contaram os votos novamente. O número não mudou: estava em­patado.

Os dois relataram o resultado a Brummel, e este disse à congre­gação, que gemeu baixinho.

Alf Brummel sentia as mãos umedecerem; tentou enxugá-las no lenço.

— Bem, ouçam — disse ele — pode não haver muita possibilidade de que alguns de vocês reconsiderem, mas estou certo de que nin­guém deseja prolongar este negócio além de hoje. Vamos fazer uma coisa: por que não tiramos um curto intervalo e damos a alguns a chance de se levantarem, espreguiçarem, usarem o banheiro. Depois nos reuniremos e votaremos de novo.

Enquanto Brummel falava, os dois demônios postados no canto da igreja viram algo muito inquietante. A apenas um quarteirão vinham duas senhoras idosas, manquitolando em direção à igreja. Uma an­dava apoiada na bengala e ajudada pela mão da amiga. Ela não parecia nada bem, mas o queixo estava firme e os olhos brilhantes e deci­didos. Os estalidos da bengala formavam um ritmo sincopado com os dos seus passos. A amiga, melhor de saúde e mais forte, mantinha-se ao seu lado, segurando-lhe o braço a fim de afirmá-la e cochichava algo ao seu ouvido.

— A da bengala é Duster — disse um demônio.

— O que saiu errado? — quis saber o outro. — Pensei que tivessem dado um jeito nela.

— Está doente, com certeza, mas veio de qualquer forma.

— E quem é a velha que a acompanha?

— Edith Duster tem muitas amigas. Devíamos ter sabido.

As duas senhoras subiram a escada da frente, cada degrau em si uma tarefa penosa, primeiro um pé, depois o outro, depois a bengala colocada no degrau seguinte, até que finalmente chegaram à porta da frente.

— Aí, olhe só! — riu-se a mais forte. — Eu sabia que você con­seguiria. O Senhor a trouxe até aqui, ele cuidará de você o resto do percurso.

— Edith Duster precisa mais é de um derrame — murmurou um demônio de enfermidade, sacando da espada.

Talvez fosse apenas sorte, ou incrível coincidência, mas no exato momento em que o demônio se precipitou com grande velocidade para cortar as artérias do cérebro de Edith Duster, a outra senhora adiantou-se a fim de abrir a porta e se pôs bem na frente. A ponta da espada do demônio bateu no ombro da mulher, que podia ter sido de concreto; a espada se deteve. Enfermidade, contudo, não parou, mas deu uma reviravolta por cima das duas mulheres e aos tram-bolhões, como um papagaio quebrado, foi parar no pátio da igreja enquanto Edith Duster entrava.

Enfermidade levantou-se e berrou:

— O exército celestial!

O outro demônio de guarda fitou-o sem compreender.

Brummel viu Edith Duster entrar sozinha. Ele soltou uma praga silente. Esse seria o voto que desempataria, mas ela certamente vo­taria em Busche. As pessoas reuniam-se de novo.

Os mensageiros de Deus estavam eufóricos.

— Parece que Tal conseguiu — disse Mota. Chimon, entretanto, estava preocupado.

— Com tanto inimigo por perto, ele com toda a certeza teve de se mostrar.

Guilo deu uma risada.

— Estou certo de que o nosso Capitão foi muito discreto.

Alguns demônios estavam de fato tentando descobrir que fim le­vara a companheira de Edith Duster entre a porta da frente e o san­tuário. Enfermidade continuava insistindo em que havia sido um guerreiro celeste, mas onde estava ela agora?

Tal, Capitão do Exército, reuniu-se a Signa e aos outros guardas em sua posição escondida.

— O senhor enganou até a mim, Capitão — disse Signa.

— Você poderia tentar esse truque algum dia — replicou Tal. Na plataforma, Brummel tateava mentalmente em busca de um trunfo. Ele podia até ver os olhos ardentes de Langstrat, caso a votação saísse errada.

— Bem — disse ele — por que não reiniciamos a assembléia e nos preparamos para outra votação? — Os presentes se acomodaram, e fez-se silêncio. O lado dos sim estava mais do que pronto.

— Agora que oramos e falamos sobre o assunto, talvez alguns de nós pensemos de forma diferente acerca do futuro desta igreja. Eu... hum... — Vamos lá, Alf, diga alguma coisa, mas não fale bobagem.

— Acho que poderia dizer algumas palavras; ainda não transmiti o que sinto. Sabem, Hank Busche é um pouco jovem... Um encanador de meia idade do campo positivo disse:

— Se você vai reforçar o lado negativo, temos o direito ao mesmo tempo para o positivo.

Todos os pelo sim murmuraram concordando enquanto os pelo não permaneceram em frio silêncio.

— Não, ouçam — gaguejou Brummel, o rosto vermelho-vivo — não tive a intenção de influenciar a votação. Apenas estava...

— Vamos votar! — disse alguém.

— Sim, votem, e depressa! — sussurrou Mota.

Nesse exato momento a porta se abriu. Oh, não, pensou Brummel, quem está chegando desta vez?

O silêncio caiu como uma mortalha sobre todo o grupo. Lou Stan­ley havia acabado de entrar. Sombrio, acenou com a cabeça cum­primentando a todos e assentou-se num banco dos fundos.

Gordon Mayer disse:

— Vamos à votação!

Os auxiliares passaram as cédulas enquanto Brummel tentava pla­nejar uma boa rota de escape, caso precisasse vomitar, seus nervos estavam praticamente em frangalhos. Ele conseguiu a atenção de Lou Stanley. Lou olhou-o e pareceu dar uma risadinha nervosa.

— Assegure-se de que o Lou, que está lá atrás, receba uma cédula — disse Brummel a um dos auxiliares. O auxiliar cumpriu o pedido.

Chimon sussurrou a Guilo.

— Acho que estamos prontos para qualquer truque que Lucius possa querer pregar.

— Qualquer coisa que leve a um desempate, você quer dizer — respondeu Guilo.

— Pode ser que ainda demore bastante — disse Mota.

As cédulas foram recolhidas, e Lucius manteve os seus demônios em cerco fechado ao redor de cada receptáculo de coleta, e os olhos em cada guerreiro.