quarta-feira, 5 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 08

Triste, Sandy Hogan estava sentada à mesinha de almoço numa praça do campus sombreada por um caramanchão. Seu olhar estava fixo num hambúrguer pré-preparado e aquecido em forno de microondas, que esfriava aos poucos, e numa caixinha de leite que aos poucos ficava morno. Ela conseguira assistir às aulas naquela manhã, nem absorvera a maior parte delas. A sua mente estava demasiado ocupada consigo mesma, sua família, e seu belicoso pai. Além disso, tinha sido uma forma horrível de passar a noite, atravessar a cidade de ponta a ponta, e ficar sentada a noite toda na estação rodoviária de Ashton, lendo o texto de psicologia. Após a última aula do dia, ela havia tentado tirar uma soneca no gramado do jardim da escultura, e chegara até a dar um breve cochilo. Quando acordou, o seu mundo não havia melhorado, e ela tinha apenas duas impressões: fome e solidão.

Agora, sentada naquela mesinha com o almoço comprado na má­quina, sua solidão estava empurrando para longe a fome e ela estava à beira das lágrimas.

— Por que, Papai? — murmurou em tom quase inaudível, mexendo o leite com o canudo. — Por que você não me consegue amar do jeito que sou?

Como podia ele ter tanta coisa contra ela quando mal a conhecia? Como podia ser tão inflexível contra os seus pensamentos e filosofias quando nem mesmo conseguia compreendê-los? Os dois viviam em mundos diferentes, e cada qual desprezava o do outro.

Na noite anterior ela e o pai não haviam trocado palavra, e Sandy fora deitar-se deprimida e zangada. Mesmo enquanto ouvia os pais apagarem as luzes, escovarem os dentes, e se deitarem, pareciam estar a meio mundo de distância. Ela desejava chamá-los para virem ao seu quarto e estender-lhes os braços, mas sabia que não daria certo; o pai faria exigências e imporia condições ao relacionamento, em vez de amá-la, simplesmente amá-la.

Ela ainda não sabia o que a havia aterrorizado no meio da noite. Tudo o de que conseguia se recordar era ter acordado acossada por todos os medos que já tivera — medo da morte, medo do fracasso, medo da solidão. Ela tinha de sair da casa. Ela sabia, mesmo enquanto se vestia às pressas e saia correndo pela porta, que era tolice e não adiantaria nada, mas as sensações eram mais fortes do que qualquer bom senso que ela podia invocar.

Agora ela se sentia muito como um pobre animal jogado ao espaço sem meios de voltar, flutuando inquieto, esperando por nada em particular e sem nenhuma expectativa.

— Oh, Papai — choramingou ela, e então as lágrimas começaram a cair.

Ela deixou que os cabelos cor de fogo caíssem como macios anteparos dos dois lados do rosto e as lágrimas caíram uma a uma no topo da mesa. Ela ouvia gente passando, mas essas pessoas preferiam viver em seu próprio mundo e deixá-la a sós no dela. Ela tentou chorar baixinho, o que era difícil quando as emoções queriam sair como o cascatear de uma represa quebrada.

— Ah... — veio uma voz suave e hesitante — dá licença... Sandy ergueu os olhos e viu um rapaz loiro, um tanto magro, com grandes olhos castanhos cheios de compaixão. O rapaz disse:

— Por favor, desculpe a intromissão. .. mas... há alguma coisa que eu possa fazer para ajudar?

 A sala de estar do apartamento da professora Juleen Langstrat es­tava escura, e muito, muito quieta. Uma vela na mesinha de centro espalhava luz amarela e baça pelas estantes que iam até o teto, as estranhas máscaras orientais, a mobília muito bem disposta, e as faces das duas pessoas que estavam assentadas uma em frente da outra, com a vela no meio. Uma das pessoas era a professora, a cabeça descansando de encontro ao espaldar da cadeira, os olhos cerrados, os braços estendidos à frente, as mãos fazendo suaves movimentos circulares como os de alguém tentando manter-se à tona da água.

O homem sentado à sua frente era Brummel, também de olhos fechados, mas não refletindo muito bem a expressão e os atos de Langstrat. Parecia constrangido e pouco à vontade. A pequenos in­tervalos, e por um átimo, ele entreabria os olhos apenas o suficiente para ver o que Langstrat estava fazendo.

Então, ela começou a gemer e seu rosto registrou dor e aborreci­mento. Ela abriu os olhos e endireitou-se na cadeira. Brummel de­volveu-lhe o olhar.

— Você não se sente bem hoje, não é? Ele deu de ombros e olhou para o chão.

— Estou bem. Apenas cansado.

Ela abanou a cabeça, insatisfeita com a resposta.

— Não, não, é a energia que sinto emanando de você. Está muito perturbado.

Brummel não teve resposta.

— Conversou com Oliver hoje? — sondou ela. Ele hesitou, e finalmente disse:

— Sim, claro.

— E você foi falar com ele sobre o nosso relacionamento. Essa afirmativa provocou uma reação.

— Não! Não é...

— Não minta para mim.

Ele murchou um pouco e deixou escapar um suspiro de frustração.

— Sim, claro, falamos sobre isso. Mas falamos de outras coisas também.

Langstrat sondou-o com os olhos como se tirasse uma radiografia dele. As mãos da mulher se abriram e começaram a oscilar no ar muito de leve. Brummel tentou escapar de vista afundando-se na cadeira.

— Ei, escute — disse, a voz trêmula — não foi grande coisa... Ela começou a falar como se estivesse lendo um bilhete preso ao peito dele.

— Você está... amedrontado, sente-se encurralado, foi contar ao Oliver... também sente que está sendo controlado... — Ela fitou-lhe o rosto. — Controlado? Por quem?

— Não sinto que estou sendo controlado!

Ela deu uma risadinha a fim de deixá-lo mais à vontade.

— Ora, claro que sim. Acabei de ler que sim.

Brummel olhou por uma fração de segundo em direção ao telefone na mesinha de canto.

— Young ligou? Ela sorriu divertida.

— Não foi preciso. Oliver está muito próximo da Mente Universal. Estou começando a unir-me aos seus pensamentos agora —. A ex­pressão dela endureceu. — Alf, eu realmente gostaria que você es­tivesse se saindo tão bem quanto ele.

Brummel suspirou novamente, escondeu o rosto nas mãos, e fi­nalmente explodiu:

— Ei, escute, não posso atacar tudo de uma só vez! É demais o que existe para aprender!

Ela colocou a mão na dele, confortando-o.

— Bem, então vamos tratar dessas coisas uma de cada vez. Alf? — Ele olhou para ela. — Você está amedrontado, não está? De que tem medo?

— Diga você — e era quase um desafio.

— Estou-lhe dando uma chance de falar primeiro.

— Está bem, não estou com medo.

Pelo menos, não até aquele exato segundo, quando os olhos de Langstrat se entrefecharam e começaram a atravessá-lo.

— Você realmente está amedrontado — disse ela severamente. — Está amedrontado por ter sido fotografado aquela noite pela repórter do Clarim. Não é verdade?

Zangado, Brummel apontou-lhe um dedo.

— Está vendo, foi exatamente essa uma das coisas das quais eu e Young falamos! Ele ligou para você! Deve ter ligado para você!

Ela assentiu com a cabeça, imperturbável.

— Sim, claro que me ligou. Ele não esconde nada de mim. Nenhum de nós esconde a verdade de todos os outros, você sabe disso.

Brummel viu que era melhor abrir o jogo.

— Estou preocupado com o Plano. Está ficando grande demais, grande demais para conseguirmos manter escondido. Acho que fo­mos descuidados ao encontrar-nos em público daquele jeito.

— Mas já resolvemos esse assunto. Não há com que se preocupar.

— Oh, não? Hogan está no nosso rasto! Suponho que saiba que ele esteve fazendo umas perguntas muito delicadas a Oliver?

— Oliver sabe cuidar-se.

— E então, como cuidamos de Hogan?

— Da mesma forma que cuidamos de todos os outros. Está sabendo que ele conversou com Oliver a respeito dos problemas que está tendo com a filha? Você deveria achar isso interessante.

— Que tipo de problemas?

— Ela fugiu de casa... e, não obstante, ainda sentiu vontade de ir à minha aula hoje. Gostei disso.

— Então como usaremos isso?

Ela sorriu aquele sorriso astucioso.

— Tudo na hora certa, Alf. Não podemos apressar as coisas.

Brummel levantou-se e começou a andar de cá para lá. — Com Ho­gan, não tenho tanta certeza. Ele pode não ser o bobalhão que Harmel era. Talvez mandar prender Krueger tenha sido um erro.

— Mas você teve acesso ao filme; fez com que fosse destruído. Ele se voltou a fim de defrontá-la.

— E o que adiantou? Antes eles não estavam fazendo perguntas, e agora estão! Vamos, sei o que eu pensaria se pegasse a minha máquina de volta e o filme tivesse sido arruinado. Hogan e Krueger não são tão ingênuos assim.

Langstrat falou docemente, colocando os braços ao redor dele como os ramos de uma trepadeira.

— Ah, mas eles são vulneráveis, primeiro com relação a você, e por último com relação a mim.

— Exatamente como todo mundo — resmungou ele.

Ele deveria ter esperado a reação da mulher. Ela se tornou muito fria e assustadora e olhou-o diretamente nos olhos.

— E esse — disse — é outro tópico que você discutiu com Oliver hoje.

— Ele lhe conta tudo!

— Os Mestres me contariam se ele não contasse.

Brummel tentou desviar os olhos. Não podia suportar o que quer que fosse que tornava tamanha beleza tão imensamente repelente.

— Olhe para mim! — insistiu ela, e Brummel obedeceu.— Se você não está contente com o nosso relacionamento, posso sempre ter­miná-lo.

Ele olhou para baixo, gaguejou um pouco.

— Está... tudo bem...

— O quê?

— Quero dizer que estou feliz com o nosso relacionamento.

— De verdade?

Ele estava desesperado para apaziguá-la, fazer que ela o largasse.

— Eu... apenas não quero ver as coisas se descontrolarem... Ela lhe deu um beijo lento, vampiresco.

— Você é quem precisa de mais controle. Não é o que sempre lhe ensinei?

Ela o estava picando em pedacinhos, e ele sabia disso, mas ela o possuía. Ele lhe pertencia.

Ainda sentia uma preocupação da qual não conseguia se desvencilhar.

— Mas quantos adversários podemos continuar a remover? Parece que toda vez que nos livramos de um, aparece outro no lugar. Hannel se foi, chegou Hogan...

Ela completou o pensamento dele.

— Você deu um jeito em Farrel, e chegou Henry Busche.

— Isso não pode continuar. As probabilidades estão contra nós.

— Busche está praticamente fora. Não vai haver um voto de con­fiança nesta sexta-feira?

— A congregação está ficando bem transtornada. Mas...

— Sim?

— Você sabia que ele tirou Lou Stanley da igreja por adultério?

— Ah, sim, isso deve ajudar a congregação a decidir.

— Uma porção de gente concordou com o que ele fez!

Ela se afastou um pouco a fim de encará-lo melhor, gelando-lhe o sangue com os olhos.

— Você está com medo de Henry Busche?

— Ouça, ele ainda tem bastante apoio na igreja, mais do que pensei que tivesse.

— Você está com medo dele!

— Alguém está do lado dele, não sei quem. E se ele descobrir a respeito do plano?

— Ele jamais descobrirá coisa alguma! — Se ela tivesse presas, estariam de fora. — Ele será destruído como ministro muito antes disso. Você dará um jeito nele, não é?

— Estou trabalhando nisso.

— Não se curve diante desse Henry Busche! Ele se curva diante de você, e você se curva diante de mim!

— Estou trabalhando nisso, já disse! Ela se descontraiu e sorriu.

— Terça que vem, então?

— Eh...

— Celebraremos a extinção de Busche que ocorrerá sexta-feira. Poderá me contar o que aconteceu.

— E o que diz de Hogan?

— Hogan é um tolo frouxo e enfraquecido. Não se preocupe com ele. Ele não é sua responsabilidade.

Antes que Brummel soubesse o que estava acontecendo, estava em pé do lado de fora da porta dos fundos.

Langstrat observou-o da janela até que ele entrou no carro e partiu pelo caminho de sempre, o beco, onde não seria visto. Ela abriu as cortinas para deixar entrar um pouco de luz, apagou a vela da mesinha de centro, e então tirou uma pasta da gaveta da escrivaninha.

Não demorou para que tivesse organizado em pilhas bem feitas os históricos de vida, perfis de personalidade e fotografias atuais de Marshall, Kate e Sandy Hogan. Quando seus olhos recaíram sobre a foto de Sandy, brilharam maliciosamente.

Pairando invisível sobre o ombro de Langstrat estava uma enorme mão preta adornada de anéis de pedras e braceletes de ouro. Uma voz profunda e sedutora colocava pensamentos na mente da mulher.

Na tarde de terça-feira, o Clarim fazia lembrar um campo de batalha após todos terem morrido ou batido em retirada. O lugar estava mor­talmente silencioso. George, o linotipista, geralmente tinha folga no dia após a publicação a fim de poder recuperar-se da frenética corrida para aprontar tudo dentro do prazo. Tom, o colador, estava fora cobrindo uma história local.

Quanto a Edie, a secretária/repórter/moça dos anúncios havia pe­dido demissão e deixado o emprego na noite anterior. Marshall não sabia que ela já tinha sido feliz no casamento, mas o relacionamento foi-se deteriorando gradativamente, e afinal ela teve um pequeno caso com um caminhoneiro, o que resultará em uma explosão muito recente em casa, com pedaços do casamento voando para todos os lados e os cônjuges voando abruptamente em direções opostas. Agora ela se fora, e Marshall podia sentir o súbito vazio.

Ele e Berenice estavam sentados a sós no escritório fechado a vidro no fundo da pequena sala de noticiário/sala de anúncios/escritório de entrada. De sua escrivaninha, uma pechincha de segunda mão, Marshall podia olhar pelo vidro e ver as três escrivaninhas, duas máquinas de escrever, dois cestos de lixo, dois telefones, e uma cafeteira elétrica. Tudo parecia atravancado e ocupado, com papéis e material para publicação espalhados por toda a parte, mas abso­lutamente nada estava acontecendo.

— Por acaso você saberia onde ficam as coisas por aqui? — per­guntou ele a Berenice.

Berenice estava sentada à mesa de trabalho adjacente à escriva­ninha de Marshall, as costas contra a parede, mexendo uma caneca personalizada de chocolate quente.

— Ahá, acharemos tudo — respondeu ela. — Sei onde ela guardava os livros, e tenho certeza de que o fichário rotativo dela contém todos os endereços e números telefônicos.

— E o fio da cafeteira?

— Por que você acha que estou tomando chocolate quente?

— Droga. Gostaria que alguém me tivesse dito.

— Acho que, na realidade, ninguém sabia.

— É melhor colocarmos um anúncio para o cargo de secretária esta semana. Edie fazia mais do que sua obrigação por aqui.

— Acho que foi uma briga violenta. Ela está deixando a cidade para sempre, antes que os olhos roxos do marido sarem e ele consiga ver para encontrá-la.

— Casos. Nunca dão bom resultado.

— E então, você ouviu a última a respeito de Alf Brummel? Marshall ergueu os olhos para ela. Empoleirada na mesa, como um pássaro arisco, ela tentava parecer mais interessada no chocolate quente do que na novidade picante.

— Nas atuais circunstâncias — disse ele — estou morrendo de vontade de ouvir.

— Almocei com Sara, a secretária dele, hoje. Ele some por diversas horas toda terça à tarde e nunca diz onde vai, mas Sara sabe. Acho que nosso amigo Alf tem alguma namorada especial.

— Sim, Juleen Langstrat, professora de psicologia da faculdade. Isso estragou tudo para Berenice.

— Como você sabia?

— A loira que você viu aquela noite, lembra-se? Um dia depois Que minha repórter vai parar em cana por tirar as fotos erradas no parque de diversões, Langstrat expulsa-me da sua sala de aula. Acres­cente a isso o fato de as orelhas de Oliver Young terem ficado bem vermelhas quando ele me disse que não a conhecia.

— Você é brilhante, Hogan.

— Apenas um bom adivinhador.

— Ela e Brummel realmente estão aprontando alguma coisa. Ele diz que é terapia, mas acho que está gostando, se é que entende aonde quero chegar.

— E daí, qual é a ligação de Young com os dois? Berenice não ouviu a pergunta.

— Pena que Brummel ainda não seja casado. Nesse caso, eu poderia fazer mais com o que sei.

— Ei, sintonize de novo, está bem? Temos um clubezinho aqui, e todos os três são membros.

— Desculpe.

— O que realmente procuramos é seja o que for que não querem que saibamos, especialmente se, e quero dizer SE, até vale a pena fabricar uma falsa prisão para encobrir.

— E estragar o meu filme.

— Será que alguma daquelas impressões digitais no filme nos diria algo?

— Não muito. Não são fichadas.

Marshall voltou-se na cadeira para olhá-la mais diretamente.

— Está bem, quem você conhece? Berenice estava cheia de si.

— Tenho um tio que é muito chegado ao gabinete de Justin Parker.

— O promotor municipal?

— Claro. Não há o que ele não faça por mim.

— Ei, não o envolva neste negócio, pelo menos por enquanto... Berenice ergueu as mãos ao alto como se ele lhe estivesse apon­tando um revólver e assegurou-lhe:

— Ainda não, ainda não.

— Mas não estou dizendo que eles não possam vir a ser muito úteis.

— Não pense que ainda não considerei isso.

— E daí, diga-me uma coisa: Brummel chegou a pedir desculpas?

— Depois que você se curvou diante dele da maneira como fez, está brincando?

— Não veio um pedido oficial de desculpas da parte dele e de seu gabinete?

— Foi isso que ele lhe disse? Marshall teve de caçoar.

— Ahá, tanto Brummel quanto Young me disseram todo tipo de coisa, como mal se conheciam, como nem chegaram perto do parque de diversões... puxa, como gostaria de ter aquelas fotos. Berenice ficou ofendida.

— Olhe, você pode acreditar em mim, Hogan. De verdade! Marshall fitou o espaço por um ou dois segundos, cismando.

— Brummel e Langstrat. Terapia. Acho que faz sentido agora.

— Vamos lá, trate de colocar todos os pedaços sobre a mesa. Que pedaços? pensou Marshall. Como se expõe sensações vagas, experiências estranhas, vibrações? Finalmente, ele disse:

— Ah... esse Brummel e Langstrat... os dois estão metidos na mesma coisa. Sei que estão.

— Que coisa?

Marshall sentiu-se encurralado.

— Que tal... do outro mundo?

Berenice pareceu confusa. Ora, vamos, Krueger, não me faça ter de explicar. Ela disse:

— Vai ter de me explicar essa aí.

Fazer o quê, aqui vamos nós, pensou Marshall.

— Bem... sei que vai parecer loucura, mas quando falei com cada um deles, e você devia tentar isso algum dia, todos tinham essa coisa esquisita, um olhar aparvalhado de vez em quando... quase como se me estivessem hipnotizando ou coisa parecida...

Berenice caiu na risada.

— É isso aí, vá, ria.

— O que está dizendo? Todos eles estão metidos em algum tipo de viagem exótica?

— Ainda não sei que nome dar, mas, sim. Brummel não chega aos pés de Langstrat. Ele sorri demais. Young pode estar metido nisso também, mas ele usa palavras. Um monte de palavras.

Berenice estudou o rosto à sua frente por brevíssimo instante, e então disse:

— Acho que você precisa de um drink reforçado. Serve chocolate quente?

— Claro, faça um para mim. Por favor.

A moça retornou com outra caneca personalizada, a de Edie, cheia de chocolate quente.

— Espero que esteja forte bastante — disse ela, e encarapitou-se de novo na mesa.

— Então por que esses três tentam parecer despreocupados... — cismou Marshall.

— E o que dizer dos outros dois desconhecidos, Gorducho e Fan­tasma? Nunca os tinha visto antes?

— Nunca. Podiam ser de outra cidade.

Marshall suspirou.

— É um beco sem saída.

— Talvez ainda não. Brummel vai àquela igrejinha branca, a da Comunidade de Ashton, e ouvi dizer que alguém acabou de ser ex­comungado de lá por transar ou algo assim...

— Berenice, isso é fofoca!

— Que me diz, então, de eu falar com uma amiga que leciona na faculdade e que me poderia contar algo acerca dessa misteriosa pro­fessora?

Marshall parecia em dúvida.

— Por favor, não crie mais problemas para mim. Do jeito como as coisas estão, já tenho o bastante.

— Sandy?

De volta aos assuntos realmente difíceis.

— Ainda não tivemos notícia alguma, mas continuamos telefo­nando, perguntando a parentes e amigos. Temos certeza de que ela voltará para casa, mais cedo ou mais tarde.

— Ela não está fazendo uma matéria da Langstrat? Marshall respondeu com certa amargura:

— Ela está em diversas matérias da Langstrat —. Então se inter­rompeu. — Você não acha que poderíamos estar confundindo a linha que divide o jornalismo imparcial... da vingança pessoal?

Berenice deu de ombros.

— Apenas descobrirei o que realmente estiver lá, e será notícia ou não será. Enquanto isso, achei que talvez você gostasse de ter um pouco mais de informação.

Marshall não conseguia tirar da cabeça a lembrança do encontro com a fogosa Juleen Langstrat, e ficava cada vez mais magoado quando se lembrava das idéias da professora arremessadas contra ele pela boca da própria filha.

— Se for uma pedra, revire-a — disse finalmente.

— Por minha conta ou por conta do Clarim.

— Apenas revire-a — disse ele, e começou a datilografar furiosa­mente.