Ele parecia um pequeno e nervoso gárgula, o couro de um
negror viscoso e profundo, o corpo magro e aracnídeo: meio humano ide, meio
animal, totalmente demônio. Dois enormes olhos amarelos como os de um gato
saltavam-lhe da cara, disparando de um lado para o outro, espreitando,
procurando. O fôlego saía-lhe em arquejos curtos e sulfurosos, visível como
brilhante vapor amarelo.
Ele vigiava e acompanhava cuidadosamente a sua incumbência, o motorista de um
carro marrom nas ruas de Ashton, lá embaixo.
Marshall deixou o escritório do Clarim um pouco mais cedo naquele dia. Depois
da confusão da manhã, foi uma surpresa encontrar o Clarim de terça-feira já na
tipografia e o pessoal ajeitando as coisas para a sexta-feira. Um
jornal de interior era exatamente o ritmo certo... talvez ele pudesse voltar a
conhecer a sua filha.
Sandy. Sim, senhor, uma linda moça de cabelos cor de fogo,
filha única do casal. Era um mundo de potencial, mas havia passado a maior
parte da infância com uma mãe excessivamente presente e um pai excessivamente
ausente. Marshall era um sucesso em Nova York, isso ele era, em quase tudo
exceto em ser o pai de que Sandy precisava. Ela sempre fizera com que ele
soubesse disso, mas como dizia Kate, os dois eram muito parecidos; os clamores
por amor e atenção que ela emitia sempre saíam como pequenas punhaladas, e
Marshall lhe dava atenção, isso dava, como cães dão a gatos.
Não vamos brigar mais, repetia ele consigo mesmo, não vamos
mais implicar e arranhar e magoar. Deixe-a falar, deixe-a pôr para fora o que
sente, e não seja duro com ela. Ame-a pelo que ela é, deixe que ela seja ela
mesma, não tente encurralar a menina.
Era uma loucura o modo pelo qual o seu amor pela filha
estava sempre a manifestar-se em forma de despeito, através de irritação e sarcasmo.
Ele sabia que estava apenas tentando alcançá-la, tentando trazê-la de volta.
Mas nunca funcionava. Ah, vamos, Hogan, tente, tente de novo, e não ponha tudo
a perder esta vez.
Ao virar a esquerda, ele pôde ver a faculdade à
frente. O campus da faculdade Whitmore não era diferente da maioria dos campus
norte americanos — lindo, com prédios imponentes e antigos que levavam as
pessoas a se sentir cultas só de olhá-los; amplas áreas bem gramadas,
recortadas por calçadas de tijolo e pedras cuidadosamente padronizadas,
margeadas por rochas, plantas e estátuas. Era tudo quanto uma boa faculdade
devia ser, inclusive as vagas limitadas a quinze minutos de estacionamento.
Marshall estacionou o carro e partiu à procura do Stewart Hall, que abrigava o
Departamento de Psicologia e a última aula de Sandy naquele dia.
Whitmore era uma faculdade particular, fundada na década dos vintes por um
proprietário de terras como memorial a si mesmo. Olhando antigas fotos do
lugar, descobria-se que alguns dos prédios de aula, de tijolo vermelho à vista
e colunas brancas, eram tão antigos quanto a própria faculdade; monumentos do
passado e supostos guardiões do futuro.
Era verão e o campus estava relativamente quieto.
Marshall pediu informações a um aluno que lançava discos de plástico ao ar e
virou à esquerda numa rua ladeada de elmos. No fim da rua, ele encontrou o
prédio que procurava, uma imponente estrutura com torres e arcadas, copiada de
alguma catedral européia. Abriu as grandes portas duplas e se encontrou num
saguão espaçoso e ressonante. O fechar da grande porta criou tão fragorosa
reverberação contra o teto abobadado e as paredes lisas que Marshall pensou ter perturbado todas as aulas naquele andar.
Mas agora não sabia aonde ir. O lugar se compunha de três andares
e cerca de trinta salas de aula, e ele não tinha a mínima idéia de qual delas
era a de Sandy. Ele começou a caminhar pelo corredor, tentando abafar o ruído
dos saltos dos sapatos. Nesse lugar, não se podia manter em segredo nem mesmo
um arroto.
Sandy era uma caloura. A mudança da família para Ashton
tinha sido um tanto tarde, e, a fim de alcançar os outros, ela se havia
matriculado em cursos oferecidos durante o verão. Mas, apesar de tudo, havia
sido a hora certa de transição para ela. Por enquanto ela não havia decidido em
que se formar; ainda estava tentando descobrir o que queria e fazia as matérias
preliminares. Em que lugar um curso de “Psicologia do Eu” se encaixava em tudo
isso era algo que Marshall não conseguia entender, mas ele e Kate não
desejavam apressar a filha.
De alguma parte, vindo do fundo do cavernoso saguão ecoavam as palavras
indistintas mas bem ordenadas de uma palestra, uma voz de mulher. Ele resolveu
verificar. Passou pela portas de diversas salas de aula, os pequenos números
pretos em ordem decrescente, depois um bebedouro, os banheiros, e uma maciça
escadaria de pedra e ferro. Finalmente, ao aproximar-se da Sala 101, ele
começou a distinguir as palavras da palestra.
“... assim, se nos contentarmos com uma simples fórmula ontológica, Tenso,
logo existo', isso deveria pôr fim à questão. Mas ser não pressupõe significar.
Sim, cá estava mais daquela história de faculdade, aquele ajuntamento
esquisito de palavrório complicado que impressiona as pessoas com suas
conquistas acadêmicas mas não consegue arranjar-lhe um emprego que lhe pague
coisa que preste. Marshall riu consigo mesmo, uma risadinha convencida.
Psicologia. Se todos aqueles psicólogos conseguissem pelo menos chegar a um
acordo para variar, seria bom. Primeiro Sandy deu como causa de sua atitude
mal-humorada a violenta experiência do nascimento, e depois, o que tinha sido
mesmo? Problemas em aprender a usar o peniquinho. A sua nova mania era
auto-conhecimento, auto-estima, identidade; ela já sabia viver toda envolvida
em si mesma — agora lhe ensinavam a mesma coisa na faculdade.
Ele espiou pela porta e viu um anfiteatro, com filas de
assentos montados sobre níveis cada vez mais altos até chegarem ao fundo da sala, e a
pequena plataforma na frente onde a professora discursava contra um enorme
quadro-negro.
“... e o significar não vem necessariamente do pensar, pois já se disse que
o Ego nada tem a ver com a Mente, e que a Mente, na realidade, nega o Ego e
inibe o Auto-conhecimento...”
Caramba! Ele não sabia por que, mas havia esperado encontrar uma
mulher mais velha, magra, o cabelo preso num birote, usando óculos de aro de
tartaruga presos a uma corrente de continhas à volta do pescoço. Mas a que ali
estava era uma chocante surpresa, tirada de alguma propaganda de batom ou de
roupas: longos cabelos loiros, corpo esbelto, olhos profundos, escuros, que
tremiam um pouco mas certamente não necessitavam de óculos, aro de tartaruga ou
não.
Então Marshall vislumbrou o chamejar de cabelos cor de fogo, e
viu Sandy sentada perto da frente, ouvindo atenta, e febrilmente rabiscando
anotações. Bingo! Essa tinha sido fácil. Ele resolveu entrar de mansinho e
ficar ouvindo até o fim da palestra. Talvez assim descobrisse o que Sandy
estava aprendendo e então teriam sobre o que conversar. Ele passou
silenciosamente pela porta, e tomou um dos lugares vazios no fundo.
Foi então que aconteceu. Algum tipo de radar na cabeça da professora
deve ter dado o sinal. Seus olhos convergiram sobre Marshall, sentado ali, e
simplesmente não o largaram mais. Ele não tinha o mínimo desejo de chamar
atenção para si — já estava recebendo demasiada atenção da classe — por isso
não disse nada. Mas a professora parecia examiná-lo, perscrutando-lhe o rosto
como se o conhecesse, como se estivesse tentando lembrar-se de alguém a quem
conhecera antes. A expressão que repentinamente lhe assomou ao rosto provocou
um calafrio em Marshall: ela dirigiu-lhe um olhar cortante, como se partisse
dos olhos de um puma acossado. Ele começou a sentir um correspondente instinto
de defesa dar-lhe nó no estômago.
—
O senhor deseja alguma coisa? — exigiu a professora, e tudo o que Marshall
podia ver eram os dois olhos penetrantes.
—
Estou apenas esperando a minha filha — respondeu ele em tom amável.
—
Não quer fazer o favor de esperar lá fora? — disse ela, e não era uma pergunta.
E ele se encontrou no corredor. Encostou na parede, os
olhos fixos no linóleo, os pensamentos em torvelinho, os sentidos embaralhados, o coração
batendo com força. Não conseguia atinar com o motivo de estar ali, mas estava
no corredor, fora da sala. Sem mais essa nem aquela. Como? O que havia
acontecido? Vamos, Hogan, pare de tremer e pense!
Ele tentou repassar mentalmente o que havia acontecido,
mas as coisas voltavam devagar, teimosamente, como o relembrar de um pesadelo.
Os olhos daquela mulher! O modo como eles o olharam lhe disseram que, de alguma
forma, ela sabia quem ele era, embora jamais se tivessem encontrado — e jamais ele vira ou
sentira tanto ódio. Mas não era apenas o olhar; era também o medo; medo que foi
crescendo, drenando-lhe o rosto e acelerando o coração, que o invadiu sem
motivo, sem uma causa aparente. Ele tinha ficado quase morto de medo... a troco
de nada! Não fazia o mínimo sentido. A vida inteira, ele jamais se havia
recusado a enfrentar qualquer coisa nem tinha fugido de nada. Mas agora, pela
primeira vez...
Pela primeira vez? A lembrança do olhar cinzento e fixo
de Alf Brummel relampejou-lhe na mente, e a fraqueza retornou. Ele piscou
tentando expulsar a imagem e respirou fundo. Onde estava a sua antiga coragem?
Será que a havia deixado no escritório de Brummel?
Mas ele não tinha conclusões, teorias, explicações, apenas escárnio
para consigo. Murmurou: “Pois é, cedi novamente, como uma árvore podre” e, como
uma árvore podre, encostou-se à parede e esperou.
Em poucos minutos a porta que dava para o anfiteatro
abriu-se e os alunos começaram a espalhar-se em todas as direções, como abelhas
saindo da colméia. Eles o ignoraram de modo tão completo que Marshall se sentiu
invisível, mas isso era ótimo para ele no momento.
Então Sandy apareceu. Ele se endireitou, encaminhou-se na direção
dela, começou a dizer alô... e ela passou direto por ele! Não parou, não
sorriu, nem lhe devolveu o cumprimento, nada! Ele ficou parado como bobo uns
instantes, vendo-a caminhar pelo corredor em direção à saída.
Então ele a seguiu. Não estava mancando, mas, por algum motivo,
tinha a impressão de estar. Não estava realmente arrastando os pés, mas eles
pareciam de chumbo. Viu a filha sair pela porta sem olhar para trás. A batida
que a enorme porta deu ao fechar ecoou por todo o saguão com uma finalidade
grave, condenadora, como o estrondo de um enorme portão que o separasse para
sempre daquela a quem ele amava. Ele se deteve no amplo saguão, entorpecido,
impotente, meio cambaleante, sua corpulenta figura parecendo muito pequena.
Invisível a Marshall, pequenos jatos de fôlego sulfuroso avançavam
pelo chão como água lenta, acompanhados de inaudível esfregar e arranhar o
piso.
Como uma negra e viscosa sanguessuga, o pequeno demônio se apegou a Marshall,
as garras de seus dedos entrelaçando as pernas dele como os tendões de uma
parasita, segurando-o, envenenando-lhe o espírito. Os olhos amarelados saltavam
da face retorcida, vigiando-o, penetrando-o.
Marshall sentia uma dor profunda e crescente, e o
pequeno espírito
o sabia. Estava ficando difícil de segurar este homem. Enquanto Marshall
permanecia no grande saguão vazio, a mágoa, o amor, o desespero começaram a
crescer dentro de si; ele podia sentir que uma quase extinta centelha de luta
ainda ardia. Pôs-se a caminhar rumo à porta.
Mexa-se, Hogan, mexa-se! É a sua filha!
A cada passo decidido, o demônio era arrastado pelo
chão atrás dele, as mãos ainda a agarrá-lo, raiva e fúria cada vez mais
profundas subindo-lhe aos olhos e vapores sulfurosos explodindo de suas narinas.
As asas se abriram à procura de uma âncora, qualquer jeito de deter Marshall,
mas não encontraram nada.
Sandy, pensou Marshall, dê uma chance ao seu velho.
Ao chegar ao fim do corredor, ele estava quase
correndo. Suas mãos atingiram a barra antichoque da porta e esta se abriu violentamente,
batendo com força no retentor preso aos degraus externos. Disparando escada
abaixo, ele chegou à calçada ensombreada pelos elmos. Correu os olhos pela rua,
pelo gramado na frente do Stewart Hall, do outro lado, mas a filha havia
desaparecido.
O demônio agarrou-o com mais força e pôs-se a escalá-lo, coleando
corpo acima. Marshall ali, sozinho, sentiu as primeiras pontadas de desespero.
—
Estou aqui, Papai.
Imediatamente o demônio perdeu o controle e caiu, bufando de indignação.
Marshall girou nos calcanhares e viu Sandy, de pé bem ao lado da porta pela
qual ele havia acabado de sair qual furacão, aparentemente tentando esconder-se
das colegas entre os pés de camélia, e pelo que tudo indicava, pronta a lhe
passar uma carraspana. Ora, qualquer coisa era preferível a perdê-la, pensou
Marshall.
—
Bem — disse ele antes de pensar — desculpe-me, mas tenho a distinta impressão
de que você fingiu não me conhecer lá dentro.
Sandy tentou manter-se ereta, enfrentá-lo em sua mágoa e raiva,
mas mesmo assim não conseguia olhar diretamente nos olhos do pai.
—
Foi... foi apenas doloroso demais.
—
O que foi?
—
Você sabe... a coisa toda lá dentro.
—
Bem, gosto de fazer bastante estardalhaço, sabe? Algo de que as pessoas se
lembrarão...
—
Papai!
—
Então quem foi que roubou todos os avisos de “Entrada Proibida aos Pais”? Como
é que eu ia saber que ela não me queria lá dentro? E o que, afinal, é tão
precioso e secreto assim que ela não quer que ninguém de fora escute?
Naquele momento a raiva de Sandy falou mais alto que a
mágoa e ela
conseguiu olhá-lo direto nos olhos.
—
Nada! Absolutamente nada. Era só uma palestra.
—
Então qual é o problema da professora? Sandy tateou à procura de uma
explicação.
—
Não sei. Acho que ela deve saber quem você é.
—
De jeito nenhum. Jamais a vi.
Então uma pergunta surgiu automaticamente na cabeça de Marshall:
—
Você quer dizer que ela deve saber quem sou? Sandy pareceu encurralada.
—
Quero dizer... oh, que coisa. Talvez ela saiba que você é o redator do jornal.
Talvez não queira repórteres bisbilhotando por aqui.
—
Bem, espero poder dizer-lhe que não estava bisbilhotando. Estava apenas
procurando você.
Sandy queria encerrar a discussão.
—
Está bem, Papai, está bem. Ela apenas o entendeu mal, certo? Não sei qual era o
problema dela. Acho que tem o direito de escolher sua audiência.
—
E eu não tenho o direito de saber o que a minha filha está aprendendo?
Sandy deteve o que já estava para dizer e deduziu algumas coisas primeiro.
—
Você estava bisbilhotando!
Mesmo enquanto acontecia, Marshall percebeu sem o menor
resquício de
dúvida que eles haviam embarcado de novo na antiga rotina, como cães e gatos,
como galos de briga. Era uma loucura. Parte dele não desejava que tal
acontecesse, mas o resto dele estava frustrado e indignado demais para parar.
Quanto ao demônio, estava encolhido ali por perto, desviando-se de
Marshall como se o homem estivesse em brasa. O demônio observava, esperava,
irritava-se.
—
Que bisbilhotando, que nada! — trovejou Marshall. — Estou aqui por ser seu
amoroso papai e querer apanhá-la depois das aulas. Stewart Hall, era tudo o que
eu sabia. Encontrei-a por acaso, e... — Tentou frear-se. Perdeu um pouco do ardor,
cobriu os olhos com a mão, e suspirou.
—
E aproveitou para me vigiar! — sugeriu Sandy com rancor.
—
Há alguma lei contra isso?
—
Está bem, vou-lhe explicar como são as coisas. Sou um ser humano, Papai, e toda
entidade humana, não importa quem seja, está sujeita, em última instância, a um
desígnio universal e não à vontade de um indivíduo específico. Quanto à
professora Langstrat, se não desejar você na palestra, é prerrogativa dela
exigir que saia!
—
Mas quem é que paga o salário dela? Sandy ignorou a pergunta.
—
Quanto a mim, e o que estou aprendendo, e em que me estou tornando, e aonde
estou indo, e o que desejo, digo que você não tem o direito de infringir o meu
universo a menos que eu pessoalmente lhe ceda esse direito!
A vista de Marshall estava sendo turbada por imagens de
Sandy na posição
de levar umas boas palmadas. Enraivecido, ele precisava descontar em alguém,
mas nesse momento tentava desviar de Sandy as suas investidas. Ele apontou o
prédio de onde haviam saído e exigiu:
—
Foi... foi ela quem lhe ensinou isso?
—
Você não precisa saber.
—
Tenho o direito de saber!
—
Você abriu mão desse direito, Papai, há muito tempo.
Esse soco jogou-o à lona, e ele não tinha conseguido ainda recuperar-se
totalmente quando ela se foi em direção à rua, escapando dele, escapando à
miserável, teimosa refrega em que estavam envolvidos. Ele lhe gritou algo,
alguma pergunta meio idiota sobre como chegaria a casa, mas ela nem mesmo
diminuiu os passos.
O demônio agarrou a oportunidade e Marshall, que sentiu a raiva e
auto-justificação darem lugar a um profundo desespero. Ele falhara. Justamente
a coisa que ele nunca mais queria fazer, havia feito. Por que cargas d'água era
esse o seu feitio? Por que não podia simplesmente aproximar-se dela, amá-la,
reconquistá-la? Ela já estava desaparecendo de vista, tornando-se cada vez
menor ao atravessar apressada o campus, e parecia tão distante, além do alcance
de um braço amoroso. Através da vida e das lutas ele havia sempre tentado ser
forte, ser durão, mas no momento estava tão ferido que não conseguia evitar
que essa força se esboroasse ao seu redor em ínfimos pedaços. Enquanto ele
olhava, Sandy desapareceu numa esquina distante sem sequer olhar para trás, e
algo partiu-se dentro dele. Sua alma parecia estar a ponto de se derreter, e
naquele momento não havia ninguém no mundo a quem ele odiasse mais do que a si
mesmo.
As forças de suas pernas pareceram ceder ao do peso da sua dor, e
ele afundou até os degraus na frente do velho prédio, desanimado.
As garras do demônio circundaram-lhe o coração e ele murmurou em voz
trêmula:
—
De que adianta?
“Iahaaaaá!” veio um clamor trovejante de uns arbustos próximos. Uma
luz branco-azulada cintilou. O demônio largou a presa e sumiu como uma mosca
apavorada, aterrizando a uma boa distância em postura trêmula e defensiva, os
enormes olhos amarelados praticamente a saltar da cabeça e uma cimitarra
farpada, cor de carvão pronta na mão que tremia. Mas então houve um
inexplicável tumulto atrás daqueles mesmos arbustos, algum tipo de luta, e a
fonte da luz desapareceu no canto do Stewart Hall.
O demônio não se mexeu, mas esperou, escutando, observando. Não se
ouvia som algum a não ser o da leve brisa. Com toda a cautela, ele retornou
sorrateiramente ao lugar onde Marshall ainda estava sentado, passou por ele, e espiou por entre os arbustos e no canto do prédio.
Nada.
Como se detido durante todo esse tempo, um longo, lento bafo de vapor amarelo saiu em leves fiapos encaracolados das narinas do demônio. Sim, ele sabia o que tinha visto; disso não tinha dúvida. Mas por que é que eles haviam fugido?