Caro Sr. Harris:
Ela se deteve. Como começo isto? Ele nem me conhece. Acho que eu poderia dizer
isso.
Não sei como começar esta carta; afinal, o senhor nem sabe
quem sou. Mas deixe-me apresentar-me e explicar-me, não apenas nesta carta, mas
espero que em muitas outras que se seguirão. Talvez quando eu tiver escrito
minha última carta ao senhor, tudo esteja claro para nós dois.
Meu nome é Sally Roe, uma ex-plainadora-lixadora na Fábrica de Portas
Bergen. O senhor pode ter lido a recente notícia sobre a minha morte por
suicídio. Afianço-lhe que sou a Sally Roe de quem a notícia falava, e,
obviamente, estou viva.
Deixe-me contar-lhe o que realmente aconteceu...
Sally podia ver tudo acontecendo de novo, mesmo
enquanto procurava as palavras que descrevessem o ocorrido.
O dia havia sido perfeitamente normal e positivamente
maçante. Trabalhar
na fabrica era sempre maçante, especialmente trabalhar no departamento de
lixação, operando lixadeiras elétricas que zumbiam, sibilavam e vibravam até
parecer que o cérebro da gente havia caído num liquidificador. Após um dia
inteiro e uma quota de vinte e cinco portas, ela finalmente dirigiu a
caminhonete azul pela entrada de carro coberta de pedriscos de sua casa. Estava
cansada, com gosto de pó de serra na boca, e não tinha outros planos além de
tomar uma chuveirada, comer qualquer coisa e ir deitar-se.
Mas, então, havia as cabras, Betty, a mãe, e os dois filhotes, Buff e
Bart. Bichinhos de estimação, em grande parte. Sally havia herdado um macho e
uma fêmea de uma senhora na fabrica que não tinha condições financeiras de ficar com eles. Sally vendeu o macho, ficou com a fêmea, fê-la acasalar-se, e
agora tinha a mãe e dois filhotinhos que eram as coisinhas mais graciosas do
mundo inteiro e boa companhia, sempre contentes de vê-la chegar em casa.
Sally estacionou o veículo e dirigiu-se ao cercado das cabras. Primeiro,
saudaria os bichinhos, daria um pouco de ração, teria a conversa normalmente
unilateral com eles acerca do seu dia, e depois iria para dentro e
desmoronaria.
As cabras estavam excitadas, mas não de felicidade. Pareciam
contentes em vê-la novamente, e ansiosas por vê-la, mas em grande parte porque
algo as perturbava.
—
Ei... acalmem-se... a mamãe chegou...
Ela encheu um balde com ração trilhada no depósito ao
lado da casa e atravessou o portão para entrar no cercado. Betty rodeou-a,
feliz mas perturbada. Os filhotes continuaram a balir e pular para diante a
para trás ao lado da cerca.
Sally sacudiu o balde para captar-lhes a atenção.
—
Venham, venham buscar umas guloseimas!
Ela dirigiu-se ao barracão, esperando que os animais simplesmente a seguissem e
se acalmassem. O cachorro do vizinho devia ter estado por lá. Ele
freqüentemente se divertia aterrorizando as cabras.
Sally entrou no barracão.
—
Ora, podem vir, está tudo bem.
Choque! Uma corda passou-lhe pela cabeça, vinda de trás, e
começou a esmagar sua traquéia antes mesmo que ela soubesse o que era! O balde
de ração caiu e a ração se espalhou pelo chão. Com força incrível, um atacante
invisível puxava o laço de corda, safaneando-lhe o corpo para trás,
erguendo-lhe os pés do chão. Ela chutou, tentou agarrar a corda. Faltava ar.
Seus pés encontraram a parede, e ela empurrou. Sally e o atacante
caíram de costas contra o cevador que partiu-se. A corda bambeou e ela,
retorcendo-se, escapuliu, caindo no chão, rolando sobre o capim, aspirando fortemente
o ar.
Uma mulher vestida de preto, olhos selvagens de ódio, uma faca! A assassina
deu um bote como um leopardo, Sally desviou-se para um lado, a faca apanhou
Sally no ombro com dor ardente.
Ela tentou contorcer-se e saiu do canto onde se via
encurralada, chutando e agarrando capim e pó. O joelho da mulher ergueu-se até o peito e segurou-a
ali. A corda caiu em torno do seu pescoço outra vez. Sally chutou a mulher com
a perna livre.
UUMP! Com essa velocidade,
parecendo uma boneca de pano, a mulher chocou-se de encontro à parede oposta do
barracão, a cabeça e os membros batendo contra as tábuas, como se um gigante a
tivesse agarrado e atirado ali. Sally mal a havia tocado com o chute e sentiu certo
assombro, mas pelo menos a mulher havia saído de cima dela. Sally apressou-se a sair do canto, os
olhos na atacante. A assassina escorregou da parede em pé e caiu para a frente,
os olhos vazios e esgazeados, o queixo caído.
UUF!! Algo atingiu a mulher com
tamanha força
que ergueu-a acima do chão. Ela desmoronou sobre o capim, os braços frouxos e
voando, a cabeça torta, o corpo sem vida, a corda ainda em sua mão.
Não parei para olhar. Apenas saí de lá, ainda tentando
respirar, minha única preocupação sendo a de continuar viva. Lembro-me de ter
passado pelo portão e depois caído ao chão, com ânsia de vômito. Não culpo
Betty e os filhotes por terem fugido. Talvez fosse bom eles terem feito isso.
Sally reclinou-se para trás, afastando-se do que escrevia, batendo distraída
com a caneta no caderno, apenas pensando. Era um jeito bizarro de começar uma
carta. Talvez se ela apenas continuasse escrevendo, pareceria mais crível à
medida que sua história progredisse. Bem, tudo o que podia fazer era tentar.
O que posso dizer, Tom? Como posso qualificar-me como
testemunha confiável? Se você me perguntasse quem sou, teria de responder que não sei. Por
anos, tenho-me feito a mesma pergunta e agora gostaria de saber se, escrevendo
estas cartas, eu poderia estar tentando conseguir uma resposta.
Sabe, Tom, quero ajudá-lo. De minha própria maneira, e a partir de minha
própria experiência, posso entender a sua situação e saber como deve sentir-se.
Como uma entidade perdida sem fonte e sem destino num universo que afinal não
tem significado, não posso dizer-lhe de onde foi que meu conceito de
"errado" veio. Pode chamar de sentimento, pode chamar de "o modo
como fui criada", pense que estou apenas fazendo uma tentativa desesperada
através de moralidade antiquada, ainda assim sinto isto — o que está
acontecendo com você é errado, e sinto-me penalizada pela sua dor.
Ela olhou o grande relógio acima da porta da rodoviária. Seu ônibus devia
partir em meia hora. Logo o sistema de alto-falantes estaria grasnindo o aviso.
Se me permitir, gostaria de pelo menos agir como se
alguma coisa importasse. Gostaria de fazer o que é "certo". Eu posso estar inventando meu
próprio conceito de "boas obras" num esforço de fugir ao desespero,
de me convencer de que a vida não é fútil afinal de contas, mas nada tenho a
perder. Se o desespero é a verdade final que todos enfrentamos, então deixe-me
esconder dele, pelo menos esta vez. Se a esperança é mera ficção que nós mesmos
engendramos, então deixe-me viver numa fantasia. Quem sabe? Talvez haja algum
significado nisso em alguma parte, algum propósito, alguma recompensa.
De qualquer forma, vou reconstituir umas antigas pegadas e descobrir
algumas coisas, por você e por mim.
Espero partilhar alguma informação útil com você brevemente — informação
suficiente para tirá-lo de apuros e, mais importante, trazer seus filhos de
volta a você.
Por favor, guarde esta carta mesmo que lhe pareça estranha, mesmo que não acredite nela. Escreverei
novamente em breve.
Atenciosamente,
Sally assinou o nome completo, "Sally Beth
Roe", tirou cuidadosamente as páginas do caderno espiral, e dobrou-as. Tinha uma caixa
de envelopes na bolsa de viagem. Enquanto estava em Baskon, ela havia procurado
o endereço da casa de Tom e o havia escrito na frente do caderno. Agora, copiou
o endereço no envelope e enfiou a carta dentro. Não o selou por enquanto, mas
ergueu-se do banco e caminhou até à pequena lanchonete da rodoviária a fim de
trocar algum dinheiro. Se se apressasse, poderia enviar essa carta antes de
partir para a próxima cidade.
Chimon e Scion caminharam ao seu lado, asas
desfraldadas, espadas desembainhadas. Por enquanto, os demônios se mantinham
escondidos.
Chimon olhou a carta na mão de Sally.
—
A palavra de seu testemunho — disse ele.
—
É uma — disse Scion.
Terga, Príncipe de Baskon, alegrou-se com umas boas notícias, e estava pronto a partilhar um raro sorriso com Ango, o pequeno Príncipe da Escola de Primeiro Grau de Baskon.
—
Expulsou-os, hein? — disse Terga, andando empertigado para cima e para baixo no
teto de piche da escola com Ango ao seu lado.
Ango mostrava-se extasiado com essa grande honra.
Pensar que todos os seus subordinados o viam agora na companhia do Príncipe de Baskon! Antes
disto, Terga nem mesmo havia sabido seu nome.
Ango se mostrava à altura da ocasião e dava seu relatório como um
verdadeiro comandante-de-campo.
—
Foi um ataque atrevido, meu Ba-al. Um guerreiro celestial incrivelmente grande
desafiou-me no telhado, e outro desafiou os meus guardas na porta da frente.
Dois guerreiros foram apanhados lá dentro, mas foram imediatamente expulsos.
—
Mas você venceu a todos eles?
—
Não sem uma luta mortal. Estou muito orgulhoso dos meus guerreiros, que se
mostraram corajosos, fogosos e ousados!
—
E estou orgulhoso de você, Ango, por provar-me que Baskon ainda e segura para
as nossas operações.
—
Obrigado, Ba-al.
— Com
os meus louvores a você e aos seus guerreiros, deixo-o agora... Terga se deteve
no meio da sentença. Os dois demônios ouviram um som conhecido, e puseram-se
a esquadrinhar o horizonte ocidental. De algum lugar além dos topos das árvores,
um ronco baixo, uma zoada, chegou-lhes aos ouvidos, cada vez mais alto, cada
vez mais perto.
—
Ora, quem poderia ser? — quis saber Ango.
Os enganadores e os guardas dentro e em volta da escola
ouviram o som também e pausaram em seus deveres, zunindo e saindo esvoaçando para o pátio da
escola para uma olhada, ou pipocando pelo teto para ver melhor.
As asas de Terga se inflaram e ergueram-no do teto. Ele
puxou a espada enquanto espiava na direção do ocidente. Então, contraiu-se somente um
pouquinho e gritou para Ango e suas tropas:
—
São nossos!
—
Mas quem?
Terga pareceu sombrio e abanou a cabeça consternado.
—
Creio que é Destruidor, com tropas adicionais do Homem Forte. Aquela palavra
trouxe um murmúrio de medo de toda a tropa lá embaixo.
Então os visitantes surgiram, ainda a quase dois quilômetros de
distância, aproximando-se como um esquadrão de bombardeiros voando a baixa
altura. Havia pelo menos uma centena, voando em formação de ponta de flecha e
chegando mais perto, mais perto, mais perto. Agora o brilho rubro de suas
espadas aparecia contra os escuros borrões sombreados de suas asas.
Terga pousou no telhado outra vez.
—
Ango, prepare suas tropas para saudar hóspedes ilustres!
—
Tropas! — berrou Ango. Guerreiros adejaram até ele saindo da escola e do pátio.
Ango ordenou-lhes que se organizassem em filas retas no gramado da frente. Eles
formaram as filas imediatamente, um bando heterogêneo e desleixado de cerca de
trezentos — diminutos espíritos de raiva, ódio, rebelião; enormes, vultosos
gigantes de violência, vandalismo, destruição; enganadores espertos com seus
modos astuciosos e olhos evasivos. Eles pareciam ativos, todos posicionados em
filas ordeiras, os mais altos atrás, os mais baixos na frente, e cada demônio
segurava a espada atravessada sobre o peito.
O esquadrão de Destruidor chegou em cima da cidade, lançando uma
sombra espiritual sobre todo o comprimento da Rua Fronte e causando uma friagem
no ar que os seres humanos lá embaixo puderam sentir. A sombra passou por cima
da estação dos bombeiros e em seguida ao longo de uma fileira de casas
por todo o Círculo
Strawberry, e cães por toda a vizinhança puseram-se a uivar.
Terga, Ango e toda a assembléia de demônios podia ver
agora o líder do esquadrão bem à frente, na ponta da formação. Podiam ver o
brilho amarelo dos seus olhos e o fulgor vermelho de sua espada. Todos fizeram
profunda mesura.
Destruidor e um aterrorizante batalhão dos melhores guerreiros
cuidadosamente selecionados pelo Homem Forte desceram sobre a escola como uma
nuvem de gafanhotos gigantes, suas asas produzindo um rugido que podia ser
sentido, e levantando um vento tal que os demônios menores no gramado da frente
foram soprados e rolaram como folhas pela grama.
Destruidor pousou no telhado da escola com doze capitães hediondos ao seu redor.
O resto do batalhão tomou posições por todo o perímetro da propriedade da
escola. As asas se aquietaram, o rugido diminuiu. Agora Terga e Ango
encontravam-se na presença de um espírito tão mau que nenhum dos dois conseguia
erguer os olhos de puro medo.
Destruidor tirou um momento para olhar à volta toda. Ele fitou com
olhos ardentes, espreitando as tropas reunidas sobre o gramado. Não ficou bem
impressionado. Andou devagar em direção aos dois príncipes curvados daquele
lugar, seus artelhos pousando sobre o piche, suas garras enterrando-se
profundamente a cada passo. Ele plantou-se diante deles, seus capitães em pé
dos dois lados como troncos de árvores.
—
Então, Terga — perguntou ele numa voz tão fria quanto gelo — parece que você
tem motivo para estar aturdido?
Endireitando-se, Terga disse:
—
Tenho, sim, meu Ba-al — e em seguida curvou-se novamente. Entorpecido de medo,
Terga sentiu de repente o corte quente da lamina do Ba-al sob seu
queixo. Ele seguiu o impulso da lâmina e ergueu a cabeça.
—
Quem é esse ao seu lado?
—
É Ango, o príncipe desta escola, um líder corajoso. A espada ardente ergueu o
queixo de Ango.
—
Você é o príncipe deste lugar?
Ango tentou falar com voz forte, mas não pôde impedi-la de
tremer.
—
Sim, meu Ba-al.
Destruidor inclinou-se perto da cara de Ango.
— Fui
informado de que você teve uma confrontação aqui com o Exército Celestial.
Ango sorriu de leve.
—
Foi meu dever e júbilo agradar gente como o senhor, e expulsar os guerreiros
celestiais.
—
Quantos guerreiros celestiais?
—
Quatro, meu Ba-al. Um atacou-me no telhado, um atacou nossos guardas na frente, e dois lançaram um ataque de dentro.
Expulsamo-los imediatamente.
Destruidor ponderou aquilo por apenas um momento. Não teve elogios imediatos
às ações de Ango.
—
O que mais aconteceu nesse dia?
Ango não estava preparado para a pergunta de forma alguma.
—
O que mais?
—
Tiveram alguma visita humana inesperada na escola? Destruidor o encarava
fixamente, esperando uma resposta, e agora
Ango podia sentir que Terga o encarava. Mas ele não conseguia pensar numa
resposta.
—
Eu... não sei de nenhuma.
—
Pode me dar alguma boa razão pela qual quatro — apenas quatro — dos exércitos
inimigos apareceriam aqui de repente, apenas para se permitirem ser expulsos
por espíritos insignificantes e fracos como vocês?
Ango estremeceu. Essa conversa se tornava desagradável.
—
Eles... eles vieram nos espionar, invadir a escola...
—
Essa é a sua explicação?
—
É a... Sim, e o que sei.
Destruidor embainhou a espada, e todos respiraram um
tanto aliviados.
—
Volte aos seus deveres, Ango, o Terrível, você e seus guerreiros. Faça o pior
que puder com essas criancinhas. Terga, quero uma palavra com você.
Terga seguiu Destruidor à outra ponta do telhado, enquanto Ango debandava seus
demônios para retornarem aos seus deveres. Quando Destruidor se deteve,
satisfeito com o lugar, os doze capitães circundaram-no e a Terga como o muro
de um castelo.
Terga estava preocupado.
Destruidor fitou-o furioso — enraivecido, mas
propositadamente controlado.
—
Ela esteve aqui.
Terga, naturalmente, não queria acreditar.
—
Como sabe, meu Ba-al?
—
Aonde ela foi ao sair do hotel em Claytonville?
—
Eu...
—
Seus desordeiros insignificantes a seguiram? Eles a tinham debaixo de cuidadosa
vigilância o tempo todo?
Terga sentiu que derreteria através do telhado.
—
O... o Exército Celestial... Ficamos confusos... Eles nos atrapalharam... Já
não podíamos vê-la...
—
Vocês a perderam de vista. Ela lhes escapou.
Terga sabia muito bem que os saqueadores do próprio Destruidor também a
seguiam, mas aquele não parecia o momento apropriado para lembrar-lhe isso.
—
Uh... sim. Mas... ela não voltaria aqui, o lugar de maior perigo.
—
Perigo? — A voz de Destruidor era tão cortante quanto sua lâmina. — Que perigo,
quando você e esse tal Ango são responsáveis pelo lugar?
—
Mas por que ela viria aqui?
Terga nem chegou a ver a enorme mão de Destruidor antes que
ela o atingisse, jogando-o no telhado. Terga não fez movimento algum retaliatório;
nunca teve mesmo a intenção de fazê-lo, e além disso, doze enormes espadas
encontravam-se a apenas poucos centímetros de sua garganta. Tudo o que podia
fazer era erguer o olhar à cara furiosa de Destruidor enquanto o espírito
maléfico descarregava seu veneno.
—
Seu idiota! — berrou Destruidor. — Por que ela não viria aqui? Foi aqui que nosso
Plano começou, ou não se lembra de todos os nossos anos de desenvolvimento,
nossa infiltração deste lugar? Você estava aqui, fez parte dele. Acha que
fizemos tudo isso sem ter um objetivo em mente?
—
Sinto muito, meu Ba-al.
O pé de Destruidor atingiu Terga debaixo das costelas e chutou-o
mais de metro para o ar. O corpo de Terga chocou-se contra o peito impassível
de um dos capitães e então revirou para o telhado outra vez.
—
Sente muito... — resmungou Destruidor zombeteiro. — Você lhe permite escaparem
Claytonville, permite-lhe entrar sorrateiramente nesta escola bem debaixo do
seu nariz, deixa-a escapar novamente, para desaparecer até rebentar de novo
para fazer maior estrago, para desvendar mais o nosso Plano, não sabemos onde,
e tudo o que você tem a dizer é: "Sinto muito"!
Terga queria desculpar-se outra vez, mas sabia que a
desculpa não
seria aceita. Agora ele não tinha mais nada a dizer.
—
Vá! — disse Destruidor. — Cuide de sua cidadezinha. Deixe Sally Roe por minha
conta.
Um dos capitães, com a compleição de um touro, tomou Terga por uma
asa e arremessou-o ao céu. Terga revirou e adejou rumo ao céu até poder
recobrar o controle das asas, e em seguida disparou envergonhado para longe.
Destruidor observou até Terga ter sumido, então falou em tons baixos aos doze
demônios que estavam com ele.
—
O Homem Forte tem todos os seus jogadores nos lugares e uma forte rede pronta
para ser usada, mas vimos por nós mesmos quanto o Plano pode ser vulnerável,
especialmente com o Exército Celestial interessado em nosso empreendimento, e
com toda a certeza interessado em Sally Roe. Eles tentam erigir uma cerca em
torno dela, escondê-la dos nossos olhos, acompanhá-la. Eles também têm um
plano.
Um espírito volumoso lembrou a Destruidor — Mas o Homem Forte não abandonará seu Plano; está
comprometido com ele.
—
Uma posição fácil para ele assumir — sibilou Destruidor rancorosamente,
acariciando o cabo de sua espada. — Se o Plano falhar, não e a cabeça dele que
rolará, mas sim as nossas. Ele tratará disso. Precisamos ser bem sucedidos.
Ele se deteve para pensar um momento, as garras pretas,
como ganchos, repuxando os pelos duros do pescoço.
—
Estou aprendendo cada vez mais a respeito desse Tal; ele é bom estrategista, um
mestre da sutileza. Até aqui, o Exército Celestial foi eficaz e contudo
largamente invisível. Tal está esperando, manobrando. Ele é um colocador de
armadilhas, um armador de ciladas.
Outro espírito, grotesco e cheio de cicatrizes, grunhiu:
—
Eu estava em Ashton. Vi a emboscada.
Destruidor cuspiu enxofre e deixou que sua raiva se
elevasse.
—
Então você sabe como Tal esperou até nossas tropas não poderem mais esperar e
voarem de cabeça em sua paciente armadilha, impetuosas e desavisadas. Nós
tínhamos apenas a nossa confiança, mas Tal estava pronto. Não cometeremos
o mesmo erro novamente.
Destruidor esquadrinhou a cidade do seu poleiro no
telhado.
—
Se Tal é tão sutil, seremos até mais do que ele. Se depende das orações do povo
de Deus, então trabalharemos com mais afinco para evitar que o povo de Deus
ore. — Ele deu uma risada sulfurosa. — Vocês não sabem a respeito dos diabretes
que requisitei do Homem Forte: Contenda, Divisão, Mexerico e uma hoste de outros
que estão inundando esta cidade neste exato momento! Esses seres humanos são
apenas feitos de carne, de barro, e sugiro que existe um poder mais forte que
seu zelo por Deus: sua própria virtude! Faremos com que se transformem em
juizes uns dos outros, orgulhosos, puros aos próprios olhos, vingativos,
injustos, e causaremos tamanho barulho entre eles que nem a mais simples oração
será pronunciada!
Os guerreiros ficaram impressionados e murmuraram seu
espanto e aprovação.
—
Enquanto isso — continuou Destruidor — não nos esqueçamos de que o nosso povo
também está orando, dedicando muito tempo e adoração ao nosso senhor, e ele
está respondendo com grande favor para conosco, enviando mais e mais tropas
para reforçar as nossas fileiras e confundir os nossos inimigos! O Tempo está
do nosso lado! — Ele se deteve e sorriu. — Assim, se Tal é um mestre da espera,
faremos o mesmo! Embora Tal abane Sally Roe como uma cenoura adiante dos nossos
narizes, não a atacaremos cedo demais. Não voaremos em outra emboscada. — Os
olhos de Destruidor estreitaram-se com astúcia. — Esperaremos, da mesma
maneira que Tal. Observaremos, seguiremos, até o momento certo para nós, até
esse poderoso Capitão do Exército já não estar tão poderoso, mas confuso,
destituído de seu poder pelos próprios santos de Deus!
—
E então em algum momento, em algum lugar, Sally Roe terá o seu Getsêmani. Ela estará
sozinha. Seus acompanhantes estarão desavisados, despreparados, pequenos em
números. O momento será nosso para tomá-la.
—
Mas como saberemos? — perguntou um quarto demônio.
—
Saberemos, como antes, porque um Judas nos contará. Tudo o que precisamos fazer
é encontrá-lo. — Destruidor deu uma risada hedionda. — Uma coisa tão
maravilhosa, a traição!