terça-feira, 25 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - parte 2 - Capítulo 10


 Sally ficaria no Repouso Tranqüilo mais uma noite. Tinha ela todos os dez mil dólares para gastar nesse único quarto se quisesse, se nenhuma idéia melhor lhe ocorresse. Naquele momento, ela não tinha nenhuma idéia melhor.

Gastara a tarde e todos os papéis de carta do quarto apenas rabiscando pensamentos à medida que lhe ocorriam. Agora, quando o dia fora das Janelas ia dando lugar à noite, ela sentou-se à mesa e folheou página após página, o trabalho do dia.

A primeira página não era nenhuma obra prima: "Louca meu nome é Sally Roe", seguida por toda uma página cheia de linhas errantes e cobrinhas. Aparentemente, ela não conseguira captar seus pensamentos. Mas aquilo era deprimente. Talvez fosse um registro correto dos seus pensamentos. Nem mesmo se lembrava de ter feito aqueles rabiscos.

A página seguinte tinha algumas palavras rabiscadas que davam a impressão de que poderiam ser "Morte" e "Loucura", mas não podia ter certeza. Depois disso, sua escrita se desfez em rabiscos caóticos de novo, e então, no fim da página, havia escrito o nome diversas vezes, circuns­crito por umas garatujas estranhas, sombrias. Ela se lembrava de tê-las feito no abismo da depressão quando não tinha vontade de pensar ou escrever qualquer coisa. Apenas era gostoso rabiscar, despejar seus sentimentos na página sem usar nenhuma linguagem.

A terceira página havia parecido muito notável quando a escrevera: "Eu sou eu: Penso, existo, mas nada sei a respeito da apreensão da essência de tudo o que está debaixo e acima das atitudes abismais que tanto destroçam nossa percepção nos últimos outonos de violência sobre a terra..." Agora, nem mesmo ela conseguia decodificar tudo aquilo. Aparentemente seu cérebro havia estado funcionando enquanto a mente estava desligada.

Mas ela sentiu-se encorajada, não porque o projeto que lhe tomara a tarde houvesse produzido tanta idiotice, mas porque conseguia sentar-se tranqüilamente agora que a mente estava desanuviada e perceber que era idiotice. Ela havia acabado de atravessar algum tipo de tempestade espiri­tual, uma batalha furiosa, torturante. Exatamente como antigamente, pensou. Muitas das impressões, das alucinações, das perambulações irra­cionais lhe eram familiares. Sua mente não havia divagado dessa forma em quase dez anos.

Sem dúvida era esse novo e misterioso terror que havia trazido tudo de volta. Ela se havia interposto no caminho de um antigo Mal, e o reconhecia bem demais. Ele também deve tê-la reconhecido, e era por isso que a perseguia agora. Com apenas um pouquinho de imaginação ela podia senti-lo ainda de emboscada fora das paredes do quarto do hotel, pronto a cair sobre ela novamente se ela chegasse um dia a descansar.

Mas... o que fazer, o que fazer? Qual era o próximo passo? Como podia libertar-se?

Apanhou o exemplar daquele dia do jornal Estrela do Condado de Hamptom. Nada havia de novo a respeito de sua morte, e ela calculou que nunca haveria. Aquela história, sua vida, seu nome, estavam agora enterra­dos, guardados em boa ordem em arquivos a serem esquecidos.

Voltou à primeira página e estudou uma grande foto. Uma senhora loura entregava a um sujeito o que parecia ser uma intimação. Bem, havia mais notícias de Baskon, um escândalo na escola cristã. Tom Harris, diretor da Escola Cristã do Bom Pastor... acusado de abusar de crianças. . .acusações feitas pela agente local do correio...

Os olhos de Sally se fixaram naquelas últimas palavras. A agente local do correio? Ela leu o parágrafo novamente.

...a mãe da criança, agente local do correio, primeiro desconfiou quando a filha de dez anos brincava de faz-de-conta e começou a relatar comportamento questionável por parte de seu professor da escola...

Sally olhou para o relógio. Passava um pouco das cinco. Talvez houves­se alguma coisa na televisão. Ela ligou o aparelho.

Bem... não havia muita coisa, apenas a venda de um time profissional de futebol a algum milionário desconhecido, a limpeza de lixo perigoso em uma cidadezinha do Meio Oeste, nova pintura para um prédio histórico na capital do estado...

Deixou a televisão falando sozinha enquanto terminava a leitura do jornal.

Segundo fontes fidedignas, os dois filhinhos de Tom Harris foram levados de sua casa por assistentes sociais infantis na tarde de ontem... O DPC tinha o que considerava motivo adequado para remover as crianças de casa... "Se temos de errar, temos de errar em favor da criança", disse a fonte... O DPC está iniciando uma investigação dos abusos alegados contra as crianças da escola... A chefe do correio Lucy Brandon e os advogados da ACAL moveram uma ação contra a escola, acusando-a de comportamento religioso chocante contra uma criança, abusos físicos por espancamento, excessiva instrução religiosa nociva à criança, persegui­ção, discriminação e doutrinação religiosa mediante uso de fundos fede­rais. A garotinha contou que Harris tentou expulsar um demônio dela. . .

Oh! Lá estava na televisão! Sally aumentou o volume no exato momento em que a filmagem no local começou a rodar. Lá estava a escolinha, e lá estava Tom Harris, o diretor, em pé no umbral da porta. Sim, lá estava a senhora loura, entregando-lhe a intimação.

Chad Davis, repórter do Noticiário do Canal Sete, sobrepunha a cena com sua voz. "A ação judicial em favor da Sra. Brandon levanta mais uma vez a questão de quanto a liberdade religiosa é excessiva, especialmente no que diz respeito a crianças pequenas, e exige que se limite práticas fundamentalistas extremas que transgridem as leis do estado."

Outra cena: Lucy Brandon, a agente do correio, e... Amber! Nenhuma das duas disse coisa alguma. Apenas se dirigiram ao seu carro e entraram nele. Davis narrou: "O caso pode ter implicações a nível federal pelo fato de fundos federais estarem envolvidos na educação da criança na escola. A ACAL argumenta que as práticas e ensinamentos da escola são extremos, nocivos, e transgridem claramente as leis referentes à separação entre a igreja e o estado."

Uma senhora loura apareceu na tela. Seu nome apareceu abaixo do rosto: Claire Johanson, ACAL.

— Estamos preocupados com o bem-estar de nossas crianças — disse ela — e desejamos protegê-las de quaisquer outros abusos cruéis e indescul­páveis que lhes forem infligidos sob a permissão da religião.

A seguir veio uma rápida entrevista com uma senhora do Departamento de Proteção à Criança, Irene Bledsoe.

— Sempre investigamos quaisquer comunicações que cheguem até nós — dizia ela — e estamos examinando este caso.

Davis impôs uma pergunta de fora da câmara.

— As crianças do Sr. Harris foram removidas de sua casa?

— Sim, mas isso é tudo o que posso dizer.

"Enquanto isso", Davis continuou a sua narrativa, "o Tribunal Federal Regional emitiu uma injunção temporária contra a escola, proibindo qualquer outro castigo, ensinamento religioso que possa ser nocivo as crianças, ou comportamento religioso chocante, até à audiência que ocorrerá em duas semanas."

Apareceu outra vez o repórter principal, fitando solenemente a câmara.

— Obrigado, Chad, por essa reportagem. Estaremos definitivamente acompanhando esse caso e lhes traremos mais acontecimentos à medida que forem ocorrendo. Falando de coisas menos sérias...

Propaganda. Uma rapaziada correndo e gritando e abrindo garrafas de cerveja.

Ela desligou a televisão e sentou-se sobre a cama, atônita. Irene Bledsoe... aquela mesma mulher com os cabelos castanhos despenteados e rosto de lua cheia enrugado. Aquela mesma carranca!

A mulher da quase-colisão. Era ela? Aquelas eram as crianças de Tom Harris?

Lucy Brandon. Amber. Oh, e justo quando minha mente se desanuvia­va!

Pensamentos começaram a encher a mente de Sally com o ritmo explosivo de pipocas, carregando-a numa enchente desordenada, impelindo-a para a frente como um automóvel descontrolado sem ninguém ao volante; a correnteza corria e lançava-se em guinadas de um pensamento para outro, pulando por cima de lembranças e colidindo com cenas repetidas, prendendo e arrastando situações através de seu consciente mais depressa do que ela conseguia vê-las, fazendo surgir conversas, fatos e faces.

Com as mãos, ela apertou com força os lados da cabeça como se estivesse sendo atacada por uma horda de ruídos. Por favor, um de cada vez! Não os posso ouvir quando estão todos berrando ao mesmo tempo! Mais devagar!

Olhou novamente a fotografia de Tom Harris que o jornal trazia, em pé no umbral da porta da escolinha, recebendo o grande envelope branco da senhora loura.

Então ele também havia ficado conhecendo a pequena Amber!

A mão de Sally dirigiu-se ao anel pendurado debaixo da blusa. Parecia que coisas ruins aconteciam as pessoas que se chocavam com Amber Brandon.

Ela dirigiu-se à mesa e encontrou o primeiro pedaço de papel que rabiscara aquele dia. Era tudo o que tinha; talvez alguma mensagem legível aparecesse depois de toda aquela tolice.

A menos que somente escrevesse mais tolices. Ia ser uma luta, mas ela tentaria de novo. Tentaria toda a noite se fosse preciso. Sua cabeça fervia com pensamentos soltos, incontroláveis, e mais cedo ou mais tarde teriam de jorrar para fora de alguma forma clara.

Então, de repente, em toda a volta do hotel, uma tal legião inesperada de demônios atormentadores começou a chover que Chimon e Scion já não puderam esconder-se e tiveram de jogar toda sutileza pelos ares. Encontraram-se em plena glória, brilhantes e visíveis, espancando e reta­lhando os demônios que enxameavam ao seu redor como abelhas despre­zíveis, penetrantes. A intensidade do ataque furioso era chocante, surpreendentemente forte. Parecia que cada espírito era destruído apenas para ser substituído por dois outros, e o ar encheu-se deles. Eram audacio­sos, atrevidos, afoitos, atacando com berros e guinchos, chegando mesmo a rir zombeteiramente.

— Pelo Destruidor! — berravam eles com seu brado de guerra. — Pelo Destruidor!

Então era isso! O comandante demoníaco tentava nova tática agora, e essa dificuldade podia apenas ter sido causada por uma coisa: algo havia acontecido à cobertura de oração.

— Bem — disse Judy Waring — nunca se sabe com relação às pessoas. Sempre tive minhas dúvidas sobre ele. Votamos por recomendação sua, não nos opusemos, e agora, o que vamos fazer?

Mark tentava encerrar essa conversa telefônica e voltar à reunião. O telefone da casa pastoral tocara o dia todo, e ele estava prestes a arrancar o fio da parede.

— Ouça, Judy — disse ele — estamos para ter uma reunião de emergência do conselho a respeito disso agora mesmo, por isso tenho de desligar. Mas deixe-me garantir-lhe que Tom está tratando essa coisa toda muito bem, de maneira realmente aberta e franca. Acho que podemos confiar nele.

— Bem... Fiquei sabendo uma porção de coisas...

— Certo... Deixe-me dizer algo a respeito disso antes de desligar. Não quero mais fofocas por aí a respeito de Tom ou da escola ou de nenhum desses assuntos. Se existe alguma coisa a ser resolvida, será resolvida nesta reunião, com Tom presente e capaz de defender-se. Agora, por favor...

— Você ouviu o que o noticiário disse esta noite?

— Judy! Agora escute o que digo! Você não precisa obter sua informação do noticiário, não quando tudo isto está acontecendo conosco, em nossa própria igreja. Agora fique sentadinha aí e não dê ouvidos a quaisquer outros boatos, e por favor, não espalhe nenhum, está certo?

— Bem, está certo, mas não sei se posso manter o Charlie matriculado na escola com isso acontecendo...

— Faremos a nossa reunião esta noite, e então cuidaremos das suas preocupações. Apenas tenha paciência.

Judy estava para dizer mais outra coisa. Era sempre ela quem tinha a última palavra em qualquer conversa. Quieta e cortesmente, Mark desligou antes que ela pudesse se pôr a falar de novo.

Cathy Howard estava por perto, fazendo café para os homens reunidos na sala de jantar, e ouvindo o lado de Mark do que era no mínimo a vigésima conversa. Mark disse-lhe baixinho:

— Talvez você possa tirar esta coisa da parede ou deixar fora do gancho.

Ela fez um ar inquisitivo.

— Ou atender às chamadas?

— Vá lá e faça a sua reunião — disse ela com uma risada. — Selecionarei as chamadas para você.

Essa merecia um beijo. Cathy, uma loura atraente com finos traços nórdicos, era extraordinariamente serena. Ela manteria a sua calma duran­te essa época difícil, e Mark sentia-se grato pela esposa, mais do que poderia dizer. Naturalmente, ela não gostava de tributação — quem gosta­va? — mas naquele exato momento, quando força e resistência a mais se faziam necessárias, ela as supria, e isso dava a Mark a tranqüila certeza de que venceriam a crise.

Ele passou pela porta da cozinha e entrou na sala de jantar. Os quatro presbíteros da igreja estavam reunidos em torno da mesa, ouvindo Tom contar o que havia acontecido até aquele momento.

— E o que foi que esse espírito disse? — perguntou Jack Parmenter, um sitiante de cabelos prateados, trabalhador e estável. Tom não gostava de lembrar-se. — Oh... ele disse que somos todos uns tolos de adorar Jesus, que Ele era apenas um mentiroso, e não Deus de forma alguma, mas somente um filho ilegítimo — uh, o espírito usou outra palavra, é claro — e então prosseguiu acusando Jesus de perversões sexuais... em termos bem descritivos.

— Tudo isso saindo de uma criança de dez anos — disse Bob Heely revoltado. Bob era veterano do Vietnã, um mecânico de equipamentos diesel que mantinha todo o maquinário agrícola à volta de Baskon funcio­nando. Suas mãos eram ásperas e enegrecidas por graxa.

— Está-me parecendo bem esquisito — disse Doug Parmenter, filho de Jack e a cara do pai. — O que acha, Mark? Nunca vi uma pessoa possuída por demônios antes.

Mark tomou seu lugar à ponta da mesa.

— Eu já, e acho que as impressões de Tom estavam certas.

Vic Savan, que cuidava do sítio vizinho do de Parmenter, concordou com aquilo.

— Ora, o que essa garotinha — ou esse demônio — tinha a dizer se encaixa com tudo o mais que o Diabo está dizendo estes dias acerca dos cristãos e acerca de Cristo. Olhem só toda a difamação que ele tem estado a espalhar nos jornais e na televisão, e não estou falando apenas da nossa situação. Parece que são sempre os direitos civis e as liberdades de alguma outra pessoa que importam, mas quando chega a vez dos cristãos, o pessoal — e acho que os demônios — pode falar o que bem entender.

— Bem — disse Mark — como Wayne Corrigan disse, uma ação judicial, um teste da liberdade cristã, tinha de acontecer em algum lugar. Parece que esse lugar é aqui em Baskon, e em nossa escola.

— Mas não é bem típico de Satanás usar uma criança? — disse Jack. — Quero dizer, é um golpe bem baixo.

— Bem, de pode usar o próprio povo de Deus também. Quantos de vocês ouviram algum tipo de conversa destrutiva acerca disto ante de virem à reunião esta noite?

Todos os homens levantaram a mão. Vic relatou:

— Encontrei os Jessups no posto de gasolina, e eles se perguntavam quantas outras crianças teriam sido abusadas.

Tom encolheu-se ao ouvir isso.

— Abusadas? E o que eles queriam dizer com isso?

— Você preenche os espaços em branco com o que quiser, Tom.

— Bem, esse é o favor que o jornal e o Canal Sete nos fizeram — disse Jack. — Eles têm estado a usar essa palavra por aí como se fosse um fato.

— E é a isso que estou-me referindo — disse Mark. — Somos os presbíteros desta igreja, e temos de manter essa coisa sob controle. Haverá perguntas atiradas por aí e uma porção de acusações e fofoca, e é melhor começar­mos a pensar em como vamos enfrentar isso.

Vic ergueu o sobrolho, encolheu um ombro, e disse:

— Bem, no que diz respeito aos Jessups, eles estão tirando os dois filhos da escola. Não querem ter nada a ver com o negócio.

— Os Wingers também não — disse Doug.

— E eles disseram que eu era um idiota de deixar os meus três lá — disse Bob.

O telefone na cozinha tocou de novo. Eles podiam ouvir Cathy aten­dendo.

Mark comentou:

— Provavelmente é outra família preocupada com as mesmas coisas. — Ele olhou para Tom. — Bem, Tom, vamos cuidar do primeiro item e depois podemos continuar dali.

Cathy avisou à Mark:

— É Ted Walroth no telefone. Ele viu o noticiário desta noite e quer saber se vamos ter uma assembléia da congregação.

— Diga-lhe que ligarei de volta — disse Mark. Cathy foi dar o recado, e Mark voltou sua atenção a Tom.

— Você quer contar-lhes? Tom não hesitou.

— Estou-me demitindo como diretor da escola; vou tirar uma licença até esta coisa toda ser esclarecida.

Jack estava pronto para contestar essa medida.

— A escola está em apuros por minha causa. Se quisermos salvá-la de alguma forma, tenho de sair de cena.

Ele tinha razão. Todos os homens à mesa detestavam ter de admitir, mas ele tinha razão. Fez-se silêncio longo, inquieto. Todos eles olharam para a mesa ou fora da janela ou à volta da sala, e apenas ocasionalmente um ao outro.

Mark resolveu quebrar o silêncio.

— Tom e eu conversamos e oramos a respeito disso, e concordamos que todos temos de enfrentar os fatos como eles são: a confusão está em torno dele; ele e o centro da controvérsia. Ora, sei que estamos todos ao lado dele, mas a questão de inocência é secundária. A maior e mais importante preocupação neste instante é a confiança dos pais e da comu­nidade. Essa confiança está começando a levar uma verdadeira surra agorinha mesmo, e vai ser difícil reavê-la se mantivermos Tom em seu cargo.

Jack remexeu-se, olhou para um lado e para outro, e depois deu um murro na mesa.

— Mas, Mark, não podemos fazer isso! Seria o mesmo que admitir que Tom é culpado!

Doug interveio.

— Mas, Papai, algumas pessoas já estão achando isso! Conversei hoje mesmo com gente que está disposta a desistir de tudo, retirar seus filhos da escola e deixar que ela morra. Caíram de costas com essa coisa.

Mark interrompeu.

— Mas isso faz parte da guerra, minha gente. Satanás organizou essa coisa toda de modo a poder enfraquecer-nos com fofocas e difamação. Precisamos fazer tudo o que pudermos a fim de nos proteger disso, ou pelo menos não jogarmos gasolina no fogo.

Tom explicou:

— Se eu permanecer na escola, não conseguiremos convencer ninguém de que estamos realmente preocupados com tudo isto. Eu estou preocu­pado. Estou disposto a deixar o cargo até conseguirmos resolver toda essa dificuldade.

— Faremos tudo o que pudermos para manter a academia aberta. A Sra. Fields permanecerá e lecionará às crianças que ficarem em suas classes. Eu cuidarei do restante das séries mais adiantadas. Tom, que número de matrículas esperava?

Tom rabiscou uma possível lista.

— Acho que deveríamos pensar no pior dos casos... o que significaria que Judy Waring tirará o filho Charlie... e depois vêm os Jessups e os dois deles... e depois os Wingers com seus três...

— E os Walroths? — perguntou Jack. Mark respondeu:

— Ligarei para ele. Acho que posso convencê-lo a agüentar um pouco mais.

— Então, deixamos os dois filhos dele na lista?

— Por enquanto.

Tom os colocou de volta na lista.

— Muito bem. Isso significa que saíram cinco crianças da classe da Sra. Fields. A classe dela caiu para a metade. A minha classe perdeu um. Não está tão ruim.

— Então por enquanto conseguiremos sobreviver — disse Mark. — Mas esta noite teremos de falar a respeito do salário de Tom enquanto ele está fora, além de um pouco mais de trabalho voluntário para manter as coisas funcionando — não terei tempo de fazer toda a contabilidade e administra­ção. Depois, teremos de mudar a rota do ônibus escolar, agora que os Wingers saíram, e conseguir outra pessoa para organizar os almoços, agora que os Warings saíram.

— Donna Hemphile ligou hoje — lembrou-se Tom. — Ela apóia muito a escola, e está disposta a doar quanto tempo tiver disponível quando não estiver ocupada na fabrica de portas.

— Quem? — perguntou Doug.

— Donna Hemphile — disse Mark. — É a supervisora da Fábrica de Portas Bergen, uma mulher solteira.

— É, ela é simpática.

— De qualquer jeito — disse Tom — ela diz que cuidará dos almoços, provavelmente dois dias por semana.

— Já serve. — Mark incluiu aquilo em suas próprias notas. — Muito bem, outras coisas que temos de discutir esta noite: precisamos falar-lhes a respeito do que Wayne Corrigan nos disse, e o que temos de fazer para lutar contra essa coisa no tribunal. — Mark olhou para Tom. — E temos também o último relatório a respeito de seus filhos.

Tom parecia cansado. Ela já havia passado por enorme batalha sobre esse assunto.

— Wayne Corrigan ligou hoje à tarde. Ele finalmente conseguiu falar com alguém do Tribunal Regional em Claytonville. Tiveram uma audiência hoje, no tribunal do Juiz Benson. Levou cerca de dez minutos, pelo que fiquei sabendo. Acho que não perdi nada; eles teriam barrado a minha entrada na sala do tribunal de qualquer jeito. O juiz aprovou a remoção das crianças e marcou a data do julgamento para outubro.

— Outubro? — exclamou Jack. — E o que acontece enquanto isso?

— Devo obter aconselhamento, mas com um conselheiro nomeado pelo tribunal. Poderei visitar as crianças, não sei exatamente quando, e a visita será controlada; uma assistente social terá de estar presente... — Tom não pôde continuar.

— Bem, teremos de lutar contra essa coisa — disse Jack. —Os outros que fujam e se escondam. Se ser cristão é difícil demais para eles, bem, não podem dizer que Jesus não avisou. Mas vamos lutar contra isso! Vamos cair de joelhos, e rogar ao Senhor que nos mostre uma saída. O nosso Deus é maior do que qualquer ação judicial ou qualquer bando de burocratas da assistência social! Ele se postará ao nosso lado, e essa é... bem, é a última coisa que vou dizer sobre o assunto! Mark olhou à volta da mesa.

— Então, o que o resto de vocês acha? Quero saber o que pensam agora, antes de darmos qualquer outro passo.

— Vamos topar a briga — disse Doug.

— Estamos nisto pelo Senhor — disse Bob. — Ele nos ajudará. Vic ergueu a mão para ser contado.

— Ei, se tinha de acontecer conosco, então é porque tinha de acontecer conosco. Parece que estamos na frente da fila, minha gente. Se cairmos, todas as outras escolas cristãs cairão a seguir. É melhor oferecermos uma boa briga, com a ajuda do Senhor.

Mark sentiu a mão de Deus sobre aqueles homens. Seus olhos encon­traram-se com os de Tom, e através das lágrimas deste ele viu uma tranqüila confiança.

— Então, vamos à oração — disse ele — e que nosso acordo nesta noite seja estabelecido nos Céus.

Eles se deram as mãos à volta da mesa, fazendo sua aliança uns com os outros e com Deus.

Muito acima da cidade, planando entre os Céus e a Terra, com suas asas como um dossel macio, indistinto, o Capitão Tal ouviu a transação. Os santos tinham-se unido em oração de acordo com a vontade de Deus; o Todo-Poderoso Senhor havia recebido sua petição. Houve acordo e esse acordo estava agora selado.

— Bom — disse Tal — já basta!

Em Claytonville, os demônios subitamente deram por encerrado o seu dia de trabalho. O último deles deu uma passada baixa, cuspiu alguns insultos, e depois chispou pelos ares noite adentro como uma andorinha enlouquecida, deixando Chimon e Scion sozinhos no telhado do hotel. O silêncio repentino era dissonante.

— Bem — disse Chimon — conseguimos uma oração?

— É o que parece — disse Scion.

Eles se sentaram no telhado, as espadas descansando sobre as telhas, os olhos varrendo o céu. Em baixo deles, Sally Roe se deitava para dormir. Talvez agora todos tivessem uma noite um pouco sossegada.