Levando Mitko a Cristo
Nickolai deixou a cela em fins de outubro, e fiquei sozinho
para descansar — mas a “Dieta de Morte” ainda continuava. Embora eu estivesse
faminto, tinha permissão de dormir; e, por isso, um pouco de minhas forças
retornou. Deixei de lutar contra os percevejos e outras criaturas que, em
multidão, invadiam-me o corpo, quando eu dormia. Precisava mais do sono do que
do sangue que extraíam de mim. Eu passava em oração a maior parte das minhas
horas despertas. Deste modo, eu não tinha tanta consciência da fome, e meu espírito
sentia-se elevado. Alguns dias mais tarde, a porta da cela se abriu e um jovem,
chamado Mitko, que tinha aproximadamente vinte e três anos de idade, foi
trazido à cela. Pobre Mitko! Era tão jovem e estava tão assustado! Não parava
de andar para lá e para cá, falando sem cessar: “Sou inocente. Sou inocente!”,
embora não se dirigisse a alguém, em particular. Por quantas vezes aquelas
paredes manchadas de vermelho escuro, devido a insetos esmagados, devem ter
ouvido isso! Dava pena! Cada vez que passava um guarda nas proximidades, ele
começava a gritar novamente: “Sou inocente!” Louvava a Lenin e ao comunismo em
voz alta, esperando que os guardas o ouvissem falar como um “bom comunista” e o
deixassem ir embora. Era um esforço desesperado e comovente (tinha visto, com
freqüência, os prisioneiros fazerem isso). Meu coração se inclinava para ele,
comecei a falar-lhe de Cristo e da esperança que podemos ter na salvação.
Durante dias, esforcei-me por penetrar além do absoluto pânico de Mitko, a fim
de chegar até ele. Um dia, o olhar assustado desapareceu do seu semblante, e
ele começou a ouvir-me. Meu coração se alegrou. Eu estava, realmente, chegando
até ele. Dois dias mais tarde, Mitko disse: “Pastor, ore por mim!” Ajoelhei-me
juntamente com Mitko e oramos. Ele orava intensa e ansiosamente e, portanto, de
todo o coração, de tal modo que o chão da cela, onde ele estava ajoelhado,
ficou molhado com suas lágrimas. Ele teve uma admirável e verdadeira
experiência com Cristo. Tornou-se tranqüilo, calmo, com profunda satisfação
íntima da parte de Deus. Então, compreendi que, se nada resultasse de meu
aprisionamento, a não ser aquela única alma conduzida aos pés de Cristo,
valeria a pena. Um dia, abriu-se a porta da cela, e um guarda entrou. Ele
trazia um papel que declarava que Mitko deveria ser libertado. Mitko não podia
acreditar, mas o guarda mostrou-lhe os papéis de soltura. O guarda partiu a fim
de buscar Mitko um pouco mais tarde. Enquanto esperava para ir embora, Mitko me
disse: “Pastor, nesta cela me encontrei com Deus por meio de você. Seguirei a
Cristo todos os dias de minha vida”. O guarda retornou, e Mitko despediu-se de
mim com um aperto de mão. Nunca mais o vi, mas estou certo de que ele
permaneceu fiel a Cristo. Fiquei sozinho por dez dias. Sentia-me tão perto de
Deus, em minha prisão solitária, que passava o tempo louvando-O e adorando-O.
Quão íntima é a comunhão com Deus! Eu conversava com Ele. Ele me consolava.
Tudo foi um banquete espiritual para mim. Durante esse tempo, recebi novas
forças, embora meu corpo estivesse reduzido a quase nada. Lágrimas de alegria
me escorriam pelo rosto. Ali, na prisão da DS, sozinho e sem nada, eu tinha
tudo — Cristo. Destituído de tudo, sem quaisquer distrações mundanas, encontrei
uma profunda e bela comunhão com Deus. Alegria e paz inundaram a minha alma.
Meu corpo doía devido à fome, meu espírito, porém, nunca se sentiu tão próximo
de Deus. Caído de fome, sozinho e fraco demais para movimentar-me, senti que
podia elevar-me até Deus e ser recebido em seus braços.
Sentia-me mais livre naquela cela do que já me sentira do
lado de fora. Livre do mundo, de todas as suas pressões e anseios, senti uma
proximidade com Deus como nunca antes sentira em meus dias atarefados. A prisão
me destituiu de todas as incômodas distrações da vida, e senti profundeza
espiritual e união com Cristo. A prisão ou destrói um homem no íntimo ou lhe
outorga profundo vigor espiritual. A prisão, onde alguém fica desligado da
vida, freqüentemente traz à luz os recursos mais genuínos e profundos. Estranhamente,
quando os homens se acham em sua pior condição, podem dar o melhor e o mais
sacrificial de si mesmos. Nos anos seguintes, vi prisioneiros cuidarem de
outros, como se fossem seus irmãos mais achegados. Amizades eram forjadas no
sofrimento comum. Com freqüência, vi um homem que morria de fome, na prisão,
separar sua ração diária de migalhas de pão, para oferecê-la a outro
prisioneiro mais fraco do que ele. A presença de Deus me cercava, fortalecia e
enchia. Nunca me esquecerei daqueles dez dias. Cedo, pela manhã, no décimo dia,
olhei para fora da janela, em direção da fábrica, do outro lado da rua. Para
meu espanto, vi a forma clara de uma cruz sobre o telhado da fábrica! Penso que
a sombra de duas grandes chaminés, causada pela luz do sol, provavelmente
formava uma cruz. Para mim, entretanto, aquilo era um sinal da parte de Deus.
Fiquei parado diante da janela da cela por longo tempo, contemplando aquela
cruz e meditando sobre a cruz na qual Jesus morrera, bem como sobre seu amor e
bondade. Subitamente, uma voz tão real como qualquer outra que eu já ouvira
disse: “Meu filho, esta é a sua cruz, que você deve levar. Prepare-se para
maiores sofrimentos”. Embora eu soubesse que algo de terrível estava prestes a
acontecer, o sinal daquela cruz me deu um sentimento de confiança em Deus, e,
olhando através das barras da janela da cela, comecei a entoar um hino
favorito: À sombra da cruz de Jesus Contente tomo o meu lugar. Sombra da
poderosa rocha, Em uma terra exausta:
Um lar no próprio deserto, Um abrigo no caminho Do calor
intenso do meio-dia E da fadiga de todo o dia. Com lágrimas a escorrer pelo
rosto, continuei entoando: Ó cruz, tomo a tua sombra Como meu lugar de
habitação: Não desejo ter outra luz Senão a luz do teu rosto; Contente por
deixar o mundo ir, para não conhecer ganho ou perda, O eu pecaminoso somente me
envergonho, E a cruz é toda a minha glória. Entoei esse cântico até ao fim, e
meu coração sentiu-se repleto de dulçor. Lágrimas escorriam pelo rosto. Não
eram lágrimas amargas, e sim, como nós, crentes da Bulgária, costumamos dizer,
“lágrimas doces”. Quando terminei o cântico, a porta da cela foi aberta e fui
levado para os andares inferiores, para outro período de tortura. Meus dez dias
de comunhão tranqüila com Deus haviam acabado. Chegava a minha maior provação,
e se aproximava o meu “julgamento espetacular”.