Pregando o evangelho para a Polícia Secreta
No início de setembro de 1948, fui entregue aos cuidados de
um advogado cujo nome era Peter Manoff, que deveria conduzir o interrogatório
até que eu “confessasse”. Todas as noites eu era ordenado a escrever informações
sobre mim mesmo, meu trabalho, meus amigos e os amigos de meus amigos — tudo
quanto os comunistas quisessem saber a respeito de mim. Isso parecia inofensivo
e me daria oportunidade de descansar, pelo que comecei a escrever. Resolvi
incluir um testemunho sobre Cristo em todos os lugares possíveis. Queriam que
eu registrasse, especialmente, tudo o que acontecera em minha vida. Isso se
harmonizava, às mil maravilhas, com meu plano. Deu-me muitas oportunidades de
contar aos meus interrogadores o que Cristo significava para mim! Eu sabia que
eles tinham de ler o que eu escrevesse, pelo que preenchi tudo com a Palavra de
Deus e com o meu testemunho. Manoff estava ocupado o dia inteiro no tribunal,
trabalhando como promotor público; à noite, ele vinha passar-me novas tarefas e
escolher novo guarda. O único sono que usufruí, durante um mês inteiro, foram
“cochilos” rápidos. Eu tinha permissão de voltar à cela de manhã, ao meio-dia e
à noite, talvez por quinze minutos em cada vez. Continuava recebendo as duas
fatias de pão e a água temperada que chamavam de “sopa”, todos os dias.
Eu usava aquele breve período para descansar e dormir um
pouco. Sentia-me extremamente fraco, por causa da falta de sono e da
desnutrição. Seria interessante ler o que escrevi durante aquelas noites. Devo
ter escrito mais de duas mil páginas ao todo, algumas vezes até quarenta
páginas em uma única noite! A cada noite, eu recebia um assunto sobre o qual
tinha de escrever. Tomar um assunto escolhido e encontrar um meio lógico de incluir
um testemunho sobre Cristo tornou-se um jogo para mim. Realmente, tornei-me
eficiente nisso. Em qualquer assunto que me dessem, eu encontrava uma maneira
de incluir um testemunho! Não penso que eles apreciavam isso, mas tudo estava
tão bem conectado, que parecia fazer parte do restante da história. Isso os
enfurecia; mas, afinal de contas, Cristo se tornara parte de minha vida diária
desde que me converti. Embora odiassem a Palavra de Deus esta era a Palavra de
Deus e, eles mesmos eram os que mais precisavam dela. Tive uma das melhores
oportunidades quando me ordenaram que escrevesse sobre o treinamento bíblico,
em Danzig: contar que professores e amigos eu tive ali e que cursos me
ensinaram. Aquela foi, realmente, uma notável oportunidade. Transcrevi as lições
com detalhes, assim como os meus professores me haviam ensinado. Imagino que
aqueles foram os primeiros interrogadores comunistas a receberem lições da
Bíblia! Em seguida, perguntaram-me sobre os dias de instrução na Escola
Bíblica, em Londres. Realmente arei com prazer aquele campo. Ali eu estava, em
uma prisão comunista, usando papel e tinta comunistas para contar aos
comunistas o que me fora ensinado da Palavra de Deus. Eles me tinham dito:
“Popov, queremos todos os detalhes!” Eu lhes dava todos os detalhes. Aqueles
foram alguns dos dias mais maravilhosos que tive na prisão. Escrever sobre as
aulas bíblicas fez tudo voltar à memória. Um dia, eles me disseram: “Popov, já
é o bastante. Não queremos saber mais nada sobre a sua vida na Escola Bíblica e
sobre o seu Deus lendário!” Mas, agradeço a Deus por aquele tempo; em que eles
foram expostos à Palavra, gostando ou não. Ordenaram que me limitasse à
situação na Bulgária. Eu sempre tentava encontrar um meio de voltar à Palavra
de Deus e ao que o Senhor significava para mim. Realmente “forcei” em alguns
pontos, mas usualmente conseguia introduzir minha “mensagem do evangelho”. Com
freqüência, me pergunto quantos comunistas foram alcançados por minha mensagem.
No entanto, eles também eram espertos. O grande volume de meus escritos
capacitou-os a selecionar incidentes isolados, aqui e acolá, para distorcê-los.
Sem meu conhecimento, as pessoas mencionadas no manuscrito eram interrogadas e
assediadas. Uma dessas pessoas era um irmão na fé, chamado Marko Kostoff, que
trabalhava no cais de Burgas, um porto do Mar Negro. Perguntaram-lhe se tínhamos
conversado no porto; e, nesse caso, o que havíamos conversado. Na Bulgária, um
pastor visita habitualmente os membros de sua igreja em seus lares, pelo menos
uma vez por mês. Durante as minhas visitas, eu falava sobre Deus, as
necessidades da família e assim por diante. Se o chefe da família trabalhasse
nos campos, eu conversava sobre a semeadura e a colheita. Se alguém trabalhasse
na estrada de ferro, eu conversava com ele sobre o que fazia. Portanto, durante
as minhas visitas pastorais, eu conversava com Marko sobre o porto e seu
trabalho, bem como sobre assuntos espirituais. Meus interrogadores resolveram
tirar proveito disso. Marko relembrou, nos interrogatórios a que foi sujeitado,
que às vezes conversávamos sobre o trabalho dele, no porto. Mencionou que, em
certa ocasião, falamos a respeito de um barril de queijo. Estavam embarcando
barris cujos rótulos continham o nome “marmelada”, em um navio que se destinava
à Rússia, e aconteceu que um dos barris caiu no cais e estourou, revelando que
continha queijo. Na Bulgária, naquela época, não havia como alguém obter queijo
em parte alguma, porque as autoridades estavam enviando secretamente todo o
suprimento de queijo para a Rússia, sob o rótulo de “marmelada”. Marko me
falara sobre aquela “marmelada” de aparência estranha. E também lembrou que
tínhamos conversado sobre aquele incidente. Desta maneira, as autoridades
afirmaram que eu “obtivera informações sobre atividades portuárias, passando-as
aos ingleses e americanos”. De modo semelhante, os membros de minha igreja que
eram operários da estrada de ferro ou de fábricas, relembraram que eu
conversara com eles sobre o seu trabalho. Com muito cuidado, as autoridades
estavam criando um caso contra mim, mostrando-se extremamente cautelosas para
não transmitirem a impressão de que eu estava sendo perseguido por causa de
minha fé em Deus. Certa noite, fui levado a uma sala, no quarto pavimento, onde
recebi ordem para sentar e escrever. Nessa altura, eu era um esqueleto faminto,
movimentando-me com estupor, em um mundo de semiconsciência. A janela daquela
sala dava para um pátio; e, no outro lado deste pátio, havia uma ala ocupada
pela Polícia Secreta. Notei uma janela iluminada, do outro lado da ala. Através
daquela janela, vi um homem sendo torturado. Ele era mantido no chão, com os
pés para cima. Dois homens o seguravam embaixo, enquanto um terceiro, armado de
um cacete de borracha dura, batia com toda a sua força nas solas nuas dos pés
do pobre homem. Através das janelas fechadas, eu podia ouvir distintamente o
ruído das pancadas, vindo do outro lado do pátio. O homem urrava de agonia e
dor. Os golpes continuaram, até que o homem caiu em inconsciência; mas, apesar
disso, os golpes não cessaram. Certamente, aquele homem nunca mais conseguiu
andar com os próprios pés e sem ajuda. A cena ficou gravada em mim. Naquele
momento e em incontáveis noites que viriam, eu fechava os olhos, para não ver,
e tapava os ouvidos, para não ouvir. E orei: “Ó Deus, ajuda-me a desligar o meu
cérebro e não pensar!” Mais tarde, reiniciei minha lenta e dolorosa escrita,
porém os meus pensamentos não se afastavam daquele homem. Sentia-me
profundamente triste por causa dele. Contudo, o invejava. Voluntariamente eu
teria trocado de lugar com ele. Sua provação durou apenas algumas horas, mas,
ainda que a tortura continuasse por dois dias, tudo teria terminado para
sempre. Teria morrido e seu sofrimento, acabado. Desejei, de todo o coração,
que me tratassem daquela maneira, para que meus sofrimentos terminassem. Agora
eu entendia por que razão haviam colocado telas de arame por sobre o poço da
escada e barras nas janelas dos andares superiores; não era para impedir fugas,
mas suicídios. Se alguém morresse, os comunistas queriam que morresse do modo
deles, não conforme as pessoas desejassem. Contudo, meu desejo não se cumpriu.
Os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos, e o Senhor tinha um outro
plano para mim. Não o compreendia, mas o aceitava.