quarta-feira, 28 de abril de 2021

Torturado por sua fé - Capítulo 07



Pregando o evangelho para a Polícia Secreta

No início de setembro de 1948, fui entregue aos cuidados de um advogado cujo nome era Peter Manoff, que deveria conduzir o interrogatório até que eu “confessasse”. Todas as noites eu era ordenado a escrever informações sobre mim mesmo, meu trabalho, meus amigos e os amigos de meus amigos — tudo quanto os comunistas quisessem saber a respeito de mim. Isso parecia inofensivo e me daria oportunidade de descansar, pelo que comecei a escrever. Resolvi incluir um testemunho sobre Cristo em todos os lugares possíveis. Queriam que eu registrasse, especialmente, tudo o que acontecera em minha vida. Isso se harmonizava, às mil maravilhas, com meu plano. Deu-me muitas oportunidades de contar aos meus interrogadores o que Cristo significava para mim! Eu sabia que eles tinham de ler o que eu escrevesse, pelo que preenchi tudo com a Palavra de Deus e com o meu testemunho. Manoff estava ocupado o dia inteiro no tribunal, trabalhando como promotor público; à noite, ele vinha passar-me novas tarefas e escolher novo guarda. O único sono que usufruí, durante um mês inteiro, foram “cochilos” rápidos. Eu tinha permissão de voltar à cela de manhã, ao meio-dia e à noite, talvez por quinze minutos em cada vez. Continuava recebendo as duas fatias de pão e a água temperada que chamavam de “sopa”, todos os dias.
Eu usava aquele breve período para descansar e dormir um pouco. Sentia-me extremamente fraco, por causa da falta de sono e da desnutrição. Seria interessante ler o que escrevi durante aquelas noites. Devo ter escrito mais de duas mil páginas ao todo, algumas vezes até quarenta páginas em uma única noite! A cada noite, eu recebia um assunto sobre o qual tinha de escrever. Tomar um assunto escolhido e encontrar um meio lógico de incluir um testemunho sobre Cristo tornou-se um jogo para mim. Realmente, tornei-me eficiente nisso. Em qualquer assunto que me dessem, eu encontrava uma maneira de incluir um testemunho! Não penso que eles apreciavam isso, mas tudo estava tão bem conectado, que parecia fazer parte do restante da história. Isso os enfurecia; mas, afinal de contas, Cristo se tornara parte de minha vida diária desde que me converti. Embora odiassem a Palavra de Deus esta era a Palavra de Deus e, eles mesmos eram os que mais precisavam dela. Tive uma das melhores oportunidades quando me ordenaram que escrevesse sobre o treinamento bíblico, em Danzig: contar que professores e amigos eu tive ali e que cursos me ensinaram. Aquela foi, realmente, uma notável oportunidade. Transcrevi as lições com detalhes, assim como os meus professores me haviam ensinado. Imagino que aqueles foram os primeiros interrogadores comunistas a receberem lições da Bíblia! Em seguida, perguntaram-me sobre os dias de instrução na Escola Bíblica, em Londres. Realmente arei com prazer aquele campo. Ali eu estava, em uma prisão comunista, usando papel e tinta comunistas para contar aos comunistas o que me fora ensinado da Palavra de Deus. Eles me tinham dito: “Popov, queremos todos os detalhes!” Eu lhes dava todos os detalhes. Aqueles foram alguns dos dias mais maravilhosos que tive na prisão. Escrever sobre as aulas bíblicas fez tudo voltar à memória. Um dia, eles me disseram: “Popov, já é o bastante. Não queremos saber mais nada sobre a sua vida na Escola Bíblica e sobre o seu Deus lendário!” Mas, agradeço a Deus por aquele tempo; em que eles foram expostos à Palavra, gostando ou não. Ordenaram que me limitasse à situação na Bulgária. Eu sempre tentava encontrar um meio de voltar à Palavra de Deus e ao que o Senhor significava para mim. Realmente “forcei” em alguns pontos, mas usualmente conseguia introduzir minha “mensagem do evangelho”. Com freqüência, me pergunto quantos comunistas foram alcançados por minha mensagem. No entanto, eles também eram espertos. O grande volume de meus escritos capacitou-os a selecionar incidentes isolados, aqui e acolá, para distorcê-los. Sem meu conhecimento, as pessoas mencionadas no manuscrito eram interrogadas e assediadas. Uma dessas pessoas era um irmão na fé, chamado Marko Kostoff, que trabalhava no cais de Burgas, um porto do Mar Negro. Perguntaram-lhe se tínhamos conversado no porto; e, nesse caso, o que havíamos conversado. Na Bulgária, um pastor visita habitualmente os membros de sua igreja em seus lares, pelo menos uma vez por mês. Durante as minhas visitas, eu falava sobre Deus, as necessidades da família e assim por diante. Se o chefe da família trabalhasse nos campos, eu conversava sobre a semeadura e a colheita. Se alguém trabalhasse na estrada de ferro, eu conversava com ele sobre o que fazia. Portanto, durante as minhas visitas pastorais, eu conversava com Marko sobre o porto e seu trabalho, bem como sobre assuntos espirituais. Meus interrogadores resolveram tirar proveito disso. Marko relembrou, nos interrogatórios a que foi sujeitado, que às vezes conversávamos sobre o trabalho dele, no porto. Mencionou que, em certa ocasião, falamos a respeito de um barril de queijo. Estavam embarcando barris cujos rótulos continham o nome “marmelada”, em um navio que se destinava à Rússia, e aconteceu que um dos barris caiu no cais e estourou, revelando que continha queijo. Na Bulgária, naquela época, não havia como alguém obter queijo em parte alguma, porque as autoridades estavam enviando secretamente todo o suprimento de queijo para a Rússia, sob o rótulo de “marmelada”. Marko me falara sobre aquela “marmelada” de aparência estranha. E também lembrou que tínhamos conversado sobre aquele incidente. Desta maneira, as autoridades afirmaram que eu “obtivera informações sobre atividades portuárias, passando-as aos ingleses e americanos”. De modo semelhante, os membros de minha igreja que eram operários da estrada de ferro ou de fábricas, relembraram que eu conversara com eles sobre o seu trabalho. Com muito cuidado, as autoridades estavam criando um caso contra mim, mostrando-se extremamente cautelosas para não transmitirem a impressão de que eu estava sendo perseguido por causa de minha fé em Deus. Certa noite, fui levado a uma sala, no quarto pavimento, onde recebi ordem para sentar e escrever. Nessa altura, eu era um esqueleto faminto, movimentando-me com estupor, em um mundo de semiconsciência. A janela daquela sala dava para um pátio; e, no outro lado deste pátio, havia uma ala ocupada pela Polícia Secreta. Notei uma janela iluminada, do outro lado da ala. Através daquela janela, vi um homem sendo torturado. Ele era mantido no chão, com os pés para cima. Dois homens o seguravam embaixo, enquanto um terceiro, armado de um cacete de borracha dura, batia com toda a sua força nas solas nuas dos pés do pobre homem. Através das janelas fechadas, eu podia ouvir distintamente o ruído das pancadas, vindo do outro lado do pátio. O homem urrava de agonia e dor. Os golpes continuaram, até que o homem caiu em inconsciência; mas, apesar disso, os golpes não cessaram. Certamente, aquele homem nunca mais conseguiu andar com os próprios pés e sem ajuda. A cena ficou gravada em mim. Naquele momento e em incontáveis noites que viriam, eu fechava os olhos, para não ver, e tapava os ouvidos, para não ouvir. E orei: “Ó Deus, ajuda-me a desligar o meu cérebro e não pensar!” Mais tarde, reiniciei minha lenta e dolorosa escrita, porém os meus pensamentos não se afastavam daquele homem. Sentia-me profundamente triste por causa dele. Contudo, o invejava. Voluntariamente eu teria trocado de lugar com ele. Sua provação durou apenas algumas horas, mas, ainda que a tortura continuasse por dois dias, tudo teria terminado para sempre. Teria morrido e seu sofrimento, acabado. Desejei, de todo o coração, que me tratassem daquela maneira, para que meus sofrimentos terminassem. Agora eu entendia por que razão haviam colocado telas de arame por sobre o poço da escada e barras nas janelas dos andares superiores; não era para impedir fugas, mas suicídios. Se alguém morresse, os comunistas queriam que morresse do modo deles, não conforme as pessoas desejassem. Contudo, meu desejo não se cumpriu. Os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos, e o Senhor tinha um outro plano para mim. Não o compreendia, mas o aceitava.