A “Dieta de Morte”
Essa dieta começou com a fome. Os sentimentos de fome — tal
como os de amor — são impossíveis de descrever. Minha ração alimentar diária
consistia de duas fatias de pão e seis colheres de “sopa”, que, na realidade,
não passava de água temperada, viscosa e pútrida. A dieta era cuidadosa e
cientificamente designada para sustentar escassamente a vida — e nada mais. Os
prisioneiros chamavam-na “Dieta de Morte”. Consistia principalmente de água,
sendo suficiente apenas para manter um pulso fraco. Ao mesmo tempo, era
suficiente para estimular os sucos gástricos, fazendo com que a pessoa sentisse
fome com mais intensidade do que se nada tivesse para comer. Se uma pessoa não
come nada, ela morre gradualmente, mas as suas papilas gustativas ficam
neutralizadas, e a pessoa é misericordiosamente poupada das dores infernais da
fome. Não fui poupado disso. As duas fatias de pão e as seis colheres de “sopa”
chegavam às seis horas da tarde. Desapareciam em dois minutos e não havia mais
alimento até ao dia seguinte, à mesma hora. O alvo era “quebrantar-me”, e
confesso que a fome é um instrumento terrível e eficaz. E, por causa da fome,
sentia-me como atacado por malária. Tais sensações me acompanharam, dia e
noite, durante os cinco anos seguintes. Deve ser entendido que os comunistas
não procuravam aplicar-me uma “lavagem cerebral”. Sabiam que nunca conseguiriam
isso. A lavagem cerebral implica em modificar completa e permanentemente o
caráter de uma pessoa, fazendo com que sua mente torne-se totalmente dedicada a
uma maneira de pensar diferente. Os comunistas sabiam que nunca conseguiriam
fazer isso comigo e nem o tentaram. O intuito deles era quebrar a minha vontade
— ameaçando, insistindo, torturando, abusando e submetendo-me à fome, até que
minha vontade ficasse totalmente vencida, e arruinada. Eles sabiam que, depois
de minha vontade ter sido completamente quebrada e de haverem arrancado de mim
tudo quanto desejassem, eu recuperaria a vontade e voltaria ao bom senso.
Portanto, a tática deles não foi a de aplicar-me uma lavagem cerebral, e sim a
machucar-me e levar-me tão além do limite da resistência humana, que, por algum
tempo, eu simplesmente perderia a vontade própria. A lavagem cerebral exige um
tratamento alternadamente bom e mau. Destruir a vontade de uma pessoa é mais
simples — requer apenas espancamentos brutais e incansáveis, fome e tortura que
aumente progressivamente em intensidade de horror, até chegar a um clímax em
que a pessoa não mais tenha vontade própria. Essa foi a tática deles... e
começaram-na com fúria e brutalidade. Fome, insônia e ficar de pé com a face
voltada para a parede, semana após semana, são os principais “instrumentos” no
quebrantamento da vontade de um homem. Este tratamento pode transformar uma
pessoa racional e inteligente em um animal. A única coisa que resta, depois
desse tratamento, é o instinto animal de procurar algo para comer. Meu guarda
costumava dizer que eu “deveria tornar-me mais quieto do que a água e mais
baixo que a grama”.
A cela de punição
Em 5 de agosto, sob a “dieta de morte”, fui posto em prisão
solitária e sujeitado a um interrogatório ininterrupto de vinte e quatro horas
por dia. Havia três interrogadores, cada qual trabalhando por oito horas. Isso
lhes permitia conservar a tortura física e psicológica por vinte e quatro horas
diárias. A cela de confinamento solitário tinha uma aparência bastante incomum.
As paredes eram branquíssimas, pintadas com uma tinta de esmalte branco
lustroso. Foi-me ordenado que permanecesse em frente da parede, à distância de
vinte centímetros, e que conservasse os olhos abertos, bem abertos. Meu
interrogador começou gritando: “Não se mova um centímetro!” “Não feche os olhos
por um momento sequer!” “Não divida seu peso numa perna por vez!” “Não mova um
músculo!” “Não faça isto... Não faça aquilo...” Assim ele gritava, enquanto eu
permanecia em frente da parede. Após alguns momentos, meus olhos queimavam como
se houvesse ferros quentes encostados neles. A vinte centímetros, eu estava tão
perto daquela parede branquíssima que os meus olhos não conseguiam mais
centralizar-se. Sugiro que os leitores experimentem isso por alguns momentos
apenas. Os olhos da pessoa se rebelam. Lutam para fechar-se ou para focalizar-se
em algo, mas não podem. É algo terrivelmente doloroso; e, quando eu somente
piscava, meu interrogador batia no lado de meu rosto. A dor em meus olhos se
tornava insuportável. “Fale-me sobre as suas atividades como espião!”, gritava
o interrogador. “Sou pastor”, eu respondia, “tenho trabalhado para Cristo
durante toda a minha vida. Nunca espionei”. O interrogador me dava outro golpe
no lado da cabeça. Meus ouvidos tiniam com o impacto da pancada; ele gritava
novamente: “Conte-me como você espionava para os americanos”. Novamente eu
retrucava: “Sou pastor, um servo de Deus. Tenho trabalhado somente para Ele.
Nada sei a respeito de suas acusações de espionagem”. Mais tarde, no decorrer
dos anos de brutalidade, fiquei tão insensível a tais espancamentos, que eles
me afetavam apenas fisicamente. Todavia, no começo de meu aprisionamento,
aqueles golpes me afetavam e desorientavam, tanto física como psicologicamente.
O interrogador que me espancava era um homem enorme e severo. Nos anos
seguintes, encontrei tempo para refletir sobre aqueles guardas e
interrogadores. Sempre procurava orar mais por um guarda quando ele me
espancava. Percebia que, em certo sentido, eles eram casos mais tristes do que
nós, a quem eles espancavam.
Que tragédia imensa era a deles! Pouco a pouco, enquanto
brutalizavam os prisioneiros e os maltratavam, desciam a escala de humanidade
até chegarem ao nível das feras. Seus rostos, após certo tempo, desafiavam a
descrição e tornavam-se como animais. Nós, os prisioneiros, eventualmente nos
recuperávamos, mas os guardas sofriam um aleijamento permanente de sua
humanidade. Assim, durante os espancamentos, eu procurava conservar minha
perspectiva e orava em favor deles. Descobri que, verdadeiramente, isso
diminuía a dor dos golpes. “Fale-me sobre o seu trabalho como espião!”, gritava
o interrogador. “Sou pastor e...” — antes que eu pudesse terminar a sentença,
outro golpe violento me atingia o lado do rosto. Surgiu um padrão de
procedimento durante aquele primeiro longo dia. Eu era forçado a permanecer
absolutamente parado, sem mover um músculo, os olhos queimando como bolas de
fogo, a olhar fixamente para a parede rebrilhante, a vinte centímetros de
distância. Por detrás de mim, a voz de meu interrogador continuava gritando:
“Fale-nos sobre suas atividades como espião!” Eu respondia: “Sou apenas um
pastor. Nunca fiz outra coisa, senão pregar o evangelho”. Recebia um golpe
violento na cabeça, seguido de alguns minutos de silêncio. Novamente, era feita
a pergunta; em seguida, havia a minha resposta e, outra vez, recebia a pancada.
À medida que as horas se passavam, as perguntas se tornavam menos freqüentes.
Eu perguntava a mim mesmo por que motivo o interrogador esperava tanto entre as
perguntas. Após uma hora ou duas, a verdade brilhou em meu cérebro: o próprio
tempo era uma arma deles. O tempo estava do lado deles, que contavam com o seu efeito
fatigante para quebrantar-me. Hora após hora, naquele primeiro dia, repetiu-se
aquele padrão de pergunta: resposta, golpe, pausa, pergunta, resposta, golpe.
Perdi todo o senso de passagem do tempo. Eu sentia apenas aquele fogo em meus
olhos, e fechá-los, ao menos por um minuto, tornou-se uma obsessão para mim.
Meu corpo estava entorpecido. Eu perdera todo o senso do tempo, e só era
trazido de volta à realidade pelo som diferente da voz de um novo interrogador;
isso indicava que se haviam passado oito horas e que um novo turno se iniciara.
Agora as pausas entre as perguntas eram mais longas; às
vezes, chegavam a uma hora inteira. Eles não tinham pressa. A noite chegava e
passava como uma eternidade. O sono me fazia pesar as pálpebras, mas, se as
fechasse momentaneamente, eu recebia um golpe. Minhas pernas doíam. Meu corpo
inteiro se rebelava; mas eu não podia mover um músculo sequer. Tudo se tornava
enevoado, e o próprio tempo parecia cessar. Entorpecido, repentinamente ouvi a
voz aguda e nova de meu primeiro interrogador, que gritava: “Então, Popov, você
continua aqui! Pois bem, estou descansado. Começaremos tudo de novo!” Então,
percebi que um dia inteiro se passara, e o primeiro de meus interrogadores
voltara à sua tarefa. A fome brotava em meu estômago. Antes eu já fora
sujeitado à fome, recebendo apenas migalhas de pão. Agora, porém, eu não tinha
nem mesmo migalhas. Quando eu recebera a ração, aquelas migalhas pareciam tão
pouco. Agora, não tendo nada, até as migalhas pareciam um banquete!
O quarto dia diante da parede
Hora após hora se passou. Os dias chegavam e terminavam. O
período da meia-noite até à manhã era o pior. Agora, fazia quatro dias em que
eu não dormia, não comia, nem me mexia. O interrogador me observava com
especial cuidado para apanhar-me quando a cabeça inclinava ou os olhos
fechavam. Os interrogadores se deleitavam especialmente quando me apanhavam
movendo um músculo ou piscando os olhos, como desculpa para me darem um golpe.
Além disso, usavam sapatos de feltro, de modo que eu não sabia dizer se estavam
bem atrás de mim ou do outro lado da sala. No quarto dia, a fome desapareceu, e
uma profunda sede tomou o seu lugar. O sangue começou a descer para as pernas,
que começaram a inchar. Meus lábios ficaram ressequidos, rachados e sangrentos.
Então, iniciou-se outro nível de punição. Os interrogadores começaram a comer
ruidosamente e a beber água perto mim, para aumentar minha sede. A tortura não
era somente física, mas também mental.
A sede profunda e intensa não se comparava a nada que eu já
houvesse experimentado ou ouvido antes. Era como uma bola de lava incandescente
queimando o estômago e rachando os lábios. Uma terrível febre consumia e
destroçava o meu corpo. Estabeleceu-se a desidratação, e a agonia tornou-se
quase insuportável. Até hoje, quando leio sobre um homem que morre de sede no
deserto, as intensas dores da sede atingem-me novamente e, onde quer que eu
esteja, preciso beber grandes goles de água. Outra pessoa sorvia água
prazerosamente a pouca distância de mim. Mas bastava um leve tremor em meus
lábios partidos e ressecados, para que eu fosse espancado sem qualquer aviso. A
sede assolava dentro de mim, como se fosse uma febre intensa. Até hoje não sei
explicar como pude permanecer de pé, durante todos aqueles dias e noites. Tinha
de ser Deus comigo, pois ninguém possui tal força dentro de si mesmo.
Lentamente, o interrogatório cessou e se transformou em um jogo de espera, em
que os interrogadores aguardavam meu colapso. Em minha condição febril, comecei
a ter alucinações. Pequenas manchas, na parede branca, à minha frente,
tornaram-se vivas. Eu via rostos de pessoas: de Rute, Paulo e Rode; e, depois,
dos guardas. Padrões girantes de cores vivas assemelhavam-se a um caleidoscópio
maluco diante de mim. Eu tinha certeza de que estava ficando louco.
O décimo dia
O colapso ainda não chegara. Perdi todo o senso do tempo. Um
dia se obscurecia em outro. Minhas pernas inchadas tornaram-se imensas,
entupidas de sangue, devido à completa imobilidade. Meus lábios abriram-se em
grandes rachaduras e sangravam. Minha barba estava longa, pois, desde que fora
aprisionado, não me fora permitido lavar-me ou barbear-me. Meus olhos eram
bolas de fogo. No entanto, de alguma maneira, eu continuava de pé. Na décima
noite, algum tempo depois da meia-noite, ouvi que meu interrogador roncava,
enquanto dormitava involuntariamente. Movimentei meu pescoço endurecido para a
direita e para a esquerda. À esquerda, a menos de dois metros, havia uma
janela. Visto que estava escuro do lado de fora, pude ver o reflexo na janela,
como num espelho. Recuei, horrorizado. Era o reflexo de um monstro! Vi uma
figura horrível, enfraquecida, pernas inchadas, olhos como buracos vazios na
cabeça, uma longa barba coberta de sangue, escorrido de lábios partidos,
sangrentos e horrendamente inchados. Era uma figura grotesca, horrorosa. Fui
repelido por ela. Subitamente, ocorreu-me: aquela figura horrenda, sangrenta e
grotesca, era eu mesmo! Eu era aquele “monstro”. Minha mente entorpecida
absorveu lentamente aquele fato, e lágrimas me vieram aos olhos.
Repentinamente, senti-me esmagado, tão sozinho, tão desamparado. Senti-me
próximo de como Cristo deve ter se sentido quando exclamou: “Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?” Eu não podia derramar lágrimas, mas o meu corpo
suspirava com lágrimas não derramadas. Então, naquele momento de desespero
completo e esmagador, ouvi uma voz tão clara e distinta como qualquer voz que
costumava ouvir. Dizia: “Nunca te deixarei, nem te abandonarei”. Foi uma voz
tão audível que olhei para meu interrogador, que cochilava, certo de que ele
também a ouvira; mas ele continuava dormindo. A presença de Deus encheu a Cela
de Punição e um calor divino me envolveu, infundindo forças à casca que era o
meu corpo. Isso produziu um efeito físico definido e surpreendente sobre mim.
Meu interrogador acordou num sobressalto. Chegou ao meu lado e pôde sentir que
algo tinha acontecido. Ele não sabia dizer o que era, mas estava tão cônscio da
diferença que correu para fora e voltou com outro oficial. Não podiam compreender.
Ouvi as vozes ansiosas e murmurantes dos interrogadores, por trás de mim,
procurando descobrir o que acontecera. Parecia que eu estava tão revigorado e
vivo, inspirado com força nova. Em minha vida, nunca me sentira tão próximo de
Deus como naquele momento. Ele se tornou tão próximo de mim; meu coração
anelava por vê-Lo. Senti a presença de Deus tão perto e era tão maravilhoso,
superior a qualquer outra sensação que já tive. Foi um prelúdio de como será
estar com Deus na eternidade; e eu não queria que acabasse.
Orei pedindo a morte. Anelava pela morte, que era uma porta
bendita mediante a qual eu veria a Cristo, a quem amava e servia há muito
tempo.
O décimo quarto dia
A presença de Deus enlevou-me por longo tempo, mas, no
décimo quarto dia, a fome, a sede e o ardor intenso em meus olhos tornaram-se
excessivos. Era claro que eu estava morrendo. Eu me sentia desligado de tudo.
Então, é assim que se morre, eu pensei. A qualquer minuto verei a Cristo. O
guarda percebeu que alguma coisa estava acontecendo e saiu correndo, tendo
voltado com um médico. O médico olhou para mim e disse ao oficial: “Este homem
está morrendo!” Suas vozes pareciam vir de longe. Evidentemente, não estavam
preparados para deixar-me morrer, porque senti que estavam me levando para algum
lugar. O que deve ter sido uma hora depois, voltei à consciência, em minha
cela. A julgar pelo olhar de horror, estampado na face de Tsonny, penso que
minha aparência era horrível. Eu não podia mover-me. Minhas pernas estavam
inchadas como as de um elefante. Meus lábios estavam rachados e sangravam. Meus
olhos eram profundos buracos negros na cabeça, e as pupilas estavam vermelhas
como o fogo. Durante uma semana não pude focalizar os olhos nem usá-los
adequadamente. Quando a consciência retornou lentamente, Tsonny me disse em que
data estávamos. Eu não podia acreditar. Eu estivera de pé, sem alimentos e sem
água por catorze dias! Não posso explicar como aquilo fora possível. Mais
tarde, naquele mesmo dia, trouxeram-me alimentos e água e me permitiram descansar.
Em meio a muita dor, meu colega de cela ajudou-me a levantar minhas imensas
pernas inchadas, amparando-as contra a parede, para que o sangue diminuísse a
pressão. Caí em profundo sono e pensei que o pior já tinha passado. Mas não
tinha. Na noite seguinte, depois da meia-noite, fui chamado outra vez ao andar
térreo, para ser interrogado, dessa vez por um oficial de nome Eleas. Havia
quatro ou cinco homens esperando por mim, na sala. Quando entrei, fui recebido
com zombaria, escárnio e humilhações. Então, começaram a esmurrar-me. Rodei
pelo cômodo e caí; fui levantado do chão e esmurrado novamente. É óbvio que
eles tinham resolvido adicionar mais torturas físicas à tortura mental. Durante
todas essas coisas, permaneci em silêncio. Embora eu tivesse adquirido um pouco
de forças, com o descanso, ainda estava muito fraco, e o menor empurrão me
fazia cair. Não me batiam severamente, pois isso me teria feito cair
inconsciente. Finalmente, Eleas carregou sua pistola, segurou-me pelo colarinho
e foi me puxando para o corredor. Eu sangrava profusamente no nariz. O ambiente
estava escuro como carvão. Ele foi me empurrando à sua frente até ao fim do
corredor, onde havia uma pequena luz que brilhava. Eleas mantinha a sua pistola
pressionada contra as minhas costas em todo o tempo. Quando chegamos na luz,
ele gritou: “Pare! Fique de frente para a parede!” Fiquei na posição habitual,
observando respingos de sangue e perfurações do impacto das balas no reboco da
parede. É óbvio que o escuro fundo daquele corredor subterrâneo era o lugar
onde muitos tinham encontrado a morte. Eleas apagou a luz. Estava frio e muito
escuro. A morte pairava pesadamente na atmosfera opressiva. Eleas pressionou a
pistola na parte de trás de meu pescoço. “Popov”, ele disse, “já toleramos bastante
a sua teimosia. Esta é a sua última noite. Você terá de morrer devido à sua
obstinação por ser recusar a confessar sua espionagem. Estou lhe dando a última
oportunidade. Enquanto eu conto até cinco, você poderá pensar de novo e
confessar que é um espião. Se você for sensato, viverá, mas, se não, atirarei
ao contar cinco”. Eu estava certo de que ele atiraria em mim, pois milhares
haviam sido mortos a tiros na “Casa Branca” da DS, antes de mim. Eu sabia que
aquela gente cumpria suas ameaças. O pensamento da morte como uma ponte para a
eternidade relampejou em minha mente. Eu veria a Jesus! Eu estava certo de que
aquele tormento infernal logo acabaria. Era como se a eternidade já estivesse
começando para mim e restasse apenas a formalidade da morte. Mentalmente, eu
estava preparado e já me achava “com Cristo”. Agora esperava somente que o tiro
ecoasse, e eu seria levado ao céu, nas asas dos anjos — para Jesus, meu
Salvador. Havia um imenso anseio no coração por aquele magnificente momento em
que eu veria a Jesus. Quão atraente tudo aquilo era para mim. Toda aquela
tortura terminada. Ver a Jesus! Estar com Cristo! Muitas pessoas não gostam de
pensar sobre a morte. Temem e tremem diante dessa palavra, porquanto encaram a
morte como uma figura terrivelmente negra. Por que as pessoas temem a morte?
Primeiramente, porque não crêem em Deus. Para aqueles que ainda não aceitaram a
Jesus Cristo como seu Salvador, a morte é a mais terrível das experiências. As
pessoas temem a morte porque não têm certeza de sua salvação. Seu pecado as
torna cônscias de que terão de prestar contas após a morte. No entanto, para
aquele que crê em Jesus e está certo de sua fé e de sua salvação, por meio do
sangue purificador de Cristo, não existe morte. Não cremos na morte porque ela não
existe para aqueles que estão em Cristo Jesus. Em João 11.26, Jesus disse a
Marta, irmã do falecido Lázaro: “Todo o que vive e crê em mim não morrerá,
eternamente”. Em seguida, dirigiu a Marta uma notável pergunta: “Crês isto?” Se
existe uma certeza neste mundo incerto, esta certeza é a Palavra de Deus.
Passarão os céus e a terra, mas a Palavra de Deus nunca passará. Até aquele
momento eu não imaginava como seria a morte; contudo, para mim a morte não era
um espectro obscuro, e sim um anjo que viria libertar-me. Para mim a morte não
parece escura e repugnante. Pelo contrário, é cheia de luz e alegria, visto que
Apocalipse 14.13 nos diz: “Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem
no Senhor”. E Salmos 116.15 nos diz: “Preciosa é aos olhos do SENHOR a morte
dos seus santos”. Verdadeiramente, para aqueles que são salvos, a morte não
somente é um portal para os céus, mas também um arco de triunfo pelo qual
marchamos com alegria triunfante e um cântico glorioso. Eleas começou a contar
vagarosamente, fazendo uma longa pausa entre cada número, para dar-me chance de
gaguejar a minha confissão. “Um...” — uma longa pausa; “dois...” — outra longa
pausa; “três...” Ele contava muito demoradamente, pressionando, em todo o
tempo, a pistola em minha cabeça, para que eu pudesse senti-la. Ele acreditava
que a morte me assustaria. Mas Eleas não podia ver o que acontecia dentro de
mim! Não sabia que eu estava aguardando o momento em que eu veria o meu Mestre,
a quem eu amava mais do que qualquer outra coisa, a quem eu servia e a respeito
de quem eu havia pregado. Quando Eleas continuou com um longo e arrastado
q-u-a-t-r-o, algo quase inacreditável aconteceu. O Espírito Santo desceu sobre
mim em maior medida do que antes. Aconteceu comigo o mesmo que aconteceu com
Gideão, relatado em Juízes 6.34: “Então, o Espírito do SENHOR revestiu a
Gideão”. E tornei-me tão corajoso quanto Gideão, e tão forte como Sansão. Não
me considero um homem corajoso, mas o Deus de Gideão é o meu Deus; Ele estava
comigo naquele escuro corredor. Eleas fez uma pausa, depois de haver contado
até “quatro”, mas fez uma pausa longa demais para mim. Ouvi uma voz que vinha
de dentro de mim — sem temor, forte, exigente. Gritava: “Não espere, não
espere. Atire, direto na cabeça”. Eleas deu um salto para trás, tomado de
pânico e terror. Ele nunca esperara aquilo, nem eu o tinha esperado! Ele não
conseguia entender (nem eu) de onde me viera aquela força! Eu estava tão fraco
e debilitado que dificilmente podia andar. Eleas, porém, ficou ainda mais
surpreso do que eu. Eu me preparei para receber o tiro mas, em vez disso,
recebi uma pancada seca contra a parte de trás do crânio. Naquele momento
fugaz, antes que a inconsciência tomasse conta de mim, percebi que Eleas apenas
tentara me enganar, para arrancar uma confissão, e não quisera realmente
matar-me. Uma dor de desapontamento — tão real quanto a dor física — brotou em
meu coração, uma dor muito maior do que a dor que rachava a minha cabeça.
Fiquei profundamente, profundamente desapontado. Estava pronto para enfrentar a
morte, porém ainda me encontrava nesta vida... tão pronto para encontrar-me com
Cristo, mas ainda estava com Eleas. Por que a morte me fora negada? Antes de a
inconsciência toldar-me os sentidos, clamei no profundo de meu coração: “Deus,
fui fiel até à morte, mas ela não veio”. Fui levado de volta à cela, onde me
jogaram, inconsciente. Quando acordei, Tsonny havia me empurrado contra a
parede e estava enxugando o sangue que escorria atrás de minha cabeça. Ter
estado tão perto de Deus e despertar em uma cela da DS! Isso foi um
desapontamento esmagador. Mas consegui balbuciar uma oração: “Senhor, não seja
feita a minha vontade, e sim a tua”. Caí em profundo e demorado sono. Mais
tarde, a porta da cela foi aberta e um novo prisioneiro ali colocado. Sentou-se
em um canto da cela, como se estivesse envergonhado, e não disse uma palavra
sequer. Gradualmente, tornou-se mais conversador. Disse que seu nome era
Nickolai Gantchef, que servira por muitos anos na guarda do palácio real de
nosso anterior rei Boris e que fora detido sob a acusação de ser monarquista e
haver tomado parte em conspirações. Tsonny suspeitou dele, mas eu, em minha
credulidade, e ainda sofrendo dos espancamentos, acreditei em todas as
declarações de Nickolai como verdadeiras. Mais tarde, fiquei sabendo que aquele
homem fora colocado em nossa cela para espionar Tsonny e a mim. Pouco tempo
depois, Tsonny foi retirado da cela. Um ano mais tarde, encontrei-o novamente
em outra prisão. Ele me contou que Nickolai fora aos líderes e disse que Tsonny
lhe parecia esperto e desconfiara dele. Por isso, os líderes deveriam tirar
Tsonny da cela, a fim de que ele, Nickolai, continuasse seu trabalho de tentar
quebrantar-me. Nickolai e eu ficamos sozinhos na cela. Ele conseguiu muitas
informações a meu respeito, informações que, em minha inocência, lhe dei. Mais
tarde, fiquei sabendo que colegas da prisão eram obrigados a espionar seus
companheiros de celas, por meio de ameaças de dano a seus familiares. Depois,
percebi que a aparência desanimada de Nickolai, quando o vi pela primeira vez,
era de vergonha. Mas a Polícia Secreta aprendia rapidamente quais eram os
pontos mais vulneráveis de um prisioneiro — seus filhos, sua esposa, por
exemplo; e usava essa arma sem misericórdia. O trabalho de Nickolai consistia
em descobrir o meu ponto vulnerável. Não tardou em descobri-lo. Naturalmente,
era minha esposa e meus filhos. Eu me sentia extremamente preocupado a respeito
deles. Rute estava sozinha, com dois bebês para alimentar e cuidar, e, eu
estava incapacitado de ajudá-la.
No entanto, até aqueles informantes que conheci na prisão e
que ocasionalmente me causaram tanto castigo, eu procurava amar e compreender,
ao invés de odiar. Eles também eram vítimas, tal como eu. Era comovente o fato
de que os prisioneiros tentavam freqüentemente falar com dureza sobre sua
esposa e seus filhos, para que a Polícia Secreta imaginasse que não se
importavam com os familiares, deixando-os, assim, em paz e sem danos. Muitas
vezes, ouvi homens amaldiçoando sua esposa e seus filhos, como quem não se
importava com eles; em seguida, tais homens, se voltavam, ocultavam o rosto
entre as mãos e choravam em soluços. Os informantes não se encontravam somente
onde campanhas sistemáticas eram planejadas (como aquela que fizeram contra
mim). Estavam em todos os lugares: prisões, acampamentos, casas, empresas e
igrejas. A fim de melhorar sua situação nas prisões e aliviar os próprios
sofrimentos, muitos prisioneiros se ofereciam para tornarem-se informantes. Os
comunistas não dormem tranqüilos, enquanto não sabem a respeito de todos: o que
as pessoas pensam sobre eles ou o que dizem sobre eles. Conseqüentemente, em
toda a Bulgária, dificilmente existia uma cela, um quarteirão, uma empresa ou
uma igreja sem um informante que denunciasse tudo o que era dito. Isto é tão
ruim hoje como o foi naqueles dias.