As paredes da prisão falam
Fui conduzido ao longo do corredor até à cela de número 21.
A chave volumosa rangeu na fechadura e fui empurrado para dentro. E, mais uma
vez, fui afastado do mundo exterior. Na cela havia um jovem, chamado Tsonny que
me disse estar ali por três meses, sem nunca lhe haverem dado o motivo para seu
encarceramento. Em um canto da cela, havia um balde que, pelos seis meses
seguintes, seria nossa privada. Esses baldes eram uma característica
padronizada da vida na prisão. Eram esvaziados apenas raramente e, às vezes,
transbordavam. Por muitas vezes, levavam a tampa, e o mau cheiro era
insuportável. Havia somente o cimento frio do chão para dormirmos; e as paredes
eram de pedra encardida. Elas estavam repletas de lemas, orações, slogans e
citações, rabiscadas na superfície, com algum objeto duro, por ocupantes
anteriores. As paredes eram quase um diário ou crônica de condenados. Em certos
lugares, as paredes pareciam ter sido pintadas de vermelho escuro; mas, sob um
exame minucioso, percebi que aquele vermelho não era tinta. Era o sangue de
inúmeros percevejos que, enquanto se arrastavam pelas paredes, tinham sido
mortos por outros prisioneiros. As “paredes vermelhas” de outras celas também
se tornariam uma visão comum, nos anos seguintes. Naquela primeira noite na DS,
matei quinhentos e trinta e nove percevejos, muitos dos quais tinham sugado o
meu sangue. Para desviar nossos pensamentos da situação, Tsonny e eu os
contamos (Nunca mais tentamos isso!). Nas paredes, podíamos ler as aflições e
anseios dos prisioneiros anteriores. Eu quase podia descrever a personalidade,
os pesadelos, as esperanças e os sonhos deles refletidos naquelas escritas
tristes. Uma das escritas dizia: “Quando você entrar aqui, creia em Deus e ore
a Santa Teresa”; evidentemente, isso havia sido gravado por um católico romano.
Uma elegia de Pushkin estava escrita em russo, em todo o comprimento da parede.
Continha três versos, os quais memorizei. Por cima da porta, alguém rabiscara
um antigo provérbio latino: “Dum spiro spero”, que significa: “Enquanto eu
respirar, esperarei”. Senti que conhecia os ocupantes anteriores daquela cela,
devido aos rabiscos na parede. Quantas narrativas de bravura humana, desespero
e sonhos despedaçados pude ver nas paredes daquela cela e de incontáveis
outras, durante treze anos! Criei a prática de escrever versículos da Bíblia e
palavras de consolo nas paredes de cada cela que ocupasse, na esperança de que
tais palavras proporcionariam consolo e ajuda aos próximos ocupantes. As
paredes das celas não foram somente o “papel” no qual eu rabisquei versos
bíblicos, mas também foram, mais tarde, “tábua de ressonância” do “Telégrafo da
Prisão”, pelo qual eu enviava mensagens da Palavra de Deus aos homens de celas
adjacentes. Quão admirável e justo, pensava eu, era que as paredes erguidas
para aprisionar homens se tornassem “papel” para a Palavra de Deus e “fio” para
o Telégrafo da Prisão, a fim de transmitirem as boasnovas. Mas, visto que
aquela era a primeira vez em que passava por tal provação e que a primeira
semana fora tão chocante, foi-me difícil preservar a coragem. Todos os
prisioneiros garantem que os primeiros meses são sempre os piores. Eu pensava
comigo mesmo: “Se o homem que rabiscou na parede as palavras ‘Enquanto eu respirar,
esperarei’ pôde manter viva a sua esperança, certamente eu, que sou crente,
poderei colocar toda a minha vida nas mãos de Deus”. Preguei um sermão para mim
mesmo e me senti melhor. Embora não soubesse o que aconteceria naquele dia,
senti segurança, serenidade e paz em meu coração. Assim como o apóstolo Paulo,
eu resolvera que ficaria “contente em toda e qualquer situação”. Passei
exatamente cinco meses na cela 21, de 1o de agosto a 31 de dezembro. A cela 21,
na “Casa Branca” da DS, tornou-se uma “câmara de tortura” para mim. Cada vez
que penso naquela cela, um frio me perpassa a espinha. Em 2 Coríntios 12.4, o
apóstolo Paulo falou sobre “palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem
referir”. Contudo, eu gostaria de falar sobre o indescritível sofrimento que é
difícil de ser expresso em linguagem humana ou na forma escrita. Visto que eu
me sentia exausto por ficar de pé cada noite, por uma semana, deitei-me sobre o
assoalho frio e me estiquei. Repentinamente, havia um estalido fortíssimo, como
se um tiro de rifle automático tivesse sido dado no corredor. “Que foi isso?”,
perguntei a Tsonny. Ele sorriu e explicou que o ruído era feito
intencionalmente pelos guardas, a fim de assustar os prisioneiros e impedi-los
de dormir. O ruído era feito com um golpe forte de uma barra de ferro, dado nas
portas das celas; isso produzia ruídos como de um tiro de rifle. Naquela noite,
foi repetido a cada dez minutos; e por todas as noites, durante cinco meses.
Era quase impossível dormir, e esse era, exatamente, o resultado tencionado. Na
manhã de 2 de agosto, fui levado de minha cela a um confortável escritório, no
andar térreo. Para minha surpresa, encontrei ali um jovem que eu conhecia bem.
Seu nome era Veltcho Tchankov. Meu coração saltou de alegria quando vi aquele
jovem! Eu o conhecia desde que ele era menino. Também sabia que ele era um
comunista. Quando os comunistas chegaram à Bulgária, nos calcanhares do
Exército Vermelho, em 1944, Veltcho se unira imediatamente a eles. Nos três
anos seguintes, ele se tornara o chefe da Polícia Secreta de Burgas. Apesar das
diferenças de nossa maneira de viver, há muito parecia que tínhamos uma espécie
de respeito mútuo. Portanto, alegrei-me por vê-lo novamente e pensei que aquele
seria o primeiro raio de esperança, desde meu aprisionamento. Mas, como ele
havia mudado! Um mês depois, fiquei sabendo que Veltcho, meu “velho amigo”,
fora o organizador de toda a campanha contra os pastores evangélicos! Eu vi o
que o poder é capaz de fazer com um homem.
Quando os comunistas estão fora do poder, freqüentemente se
mostram cordiais, cooperadores e brandos. Mas, se chegarem ao poder, veremos o
que eles realmente são! Aqueles que “brincam” com o comunismo devem lembrar-se
da história de Veltcho, o “gentil” comunista que obteve poder. Os partidos
comunistas quando estão fora do poder parecem propositalmente “razoáveis” e
gentis; mas, logo que chegam ao poder, revelam a sua verdadeira natureza. As
prisões estavam repletas de pessoas que pensavam que os comunistas eram somente
outro partido político. Muitas das pessoas que diziam serem os comunistas
“apenas outro partido político”, e que os toleravam, foram executadas quando
eles tomaram o poder. Os países ocidentais que toleram partidos comunistas
devem tomar cuidado! Aqueles “pequenos” partidos talvez pareçam brandos agora,
mas, se conquistarem o poder, esses países verão a verdadeira natureza dos
comunistas, assim como aconteceu conosco! Eu disse: “Veltcho, é ótimo vê-lo
novamente”. Ele me olhou com hostilidade e disse: “Conhecemo-nos um ao outro,
Popov, e eu lhe aviso que, se quiser ver novamente sua esposa, terá de fazer
exatamente o que eu lhe disser”. “Mas, o que fiz eu, Veltcho?” Ele replicou,
gritando: “Nunca me chame de Veltcho, novamente. Sou o Camarada Tchankov, e
você é o prisioneiro Popov. Nunca esqueça isso!” Ele prosseguiu: “Você precisa
reprovar os seus crimes. Se confessar isso, será muito mais fácil para você. O
Governo do Povo é muito clemente, e perdoaremos todos os seus crimes. Sabemos
que você é uma pessoa boa, mas terá de conformar-se a nós e à nova sociedade
que estamos erigindo”. Eu ouvi estas palavras — “terá de conformar-se a nós”,
durante treze anos. Em seguida, uma torrente de palavras fluiu dos lábios de
Veltcho. “Repito: você precisa conformar-se a nós e confessar os seus crimes!”,
gritou ele. “Se você se recusar a obedecer-me, estará fazendo o pior erro de
sua vida; e só terá de lamentar-se. Aprenderá que não estamos brincando e não
permitiremos que você se transforme em um mártir religioso. Você gostaria
disso, não é mesmo, Popov? Pois bem, não vamos lhe dar essa chance. Se
fizéssemos de você um mártir religioso, isso fortaleceria os cristãos. Não
permitiremos que isso aconteça. Você pensa que somos estúpidos? Vamos
caluniá-lo e difamá-lo até os cristãos mencionarem o seu nome com desgosto”.
Fiquei espantado ante as palavras de Veltcho. Seu plano era diabolicamente
astuto e ele falava como um homem insuflado pelo maligno. Eu repliquei: “O povo
da Bulgária me conhece. Eles saberão a verdadeira razão”. Veltcho apenas riu.
Mais tarde percebi que eu estava lutando contra especialistas em fazerem o
preto parecer branco, e a verdade parecer mentira. Os nazistas eram cruéis, mas
os comunistas são cruéis e diabolicamente astutos. Na prática, esta é a
verdadeira diferença entre os nazistas e os comunistas. As ameaças de Veltcho
se cumpriram mais tarde, com precisão matemática, ponto por ponto. Veltcho
ordenou-me que voltasse à cela. Retornei em completo desespero. Contei a Tsonny
a conversa que tivera com Veltcho. Ele me aconselhou a nunca confessar qualquer
coisa que eu não tivesse feito. O conselho era bom, mas impossível de ser
seguido nos meses que se passariam. Sentei-me, quase atordoado. Eu pensara que
os comunistas eram apenas homens mal orientados. Mas aquele encontro com
Veltcho me abalou profundamente. Percebi que estava combatendo a astúcia e a
maldade do próprio Satanás. Pela primeira vez, a enormidade do que eu
enfrentava e a astúcia daqueles homens diabolicamente inspirados me atingiram