Um ateu empedernido encontra a Cristo
Nasci e passei a juventude na pequena, bela aldeia de Krasno
Gradiste, na Bulgária. Em nossa família, havia quatro filhos, três irmãos e uma
irmã. Todos nascemos em uma antiga casa de fazenda construída em estilo turco,
que consistia de um quarto e uma cozinha. O teto era tão baixo que meu pai
tinha de encurvar-se para não bater a cabeça nos caibros do telhado. A casa
tinha um assoalho de terra, que minha mãe pintara com uma mistura de esterco,
barro e água. Não cheirava bem, mas era um tipo de desinfetante, e o esterco
impedia que o chão rachasse. Todos dormíamos no único quarto, no chão coberto
de tapetes feitos de canas trançadas. Em um dos lados da cozinha, havia uma
lareira grande e enegrecida, sobre a qual permaneciam uma série de panelas de
barro, rachadas e cobertas de fuligem. O feijão que minha mãe cozinhava para
nós, naqueles dias, era tão bom como a dieta diária de qualquer outro dos
habitantes da aldeia. Mamãe costumava dizer: “Se alguém quiser um bom feijão,
terá de cozinhá-lo em água boa”. Portanto, nós, as crianças, íamos até ao rio,
algumas centenas de metros distante de casa, buscar água para o feijão. Então,
o feijão era cozinhado nas panelas de barro, o que lhes dava um sabor todo
especial. Tenho muitas recordações agradáveis de meus anos de infância. Os dias
se passavam rapidamente: alguns repletos de risos; outros, de disputas,
travessuras de crianças e aventuras. Havia dias de pobreza, trabalho árduo e
tristeza em nosso lar, mas nenhuma dessas coisas fez com que nosso amor mútuo
diminuísse. De fato, serviram para nos achegarmos mais uns aos outros. Não
tínhamos um grande sítio, por isso, os filhos eram enviados a trabalhar em
fazendas. As coisas se tornaram especialmente difíceis para nós durante os anos
de guerra, entre 1914 e 1918. Papai foi convocado ao serviço militar, e o ano
seguinte quase nos levou à inanição. No inverno de 1917/1918, quando eu tinha
dez anos de idade, fui enviado a trabalhar para o homem mais rico de nossa
aldeia, “Vovô” Kolyo. Eu não recebia salário, mas, em troca de alimentos,
conduzia os bois, enquanto “Vovô”, que tinha oitenta e sete anos, mas parecia e
agia como se fosse mais novo, arava os seus campos. No verão, fui cuidar de
ovelhas, na propriedade de meu tio, que ficava perto de nossa casa. A guerra
terminou e meu pai voltou para casa, o que me permitiu continuar os estudos.
Embora fôssemos pobres, meus pais conseguiram matricular-me em uma pequena
escola em uma aldeia vizinha. Meus pais sentiam-se orgulhosos de minha
capacidade de ler e faziam tudo quanto podiam para que eu continuasse
estudando. Comecei a freqüentar as aulas vestido com roupas remendadas, feitas
de tecidos preparados em casa, e usava sapatos do tipo mocassim, feitos de
couro cru de porco, com os pelos voltados para fora. Era um espetáculo! Quando
cheguei às aulas mais adiantadas, eu me sentia envergonhado por não ter o
uniforme e os sapatos bons que os alunos deveriam usar. Como resultado passei a
evitar a companhia de outros meninos e me retraia. Adquiri meu primeiro par de
sapatos apropriados quando tinha dezessete anos de idade. Quando os calcei,
minha auto-estima cresceu muito (talvez até demais!) e comecei a procurar
amigos entre os meus colegas de escola. Cresci tanto egoísta como ateu. Esta é uma
péssima combinação! Quando terminei o curso na escola da aldeia, fui para Ruse,
uma cidade grande às margens do rio Danúbio, em busca de trabalho. Em Ruse, eu
conhecia somente uma pessoa, um ex-vizinho chamado Christo, que se mudara para
a cidade alguns anos antes. Christo tinha um emprego na área de saneamento e
morava no local de trabalho, em um quartinho com menos de dois metros
quadrados. Embora fosse tão pequeno, e a maior parte do espaço fosse ocupada
por uma cama, ele concordou em dividi-lo comigo. Assim, nos tornamos bons
amigos. Isso aconteceu em novembro de 1925. Naquela época, houve um grande
surto de desemprego na Bulgária; e eu não podia encontrar trabalho permanente.
Fazia serviços ocasionais e vivia, na maior parte do tempo, do salário de meu
amigo Christo. Uma noite, ele me convidou para ir a uma igreja batista, embora
soubesse que eu era ateu convicto. Por causa de minha amizade com ele, não pude
negar-lhe o convite. Aquela foi a primeira vez que entrei em uma igreja
protestante. Eu conhecia somente a Igreja Ortodoxa e pensava que todas as
igrejas eram semelhantes; por isso, fiquei surpreso ao descobrir que o interior
da igreja batista era diferente da Igreja Ortodoxa. De fato, tudo era
diferente! O culto era realizado em búlgaro, e não na antiga língua eslava, que
os padres habitualmente empregavam e que pouquíssimos compreendiam. Em vez dos
cânticos monótonos da missa ortodoxa, ouvi belos hinos, cantados nas melodias
de Bach, Mendelssohn, Beethoven e outros grandes compositores. Ali, a congregação
inteira participava; nas igrejas ortodoxas, somente os padres e o coro
cantavam. Cheguei a ver hinários! Christo já havia aprendido os cânticos e os
entoava, enquanto eu seguia as letras das músicas no hinário. As belas letras,
escritas para louvar a Deus, causaram profunda impressão em meu espírito. Nunca
esperava ouvir um pastor educado e inteligente pregar tão gloriosamente sobre a
sua fé em Deus, e em uma língua que eu entendia. Em nossa vizinhança, não havia
uma só pessoa inteligente que ousasse reconhecer que cria em Deus. Em minha
opinião, a “religião” era para os velhos e os que tinham a mente fraca. Depois
da reunião, conversamos com duas senhoras idosas que eram conhecidas na cidade
como pessoas de boa educação. Elas falaram conosco sobre Deus, procurando
provar que Ele existe; mas, a despeito de tudo quanto vira e ouvira na igreja,
e de tudo quanto as senhoras tinham dito, meu intelecto orgulhoso se recusava a
reconhecer a existência de Deus.
No entanto, pela primeira vez, comecei a me perguntar se eu
estava certo. Naquela noite, começou uma luta espiritual em meu íntimo, uma
luta que durou por muitos dias. A questão era: Deus existe mesmo? Na Igreja
Ortodoxa Grega daquele tempo, os sacerdotes não precisavam ter qualquer
educação e somente pessoas idosas freqüentavam as missas. Você nunca via uma
pessoa educada que acreditava em Deus. Pelo menos era assim que os ateus
gostavam de pensar. Nós, que tínhamos alguma instrução, desprezávamos aqueles
homens e mulheres “simples” que afirmavam ter uma “religião” ou crer em Deus.
Agora eu ouvia pessoas educadas e cultas testemunhando abertamente que Deus
existe! Essas pessoas contavam o que Jesus significava para elas e o que Ele
fizera por elas. Isso me impressionou mais do que todos os sermões, e até hoje
creio fortemente na eficácia de “testemunhas vivas” para levar os homens a
Cristo. Falei com Christo sobre o meu conflito, e ele disse que me apresentaria
a um homem que poderia me ajudar. Pouco tempo depois, Christo convidou um homem
a nos visitar. Seu nome era Petroff. Ele leu trechos da Bíblia. Não era um
pregador eloqüente, mas cada palavra que dizia provava que Deus existia.
Testemunhou sobre como experimentava a presença pessoal de Deus. Quando dizia o
que Jesus significava para ele, seu rosto brilhava com o amor de Deus.
Tornou-se óbvio para mim, naquele momento, que Deus existe. Eu via a Deus
naquele piedoso homem. O testemunho de Petroff convenceu-me da existência de
Deus, e comecei a buscar sincera e intensamente a Deus. Descobri que eu não estava
buscando a Deus tanto quanto Ele estava me buscando. Recebi a maravilhosa
experiência de salvação em Jesus Cristo, que transformou minha vida. Petroff
tornou-se meu pai espiritual. Pouco tempo depois fui morar com Petroff, a fim
de estar mais próximo de suas instruções bíblicas. E, com ajuda dele, consegui
um emprego na estrada de ferro do governo. O trabalho era pesado, mas a
felicidade de minha recém-encontrada salvação em Jesus Cristo me fazia flutuar
de alegria e paz. Sentia-me imensamente feliz em Cristo!
A mão de Deus sobre um homem
Todas as noites, Petroff e eu líamos a Bíblia, conversando
sobre a Palavra de Deus, durante horas. Com o passar do tempo, outros se uniram
a nós, até formar-se um bom “rebanho” de crentes. Gradualmente, nossa pequena
congregação foi tomando a forma de uma igreja, e, sob o ministério
profundamente espiritual de Petroff, fomos grandemente abençoados por Deus. No
mês de fevereiro de 1929, Petroff declarou: “Haralan, Deus tem a sua mão sobre
você. Ele o quer em sua obra”. Eu também havia sentido a mão de Deus sobre mim,
guiando-me naquela direção. Amava profundamente meu recém-achado Senhor e orava
todas as noites, prometendo-Lhe: “Deus, minha vida inteira Lhe pertence. Estou
pronto para consagrar-Lhe tudo quanto tenho”. Nos anos seguintes, essa promessa
foi sujeitada a testes severos, mas nunca me arrependi de havê-la feito. Servir
ao Senhor é maravilhoso, mas sofrer por Ele é um privilégio ainda maior. A fim
de preparar-me para o serviço de Cristo, freqüentei institutos bíblicos em
Danzig e na Inglaterra, onde conheci uma jovem estudante da Bíblia, vinda da
Suécia. Seu nome era Rute. Tal como sua homônima das Escrituras, ela era
profundamente dedicada ao Senhor. Rute me disse: “Haralan, para onde você for,
eu irei também”. Portanto, voltei à Bulgária não somente com o conhecimento da
Palavra de Deus, mas também com uma esposa. Os anos seguintes foram uma dádiva
divina. Houve grande tempo de colheita espiritual na Bulgária, e, em poucos
anos, eu estava pastoreando a maior igreja evangélica do país. Ao mesmo tempo,
evangelizava em muitos lugares. A mão de Deus mostrou-se abundante sobre todos
nós, e a Palavra de Deus cresceu poderosamente na Bulgária. Por mais de
dezesseis anos, pastoreei minha igreja e “me duplicava” como evangelista nas
aldeias e vilas da região montanhosa, onde a Palavra de Deus ainda não se
estabelecera firmemente. Então, chegaram os anos da guerra e as coisas
tornaram-se dificílimas, mas isso foi apenas uma pequena amostra da grande
tribulação que nos esperava. Em 1944, uma negra ameaça se estendeu por todo o
nosso país, trazida pelo exército russo: a ameaça do comunismo. Pouco a pouco,
os comunistas conquistaram o poder, enquanto nosso país estava prostrado aos
pés do Exército Vermelho. A princípio, o Partido Comunista mostrou-se bastante
cooperador com os outros partidos políticos, formando até um governo de
coalizão. Mas, em três anos, os outros partidos foram proscritos, os seus
líderes, aprisionados, e o Partido Comunista obteve controle total. A Bulgária
transformou-se na “Pequena Rússia” Nós tínhamos ouvido falar de nossos irmãos
em Cristo na Rússia e de como sofriam, mas não fazíamos idéia de que a Bulgária
se tornaria tão parecida com a Rússia que seria chamada — e ainda é — de
“Pequena Rússia”. Preparamo-nos para enfrentar o pior, mas, estranhamente, o
golpe que esperávamos não veio. De fato, estabeleceu-se um período
“crepuscular” de liberdade religiosa. O fato não era que os comunistas
estivessem a favor da liberdade religiosa; eles simplesmente estavam muito
ocupados, consolidando seu poder político e firmando tudo em suas mãos, antes
de se voltarem para “cuidar” de nós, conforme afirmavam. Portanto, em vez do
golpe que esperávamos, recebemos subitamente um grande dom de Deus: três anos —
de 1944 a 1947 — durante os quais Deus restringiu as mãos dos comunistas,
permitindo-nos trabalhar. E como trabalhamos! Noite e dia, mês após mês,
evangelizamos, propagamos o evangelho e edificamos a fé dos crentes, antes que
a noite escura do comunismo caísse sobre nós. Tal como havíamos sido
advertidos, sabíamos que os comunistas logo viriam “cuidar” de nós. Labutamos
ardentemente, com o senso de que o tempo estava se esgotando; e Deus honrou
nossos labores com um grande período de colheita em toda a Bulgária. Realizei
vários batismos em massa, no Mar Negro, para os muitos jovens que tinham
encontrado a Cristo. Sem dúvida alguma, nosso trabalho árduo por Cristo,
durante aqueles três anos “anteriores à tempestade”, fez com que nos
escolhessem para receber o tratamento “especial” que nos sobreviria nas prisões
comunistas. A própria intensidade do nosso trabalho, durante a “calmaria antes
da tempestade”, nos tornou homens marcados. Não tínhamos muito tempo. Logo que
os comunistas consolidassem seu poder, sabíamos que chegaria a nossa hora.
Antes “Espiões” do que “Mártires Cristãos”
O primeiro sinal de que chegara a nossa hora foi uma
campanha para caluniar os principais pastores evangélicos do país. Todavia,
apesar dessa campanha, o avivamento se propagou, e novas igrejas se formaram.
Por isso, o governo elaborou um procedimento mais sutil. Gradualmente, os
pastores das igrejas foram tirados e substituídos por pessoas que seriam
“instrumentos dóceis” nas mãos dos comunistas, os quais concentraram seus
esforços na colocação de seus fantoches nos púlpitos. Pastores dedicados logo
perderam seu lugar e conseguiam apenas trabalhos servis, tais como o de
varredores de ruas. Quando os pastores-fantoches foram colocados em muitos
púlpitos, os comunistas escolheram o próximo alvo: os principais líderes da
igreja búlgara, das denominações batista, metodista, congregacional e
evangélicas em geral. Eu era um deles. Iniciou-se uma maliciosa campanha de
difamação. Éramos acusados de ser “espiões”. Era melhor sermos chamados de
“espiões” do que “mártires cristãos”. Éramos descritos como “instrumentos do
imperialismo”. A princípio, quando ouvi isso, sorri, perguntando a Rute: “Bem,
o que você acha de estar casada com um ‘instrumento do imperialismo’?” “Então,
é isso que você é!”, ela respondeu, sorrindo. A verdade nada significava para
aqueles que estavam resolvidos a destruir a Igreja Cristã. Nós, os quinze
líderes das denominações evangélicas da Bulgária, fomos citados publicamente.
Obviamente, não éramos culpados das acusações lançadas contra nós, mas uma
campanha difamatória foi iniciada para distorcer tudo quanto tínhamos dito e
feito, a fim de nos denegrirem. Foi divulgado, por meio dos jornais e outros
meios de comunicação, que tínhamos revelado segredos de nosso país para os
ingleses e os americanos. Deste modo, iniciou-se a campanha que nos conduziria
à prisão e à tortura. Durante os treze anos e dois meses seguintes que passei
na prisão, perguntei-me freqüentemente por que razão Deus nos permitiu tal
coisa. O longo período de exame próprio ajudou-me a compreender melhor o ensino
bíblico que diz que precisamos passar por sofrimento antes de entrarmos no
reino de Deus. Paulo e Barnabé ensinaram aos discípulos da Ásia Menor: “Através
de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14.22). O
apóstolo Pedro diz a mesma coisa: “Nisso exultais, embora, no presente, por
breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações, para que,
uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível,
mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus
Cristo” (1 Pedro 1.6-7). A primeira reação natural do homem, quando contempla o
sofrimento, é pensar que ele é intenso demais para ser suportado. Procuramos
evitá-lo; mais tarde, porém, descobrimos que o sofrimento se torna de grande
valor, e é mais precioso do que o ouro. O sofrimento foi um fogo pelo qual
nossas igrejas tiveram de passar, a fim de que toda a palha e todo o restolho
fossem queimados, deixando o ouro puro a resplandecer mais fulgurantemente do
que nunca. Nesse processo, a “estrutura” da igreja seria destruída ou
subvertida, mas permaneceria uma igreja verdadeira, viva, o Corpo de Cristo, a
Igreja Subterrânea. Tudo isso estava à nossa espera. Esses foram os
acontecimentos que me tiraram da posição de ateu fervoroso para a atual posição
de pastor que estava enfrentando a tortura por causa de Cristo, na temida “Casa
Branca”.