quarta-feira, 28 de abril de 2021

Torturado por sua fé - Capítulo 02



Começam as noites intermináveis

Às oito horas da noite, abriu-se a porta da cela. Um jovem me ordenou que o acompanhasse. Ele me levou para baixo, ao segundo pavimento, a um escritório belamente mobiliado, onde me apresentou a outro jovem. Disseram-me que deveria chamá-lo de “Sr. Inspetor”. Permaneci em frente ao “Sr. Inspetor”, que lançou sua primeira pergunta: “Sabe qual é a diferença entre a milícia e a polícia?” Pensei que a pergunta fosse uma piada e respondi: “Não, não sei. Nunca me interessei por essas questões policiais”. Minha resposta o irritou, e ele gritou: “Não tente brincar comigo, prisioneiro Popov. Fique de pé, olhando para a parede e não se mova!” Isto parece uma punição insignificante, mas posso assegurar que é algo muito extenuante e doloroso para o corpo inteiro, especialmente para o cóccix. O “Sr. Inspetor” continuou a fazer-me a mesma pergunta, das oito horas da noite até à meia-noite, estando eu rigidamente de pé. A cada cinco ou dez minutos a pergunta era repetida: “Você sabe a diferença entre a milícia e a polícia?” Procurei explicar que não sabia. Quando percebi que não estava chegando a lugar nenhum, parei de responder. Ele gritou: “Nós lhe ensinaremos uma lição! Levante os braços e não mova um músculo!” Finalmente, perto da meia-noite, o “Sr. Inspetor” disse: “Vou lhe dizer a diferença entre a milícia e a polícia. A polícia é empregada para resguardar os interesses dos capitalistas ricos, e a milícia cuida dos interesses do povo trabalhador e honesto”. Então foi-me permitido baixar os braços. Acabara de aprender uma dura “lição” em semântica comunista. Meus braços pesavam como troncos. Então, ele me fez outra pergunta. “Diga exatamente por que está aqui”. Respondi que naquela manhã, três homens tinham ido à minha casa, e me haviam trazido para ali. Estivera em uma cela o dia inteiro, e ninguém me dissera coisa alguma. Porém, ele replicou: “Não, você sabe por que está aqui”. “Mas não tenho certeza”, respondi, embora tivesse uma boa idéia do motivo. Depois de haver repetido a pergunta por uma hora. O “inspetor” disse: “Agora eu vou embora. Fique aqui de pé até pela manhã, quando chegarei cedo para ouvir sua resposta; então, veremos se você ainda se mostrará esperto”. Ele me deixou aos cuidados de um jovem chamado Jordan, que me retirara da cela. Jordan passou a noite sentado em uma cadeira, atrás de mim, enquanto eu permaneci em pé, olhando para a parede. Eu não sabia que não passaria apenas uma noite “em frente da parede” mas que seria forçado, posteriormente, a fazer isso por duas semanas! As últimas horas da noite, entre as três da madrugada e as sete da manhã, foram as mais difíceis. Após ter permanecido com o rosto voltado para a parede a noite inteira, sem um momento de sono, aquelas horas me pareceram longas como a eternidade. Finalmente, raiou a manhã, e Jordan levou-me de volta à cela. O armênio quis dar-me alguma coisa para comer, mas preferi esticar-me no beliche de tábuas e descansar. Estava tão cansado, que só queria dormir; mas percevejos em profusão, que haviam no leito, além de vários bichinhos rastejantes, me mantinham acordado. Antes de dar-me conta, meu corpo estava coberto por aquelas criaturas; era impossível dormir. Tive de levantar-me e caminhar para lá e para cá. Mais tarde, ouvi comentários de que as celas eram propositalmente infestadas de insetos, piolhos e vermes, para agravar as condições dos prisioneiros. Nunca descobri se isso era verdade, mas suspeito que assim fosse. Havia exércitos de insetos.
Agora era domingo, 25 de julho; pela primeira vez, em muitos anos, não passei um domingo com a igreja. Ajoelhei-me em minha cela, e meus pensamentos se voltaram para meus irmãos e irmãs em Cristo, que estariam no culto, naquele momento. Orei em favor de meus filhos e esposa, a quem eu deixara sem dinheiro e alimentos. Como eu gostaria de estar com eles! Pedi ao Senhor que cuidasse deles no futuro, independente do que este lhes reservasse. Eu sabia que a Grande Perseguição tivera início, por amor a Cristo. Através da história da Igreja, isso já acontecera muitas vezes. E, de todo o coração, pedi a Deus que me desse forças para equiparar-me aos discípulos e mártires da Igreja Primitiva. Por certo, eu não poderia fazê-lo com minhas próprias forças. Um grilo cantou em algum lugar, entre as tábuas apodrecidas da cela; a minha alma abatida sentiu-se enlevada, e minha fé em Deus, renovada. Os interrogatórios que duravam toda a noite continuaram por uma semana. O método era sempre o mesmo. Logo que escurecia, eu era levado para baixo e tinha de ficar em pé a exatamente vinte centímetros da parede. Ali, das sete horas da noite até cerca das oito da manhã, eu era interrogado, não me sendo permitido fechar os olhos. Se meus olhos se mostrassem sonolentos, Jordan pularia, gritando: “Pare! Pare! Isso não é permitido!” Durante o dia, eu tinha de combater os insetos, que eram abundantes, então, não podia descansar. A ninguém era servido qualquer alimento, na prisão. Todavia, a minha esposa conseguiu descobrir onde eu estava e me enviava alimentos de casa. Eu queria desesperadamente ver meus familiares, saber como estavam, mas isso não era permitido. Em uma noite de sábado, ninguém veio levar-me para baixo. Contudo, por volta da meia-noite, ouvi o som de uma chave na fechadura, e uma voz desconhecida gritou: “Popov, saia daí! Você foi transferido”. Despedi-me do armênio. Havíamos nos tornado amigos prontamente, e descobri, no ano seguinte, que amizades íntimas e verdadeiras se desenvolvem entre prisioneiros que compartilham dos mesmos sofrimentos. A polícia me levou para fora, onde um carro policial, comumente apelidado de “Corvo Negro”, estava à espera, com dois soldados em seu interior. Seguimos pela rua principal de Sofia; e, em apenas alguns minutos, chegamos a um grande edifício branco. Era o quartel-general da “DS” — a temida Polícia Secreta.