Começam as
noites intermináveis
Às oito
horas da noite, abriu-se a porta da cela. Um jovem me ordenou que o
acompanhasse. Ele me levou para baixo, ao segundo pavimento, a um escritório
belamente mobiliado, onde me apresentou a outro jovem. Disseram-me que deveria
chamá-lo de “Sr. Inspetor”. Permaneci em frente ao “Sr. Inspetor”, que lançou
sua primeira pergunta: “Sabe qual é a diferença entre a milícia e a polícia?”
Pensei que a pergunta fosse uma piada e respondi: “Não, não sei. Nunca me
interessei por essas questões policiais”. Minha resposta o irritou, e ele
gritou: “Não tente brincar comigo, prisioneiro Popov. Fique de pé, olhando para
a parede e não se mova!” Isto parece uma punição insignificante, mas posso
assegurar que é algo muito extenuante e doloroso para o corpo inteiro, especialmente
para o cóccix. O “Sr. Inspetor” continuou a fazer-me a mesma pergunta, das oito
horas da noite até à meia-noite, estando eu rigidamente de pé. A cada cinco ou
dez minutos a pergunta era repetida: “Você sabe a diferença entre a milícia e a
polícia?” Procurei explicar que não sabia. Quando percebi que não estava
chegando a lugar nenhum, parei de responder. Ele gritou: “Nós lhe ensinaremos
uma lição! Levante os braços e não mova um músculo!” Finalmente, perto da
meia-noite, o “Sr. Inspetor” disse: “Vou lhe dizer a diferença entre a milícia
e a polícia. A polícia é empregada para resguardar os interesses dos
capitalistas ricos, e a milícia cuida dos interesses do povo trabalhador e
honesto”. Então foi-me permitido baixar os braços. Acabara de aprender uma dura
“lição” em semântica comunista. Meus braços pesavam como troncos. Então, ele me
fez outra pergunta. “Diga exatamente por que está aqui”. Respondi que naquela
manhã, três homens tinham ido à minha casa, e me haviam trazido para ali.
Estivera em uma cela o dia inteiro, e ninguém me dissera coisa alguma. Porém,
ele replicou: “Não, você sabe por que está aqui”. “Mas não tenho certeza”,
respondi, embora tivesse uma boa idéia do motivo. Depois de haver repetido a
pergunta por uma hora. O “inspetor” disse: “Agora eu vou embora. Fique aqui de
pé até pela manhã, quando chegarei cedo para ouvir sua resposta; então, veremos
se você ainda se mostrará esperto”. Ele me deixou aos cuidados de um jovem
chamado Jordan, que me retirara da cela. Jordan passou a noite sentado em uma
cadeira, atrás de mim, enquanto eu permaneci em pé, olhando para a parede. Eu
não sabia que não passaria apenas uma noite “em frente da parede” mas que seria
forçado, posteriormente, a fazer isso por duas semanas! As últimas horas da
noite, entre as três da madrugada e as sete da manhã, foram as mais difíceis.
Após ter permanecido com o rosto voltado para a parede a noite inteira, sem um
momento de sono, aquelas horas me pareceram longas como a eternidade.
Finalmente, raiou a manhã, e Jordan levou-me de volta à cela. O armênio quis
dar-me alguma coisa para comer, mas preferi esticar-me no beliche de tábuas e
descansar. Estava tão cansado, que só queria dormir; mas percevejos em
profusão, que haviam no leito, além de vários bichinhos rastejantes, me
mantinham acordado. Antes de dar-me conta, meu corpo estava coberto por aquelas
criaturas; era impossível dormir. Tive de levantar-me e caminhar para lá e para
cá. Mais tarde, ouvi comentários de que as celas eram propositalmente
infestadas de insetos, piolhos e vermes, para agravar as condições dos
prisioneiros. Nunca descobri se isso era verdade, mas suspeito que assim fosse.
Havia exércitos de insetos.
Agora era
domingo, 25 de julho; pela primeira vez, em muitos anos, não passei um domingo
com a igreja. Ajoelhei-me em minha cela, e meus pensamentos se voltaram para
meus irmãos e irmãs em Cristo, que estariam no culto, naquele momento. Orei em
favor de meus filhos e esposa, a quem eu deixara sem dinheiro e alimentos. Como
eu gostaria de estar com eles! Pedi ao Senhor que cuidasse deles no futuro,
independente do que este lhes reservasse. Eu sabia que a Grande Perseguição
tivera início, por amor a Cristo. Através da história da Igreja, isso já
acontecera muitas vezes. E, de todo o coração, pedi a Deus que me desse forças
para equiparar-me aos discípulos e mártires da Igreja Primitiva. Por certo, eu
não poderia fazê-lo com minhas próprias forças. Um grilo cantou em algum lugar,
entre as tábuas apodrecidas da cela; a minha alma abatida sentiu-se enlevada, e
minha fé em Deus, renovada. Os interrogatórios que duravam toda a noite
continuaram por uma semana. O método era sempre o mesmo. Logo que escurecia, eu
era levado para baixo e tinha de ficar em pé a exatamente vinte centímetros da
parede. Ali, das sete horas da noite até cerca das oito da manhã, eu era
interrogado, não me sendo permitido fechar os olhos. Se meus olhos se
mostrassem sonolentos, Jordan pularia, gritando: “Pare! Pare! Isso não é
permitido!” Durante o dia, eu tinha de combater os insetos, que eram
abundantes, então, não podia descansar. A ninguém era servido qualquer
alimento, na prisão. Todavia, a minha esposa conseguiu descobrir onde eu estava
e me enviava alimentos de casa. Eu queria desesperadamente ver meus familiares,
saber como estavam, mas isso não era permitido. Em uma noite de sábado, ninguém
veio levar-me para baixo. Contudo, por volta da meia-noite, ouvi o som de uma
chave na fechadura, e uma voz desconhecida gritou: “Popov, saia daí! Você foi
transferido”. Despedi-me do armênio. Havíamos nos tornado amigos prontamente, e
descobri, no ano seguinte, que amizades íntimas e verdadeiras se desenvolvem
entre prisioneiros que compartilham dos mesmos sofrimentos. A polícia me levou
para fora, onde um carro policial, comumente apelidado de “Corvo Negro”, estava
à espera, com dois soldados em seu interior. Seguimos pela rua principal de
Sofia; e, em apenas alguns minutos, chegamos a um grande edifício branco. Era o
quartel-general da “DS” — a temida Polícia Secreta.