Durante
treze anos e dois meses, retido em prisões comunistas, fui sustentado por duas
certezas. A primeira: eu sabia que a minha vida estava realmente nas mãos de
Deus e não nas mãos de meus carcereiros comunistas. A segunda: eu queria
sobreviver para dar meu testemunho e contar o que presenciei. O propósito deste
livro não é mostrar a depravação dos homens — o que experimentei dia e noite
durante mais de treze anos, e sim mostrar o irresistível amor de Deus. Se temos
de salientar algo neste livro, que seja a verdade avassaladora do amor de Deus
em meio à bestialidade humana. Na prisão, aprendi a lição do amor, como nunca
havia aprendido. Embora eu já tivesse pregado sobre o amor de Deus em muitos
púlpitos, percebi o amor dEle com um novo aspecto, no intenso desespero de
celas subterrâneas e na fisionomia de incontáveis companheiros de prisão.
Destituído de todas as coisas materiais e todas as distrações, encontrei em
Deus uma realidade maior do que já conhecera. A verdade com freqüência brilha
mais intensamente onde as circunstâncias são mais obscuras. Não faço ataques
políticos neste livro, pois vejo o comunismo não apenas como uma força
política, mas também como “sintoma” de uma enfermidade espiritual muito mais
profunda. É a “religião” do ateísmo militante. A incapacidade de destruir a fé
em Deus é o “calcanhar de Aquiles” do comunismo. Os comunistas temem
desesperadamente a fé em Deus. Nunca estas palavras de Paulo se mostraram tão
verdadeiras: “Nossa luta não é contra o sangue e a carne”. Mas tenho outra
razão para haver escrito este livro. Hoje há muitos rumores falsos, no
estrangeiro, de que o comunismo está “se abrandando” para com o cristianismo e
que as práticas do passado, apesar de serem más, acabaram. Fiquei chocado ao
ver como essa ilusão dos comunistas é amplamente aceita. Este é um boato
totalmente falso. Na verdade, por trás da Cortina de Ferro, o cristianismo está
sendo atacado com maior severidade, do que fora antes. Muitos continuam
morrendo nas prisões. Em vez de tentar destruir a Igreja atacando-a
externamente, na Rússia e em outros países, o comunismo está subvertendo-a e
controlando-a internamente. Em vez de dar fim à Igreja com um único ataque
brutal, o comunismo atualmente procura estrangular a Igreja lentamente. O
ataque, em nossos dias, tanto é mais sutil como é mais perigoso. Nos países
comunistas, o cristianismo não é livre e franco, como alguns proclamam. Mas
também não pode ser destruído. Está vivo e crescente, mesmo sob perseguição,
como sucedeu à Igreja Primitiva. De fato, uma Igreja Subterrânea está viva no
mundo comunista. Suas similaridades com a Igreja Primitiva são extraordinárias.
Para apresentar o meu testemunho e a história da Igreja Subterrânea, escrevo
este livro. Dedico-o aos milhares de irmãos em Cristo que morreram encarcerados,
muitos deles ao meu lado. Também o dedico ao corpo de Cristo que, em nossos
dias, é torturado no mundo comunista.
Seqüestrado
de meu lar
Às quatro
horas da madrugada, no dia 24 de julho de 1948, a campainha começou a tocar
insistentemente. Levantei-me sonolento, vesti o roupão e fui atender.
Achavam-se ali três estranhos; dois estavam com vestes civis, e o outro, com
roupas militares. “Viemos para revistar sua casa”, disse o líder, trajando
vestes comuns, ao mesmo tempo em que passava por mim, impetuosamente, em
direção ao interior da casa silenciosa. Minha esposa, Rute, ouviu o barulho e
veio unir-se a mim, na sala, onde, perplexos, observávamos os três homens
vasculharem a casa inteira. Enquanto vasculhavam, pensei: finalmente, chegou a
hora. Procuraram por toda parte — entre os livros, nas camas, nas estantes, nos
armários, nas gavetas — durante três horas. Não deixaram de ver coisa alguma!
Quando o sol começou a brilhar, cerca de sete horas da manhã, voltaram-se para
mim e ordenaram-me que os acompanhasse. Eu teria de ir com eles, apenas para
“um ligeiro interrogatório”, conforme explicaram. Eu não tinha a menor idéia de
que o “ligeiro interrogatório” se prolongaria por intermináveis treze anos de
tortura e encarceramento. Quando me empurravam pela porta de saída, mal
vestido, Rode, minha filhinha, acordou e veio correndo para a sala. Com a
rápida percepção de uma criança, ela entendeu que seu pai estava sendo levado
embora. Rompeu em lágrimas e começou a chorar, copiosamente — soluçante, ela tremia.
“Estão levando o papai. Estão levando o papai”, repetia ela. A cena
simplesmente era demais para mim, e lágrimas afloraram de meus olhos, quando
abracei Rode. Por muitas vezes, assegurei-lhe que voltaria logo, embora, no
íntimo, eu soubesse ser aquele o golpe que estivera aguardando. O coração de
Rode estava desolado e, apesar de todas as minhas promessas, ela não se
consolava. Acho que, de algum modo, ela sabia — à maneira peculiar de uma
criança — que não veria seu pai novamente. Durante tudo aquilo, meu filhinho
Paulo dormia, e não tive oportunidade de dizer-lhe “adeus”. Mais tarde, Rute me
disse que, após termos partido, ela se ajoelhou e, chorando, suplicou a Deus
que eu fosse devolvido antes do cair da noite. Após duas ou três horas, ela foi
visitada pela esposa do pastor Manoloff, que lhe contou que seu marido também
havia sido levado. Caminhando para a delegacia, entre os três homens, por volta
das sete horas da manhã, eu mantinha a cabeça erguida. Enquanto o “desfile” de
quatro homens descia a rua, pude sentir os olhos de meus amigos, vizinhos e
membros da igreja fixos em mim. Eu sabia que, desde a minha conversão, servira
exclusivamente a Deus e que estava nas mãos dEle. Do fundo do coração, clamei a
Deus, pedindo-Lhe sua graça para suportar tudo quanto estivesse à minha espera.
Na delegacia, fui revistado da cabeça aos pés e trancado em uma cela. Ali, já
havia outro homem, um armênio. A cela era imunda, repleta de papéis e lixo. Em
um canto, estava um pote de barro, velho e rachado, que nos servia de
“banheiro”. Transbordava e exalava um mau cheiro horrível. Passei o dia andando
para frente e para trás, das oito da manhã às oito da noite, profundamente
preocupado com Rute, Rode e Paulo.