sábado, 24 de abril de 2021

Louvor que liberta - Capítulo 02


 CAPÍTULO 02

LIBERTO! Minha avó era uma velhinha muito amável e eu gostava muito de meu avô, mas uma visita a eles era algo desagradável que eu procurava evitar tanto quanto possível. Vovó sempre achava um jeito de falar sobre Deus. "Tudo está bem", eu dizia. "Não se preocupe comigo." Mas ela insistia: "Você precisa entregar sua vida a Cristo, Merlin." Na verdade, esse assunto me incomodava mais do que eu queria admitir. Não desejava ofender vovó, mas não tinha tempo para perder com religião. Mal tinha começado a viver! Num domingo à noite, pouco depois que regressei da Alemanha, fui visitar meus avós. Logo percebi que cometera um erro. Eles estavam-se preparando para ir à Igreja. "Venha conosco, Merlin", disse vovó. "Há tanto tempo que não vemos você; gostaria que você viesse conosco." Remexi na cadeira. Como poderia sair dessa sem ser indelicado? "Gostaria de ir", disse afinal, mas uns amigos já me pediram para vir me apanhar aqui." Vovó ficou meio desapontada, e logo que pule fui ao telefone e comecei a telefonar a todo mundo que eu conhecia. Para minha decepção não achei ninguém que estivesse livre aquela noite e que pudesse ir me apanhar. A hora do culto se aproximava e eu não podia simplesmente dizer aos meus avós: "Não quero ir." Quando chegou a hora, não tive outro jeito. Fui com eles. O culto era numa espécie de celeiro, mas todos pareciam estar muito alegres. Coitados, pensei, não conhecem nada da vida do mundo lá fora, ou então não desperdiçariam a noite aqui nesse celeiro. Começaram a cantar e eu peguei um hinário para seguir a letra. Queria pelo menos dar a impressão de que me ajustava ao ambiente. De repente, ouvi uma voz falando bem no meu ouvido. "O quê? O que você disse?" Virei para trás mas não vi ninguém atrás de mim.

Outra vez aquela voz: "Hoje você tem que fazer sua decisão por mim; se não fizer, será muito tarde." Balancei a cabeça e disse automaticamente: "Por quê?" "Porque será." Será que eu estava perdendo o juízo? Mas a voz era real. Era Deus falando e ele me conhecia. Como num clarão súbito, eu entendi. Por que não percebera isso antes? Deus existia; ele era a solução de tudo. Nele estava tudo que eu estivera procurando. "Sim, Senhor." Ouvi-me murmurar. "Eu o farei; farei o que tu quiseres." O culto prosseguia normalmente, mas eu me encontrava em outro mundo. Podia ser loucura, mas agora eu conhecia a Deus. Ao meu lado, vovô estava imerso em seus pensamentos. Mais tarde ele me contou que também estava batalhando com Deus. Há muitos anos que ele tinha o vício de fumar e de mascar fumo. Há quarenta anos fazia aquilo e já estava bem viciado. Muitas vezes tentou deixar, mas tinha sido acometido de violentas dores de cabeça e pouco depois voltava ao vício, e começava a fumar e a mascar mais que nunca. Naquele momento, estava sentado perto de mim tomando também uma decisão. "Senhor, se tu salvares o Merlin, eu desisto de fumar e mascar fumo, mesmo que isso me mate." Não era de admirar, pois, que vovô quase desmaiasse quando eu fui à frente para tornar pública a decisão que fizera durante o cântico do hino. Anos mais tarde eu estava junto ao seu leito de morte. Ele me olhou e sorriu. "Merlin", disse, "cumpri a minha promessa." Naquele domingo à noite, eu quase não agüentava esperar chegar em casa para ler a Bíblia. Queria conhecer a Deus e li, avidamente, páginas e mais páginas das Escrituras. Senti uma intensa vibração interior. Aquilo era muito melhor do que saltar de paraquedas. Aquele dia, Deus alcançou as profundezas do meu ser e me transformou em uma nova criatura. Parecia que eu estava de pé no umbral de um recinto cheio de aventuras emocionantes das quais eu não podia nem ter uma idéia. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó estava vivo; o Deus que separou as águas do mar Vermelho e falou do meio da sarça ardente e mandou seu Filho para morrer numa cruz era meu Pai também. De repente, compreendi algo que o meu pai terreno tinha tentado ensinar-me. Ele caíra de cama pela primeira vez em sua vida, quando tinha trinta e seis anos. Três dias depois seu coração parou. O médico deu-lhe uma injeção e o coração voltou a bater. Meu pai abriu os olhos e disse: "Não vai ser necessário, doutor. Eu vou partir agora." Ergueu-se na cama e olhou ao redor com um brilho radiante no rosto. "Olha!" disse. "Eles estão aqui para me levar.", Com isso ele deitouse de novo e partiu. Meu pai conhecia a Jesus Cristo como seu amigo e Salvador pessoal. Ele estivera preparado para ir. Agora, eu também estava preparado, mas logo que pensei nisso, comecei a sentir um terrível desconforto, algo que me incomodava, bem lá no fundo da mente. "O que está errado? Mostra-me, Senhor." Gradualmente, as coisas foram clareando. O dinheiro! Todo aquele dinheiro! Não era meu; tinha que devolver. Tomada a decisão, suspirei de alívio. Quase não agüentava esperar para me desfazer do dinheiro. Era como se fosse uma doença dentro de mim, e eu sabia que aquele sentimento permaneceria enquanto o dinheiro estivesse comigo. Procurei o correio, mas ali me disseram que o problema não era de sua alçada já que eu não tinha roubado as ordens de pagamento. Eu poderia fazer com elas o que quisesse. Ainda me restava uma porção delas, as quais não havia revertido em dinheiro; assim, levei a maleta ao banheiro e joguei essas ordens de pagamento, de cem dólares cada, no vaso e dei a descarga. Cada vez que apertava o botão da descarga, sentia uma onda de alegria dentro de mim. Havia ainda o dinheiro que já havia recebido em troca de algumas ordens. Escrevi ao Departamento do Tesouro e contei-lhes como havia adquirido o dinheiro. Em resposta, perguntaram se eu tinha alguma evidência de como conseguira o dinheiro e as ordens de pagamento. Tarde demais! A evidência tinha sido destruída. Disse-lhes que não tinha prova alguma, só o dinheiro. Avisaram-me então que tudo que podiam fazer era aceitar o dinheiro e colocá-lo no Fundo de Consciência. Eu estava pobre de novo, mas teria dado alegremente tudo que possuía em troca da nova vida e da alegria que sentia. Restava mais uma sombra do passado para ser removida. Voltei a Pittsburg e apresentei-me ao promotor. Ainda restavam três anos de minha sentença e eu estaria em liberdade condicional durante esse tempo. Isto significava que eu tinha de me apresentar regularmente ao oficial de justiça e ficar sob sua supervisão.

O promotor me recebeu e pediu a um atendente para apanhar o meu processo, leu-o e ficou muito surpreso. "Sabe o que você recebeu?" Eu sabia que havia recebido a Cristo mas aquilo ainda não devia constar do registro. "Não, senhor." "Você recebeu o indulto presidencial; está assinado pelo Presidente Truman." "Indulto?" "Significa que seu processo está encerrado. É como se você nunca tivesse sido processado." Tive vontade de pular de alegria. "Por que recebi isto?" O promotor sorriu. "É por causa dos excelentes serviços que prestou na guerra." Explicou que eu estava livre para ir onde quisesse e fazer o que bem entendesse. "Se algum dia quiser se candidatar a um emprego público, pode perfeitamente." "Obrigado, Senhor Jesus." Eu me senti deslumbrado. Não somente meus pecados estavam lavados e o processo encerrado no calvário, mas Deus tinha me dado também um novo começo perante o governo dos Estados Unidos. Não que eu quisesse um emprego público, absolutamente. Mas o que iria fazer? Minha motivação para estudar direito fora um tanto suspeita. Parecia claro que Deus não me queria naquela profissão. Em breve, um pensamento começou a martelar-me a mente com persistência. Devia ser pastor. Eu, num púlpito? ! A idéia parecia absurda. "Tu me conheces, Senhor", argumentei. "Eu gosto de aventuras e até mesmo de perigo. Não seria um bom pregador." Parecia que os planos de Deus para mim já estavam preparados. Eu não conseguia dormir, e quanto mais pensava e orava, mais empolgante a idéia me parecia. Se Deus pudesse transformar um ex-detento, exparaquedista, ex-jogador de baralho e ex-cambista de mercado negro em pregador, isso, sem dúvida, seria uma aventura para o desconhecido, bem mais emocionante do que qualquer outra que eu experimentara antes. Fiquei ansioso para contar tudo a Sadie. Ela devia chegar a qualquer momento em Nova York, em um navio que traria da Europa todas as esposas de soldados. Eu não havia escrito a ela contando do meu encontro com Cristo — era uma coisa que eu preferia lhe dizer quando estivéssemos juntos novamente. O navio já estava ancorado quando cheguei. Por todos os lados havia rapazes abraçando suas esposas, e com o coração aos pulos, procurei os cabelos louros de Sadie no meio da multidão. Ali estava ela. De repente tudo parecia diferente. Com Deus, o casamento significaria mais do que quando decidíramos nos unir. Eu me admiro do modo como a mão de Deus esteve sobre mim o tempo todo — mesmo na escolha de minha esposa, antes de eu saber o bastante para pedir sua orientação. Foi bom tomar suas mãos nas minhas novamente; parecia que havia milhares de coisas para lhe dizer... no entanto, eu estava ansioso para lhe dar a melhor notícia — eu era um novo homem. Não era mais o rapaz descuidado, irrequieto e irresponsável com quem ela havia se casado. "Sadie", eu observava seu rosto, "aconteceu uma coisa maravilhosa. Eu encontrei a Jesus Cristo. Ele me transformou. Agora, sou um homem novo Tudo vai ser diferente agora." Ela me fitou com uma interrogação no olhar. "Eu me apaixonei por você do modo que você era, Merlin", disse vagarosamente. "Não quero que você mude." Foi como se um muro invisível se erguesse entre nós. Meu mundo ruíra. No entanto, eu mesmo não estivera, há algum tempo atrás, nas mesmas condições em que ela estava agora? "Jesus", orei silenciosamente, "opera no coração de minha esposa." Os meses que se seguiram foram difíceis. Sadie não gostou da idéia de ser esposa de um ministro do evangelho. Disse muitas vezes que acabaria regressando à Inglaterra se eu não desistisse daquela estúpida preocupação com religião. Não havia a mínima comunicação entre nós, mas eu levei avante os planos de continuar os estudos, e fiquei orando a Jesus Cristo, pedindo-lhe que entrasse na vida de Sadie no momento certo. Matriculei-me na Universidade Marion, no estado de Indiana, que é uma escola denominacional. Eu devo ter sido o aluno mais entusiasmado da escola. Sadie acompanhou-me àquele lugar, tolerando corajosamente toda a minha exuberância. Alguns meses mais tarde, durante as férias, fomos visitar minha mãe. Ela estava trabalhando na administração de uma casa de repouso para velhinhos, e uma amável senhora, viúva de um pastor metodista, simpatizou muito com Sadie.

Uma tarde, ao voltar para casa, encontrei Sadie na sala, em lágrimas. "Merlin", disse ela fungando, mas alegre, "agora compreendo o que quer dizer ser crente. Quero que sejamos um em Cristo." Juntos nos ajoelhamos ao lado do sofá. "Obrigado, Jesus", rimos e choramos de alegria. Terminadas as férias, retornamos a Marion, ambos ansiosos para completar o curso e servir a Deus em tempo integral. Para suplementar meu salário de ex-combatente, trabalhava seis horas por dia em uma fundição. Eu queria concluir o curso o mais depressa possível, e consegui permissão para estudar vinte e uma horas por semana, ao invés das dezessete, que era o máximo permitido num semestre. Eu trabalhava das duas da tarde às oito da noite; depois estudava até meia noite, dormia até às quatro, e depois estudava até às oito da manhã, quando então ia para a aula. Minha primeira chance de pregar foi na cadeia local, aos domingos. Eu me agarrava às barras de ferro e implorava àqueles homens que dessem sua vida a Cristo. Todo domingo havia alguns que se ajoelhavam, e que segurando-se nas barras pelo lado de dentro entravam, chorando, no caminho da fé em Cristo. Eu voltava para casa andando nas nuvens. Aos sábados, tínhamos a noite livre e combinamos reunir um grupo de estudantes para fazer culto ao ar-livre na escadaria do fórum, no centro de Marion. Para nossa alegria algumas pessoas vinham à frente, aceitando a Cristo. Depois da reunião, caminhávamos pelas ruas falando com qualquer um que parasse para nos ouvir, instando com eles que deixassem Cristo entrar em sua vida. Nunca trabalhara tanto, contudo parecia que o trabalho que fazíamos para Jesus nunca era muito. Ele tinha salvado a minha vida; o mínimo que eu pedia fazer para ele era dar-lhe todo o meu tempo. Completei em dois anos e meio o curso de quatro anos, e depois fui para o Seminário Asbury, em Wilmore, Kentucky. Deus nos deu quatro igrejas metodistas onde servimos quando eu era seminarista. Toda semana fazíamos um percurso de 350 km para trabalhai naquelas igrejas. Recebíamos cinco dólares por semana, de cada uma, e também tínhamos refeições esplêndidas nos fins de semana. Comprimindo todos os afazeres dentro de um horário apertado, consegui fazer, em dois anos, o curso de três anos do seminário.

Finalmente atingíramos o alvo. Agora eu era ministro do evangelho. Tinha-me esforçado tanto e por tanto tempo que agora não saberia parar. Mas estava feito. Para isso é que Deus me chamara. Fomos enviados a pastorear uma igreja metodista em Claypool, Indiana, nosso primeiro posto de tempo integral. Atirei-me ao trabalho com todo ardor que possuía, e gradualmente, as três igrejas da paróquia começaram a crescer. As ofertas aumentaram, a assistência cresceu e meu salário subiu. Jovens em número sempre crescente aceitavam a Cristo. O rebanho nos aceitou e amou, e tolerou os erros de seu jovem pastor. Apesar de tudo, sentia crescer em mim uma certa inquietude. Havia um vazio, sentia falta de alguma coisa; era quase como um fastio. Pouco a pouco, senti meu pensamento atraído para a capelania do exército. Eu conhecia bem o soldado, seus pensamentos e tentações. Será que Deus queria que eu fosse trabalhar entre militares? Orei: "Senhor, se tu queres que eu vá, irei; se tu queres que eu fique, ficarei." A cada dia sentia essa atração pelo exército tornar-se mais forte. Em 1953 apresentei-me como candidato a capelania do exército e fui aceito. Isso nunca poderia ter acontecido se eu não tivesse recebido o indulto presidencial. Naquela época, Deus já sabia de tudo. Após um curso de três meses na escola de capelães, fui enviado para Fort Campbell, em Kentucky, para servir junto ao corpo de paraquedistas. Na primeira oportunidade, subi a um avião e ouvi a velha ordem de comando: "Preparar... levantar... alinhar-se... SALTAR!" Senti o impacto do vento e o baque quando o paraquedas se abriu. Ainda a mesma sensação de ter sido atingido por um caminhão de dez toneladas. Eu estava de volta ao meu elemento.