sábado, 24 de abril de 2021

Foge Nick Foge - 06 - O inferno



Capítulo 6

O INFERNO

NAQUELE OUTONO, LUÍS, meu irmão que vi­via em Bronx, foi ao meu apartamento pedir-me pa­ra ir morar com ele. Ele lera nos jornais de Nova York que eu estivera envolvido com a polícia. “Nicky, você está correndo risco de vida. Está fa­zendo um jogo perigoso. Vai acabar sendo assassi­nado.” Disse que tinha conversado sobre mim com a esposa, e ambos desejavam que eu fosse para o apartamento deles. Minha resposta foi uma risada.
“Por que vocês querem que eu mude para lá?” perguntei. “Ninguém mais me quer, como vocês de­cidiram que me querem?”
“Está errado, Nicky”, respondeu Luís, “todos queremos você. Frank, Gene, todos nós queremos você. Mas é preciso que sossegue.”
“Escute”, disse eu, “ninguém me quer. Você é mesmo um tapeador. Nem você, nem Frank, nem Gene, nem papai, nem mamãe...”
“Espere aí”, interrompeu Luís, “papai e mamãe amam você.”
“Ah, é? Então por que foi que eles me manda­ram embora de casa? Como explica isso, esperta­lhão?”
“Eles mandaram você para cá porque não po­diam com a sua vida. Você é como um selvagem... como se estivesse fugindo de alguma coisa, o tem­po todo.”
“Você acha? Talvez eu estou mesmo fugindo de vocês, seus vagabundos. Escute, sabe quantas vezes na vida papai conversou comigo? Uma. Só uma vez na vida ele sentou e tivemos uma conversa. Contou-me então uma estória sobre um passarinho estúpi­do. Uma vez só! Nada mais. Rapaz, não vem me di­zer que ele me ama. Ele não tinha tempo para gas­tar com ninguém, a não ser consigo mesmo.”
Luís levantou-se e começou a andar pelo quarto.
“Nicky, será que você não pode ouvir a voz da razão?”
“Por que tenho de ir para sua casa? Você quer me mandar de novo para a escola, como Frank que­ria . Aqui eu me realizei. Tenho duzentos amigos que fazem o que eu mando, e setenta e cinco garotas que estão comigo sempre que eu peço. Eles me dão todo o dinheiro que preciso. Ajudam-me a pagar o aluguel. Até a polícia tem medo de mim. Por que eu haveria de ir para a sua casa, morar com você? A gang é a minha família. É só o que preciso.”
Luís ficou sentado à beira da cama, durante mui­to tempo, noite adentro, tentando me convencer que um dia tudo aquilo iria mudar. Disse que, se eu não fosse morto ou jogado no cárcere, um dia eu preci­saria arranjar um emprego e teria necessidade de instrução. Eu lhe disse que não pensasse mais no assunto. Tudo me corria bem, e eu não estava dis­posto a abandonar aquela posição cômoda.
Sozinho no quarto, na tarde seguinte, o medo, que tão bem conseguira dissimular, tomou conta de mim. Recostei na cama, e bebi vinho até ficar tão embriagado e tonto que não conseguia ficar senta­do. Aquela noite dormi de roupa, porém não estava preparado para a experiência que passei — pesade­los! pesadelos horríveis, de gelar o sangue! Sonhei com papai. Sonhei que ele estava acorrentado em uma caverna. Seus dentes eram como os de um lo­bo, e o seu corpo estava coberto por um pelo sarnento Ele estava latindo que dava dó, e eu queria aproximar me dele e afagá-lo, mas tinha medo de que me abocanhasse.
Vieram então os pássaros. A face de Luís ia e vinha à minha frente, pois se achava montado em um pássaro, que voava livremente pelo céu. Fui de­pois rodeado por milhões de pássaros que dilacera­vam minha carne e bicavam-me os olhos. Cada vez que eu conseguia livrar-me deles, via Luís voando como uma pequena mancha no céu, cavalgando um pássaro que voava para uma liberdade desconheci­da.
Levantei-me gritando: “Não tenho medo. Não tenho medo “ Mas quando caí no sono outra vez, vi papai acorrentado nas trevas, e os pássaros que se ajuntavam ao meu redor, para me atacar.
O efeito continuou. Por mais de dois anos eu tive medo de dormir. Cada vez que pegava no so­no, os sonhos horríveis voltavam. Lembrava-me de papai e desejava que ele viesse a Nova York, a fim de afastar aqueles demônios de mim. Eu estava pos­suído de um sentimento de culpa e de medo, e de noite ficava deitado na cama, lutando contra o so­no e repetindo indefinidamente: “Vai mal. Vai mal. Não tenho saída. Não tenho saída.” Só as ativida­des da quadrilha me impediam de enlouquecer com­pletamente .
Os Mau-Maus tinham-se tornado parte da mi­nha vida. Embora fôssemos suficientemente fortes para sobreviver sozinhos, ocasionalmente formáva­mos aliança com outra quadrilha. No inverno de 1955 os Hell Burners, de Williamsburg, procuraram-nos para formar aliança conosco.
A noite vinha perto e alguns de nós estávamos reunidos no parque infantil, perto do 67.° Distrito, para discutir uma “guerra” que teríamos contra os Bishops. Levantei os olhos e vi três rapazes saindo das trevas, encaminhando-se para nós. Imediata­mente colocamo-nos em guarda. Um dos Mau-Maus esgueirou-se pelas sombras e colocou-se por trás dos três que já estavam quase nos alcançando.
“Ei, o que é que estão querendo?” gritei.
“Estamos procurando Nicky, o líder dos Mau-Maus.” Um deles falou pelos outros.
“Bem, o que é que querem com o Nicky?” Eu sabia que podia ser um truque.
“Escute, cara, não queremos tapear ninguém. Estamos atrapalhados, e precisamos falar com o Nicky.”
Eu continuava desconfiado. “Que atrapalhação é essa?” perguntei.
“Meu nome é Willie Açougueiro”, disse o rapaz, suficientemente perto agora, para que eu pudesse vê-lo. “Sou o líder dos Hell Burners. Precisamos de ajuda.”
Eu agora estava certo de quem se tratava: “Que tipo de ajuda?”
“Vocês ouviram falar do que os Phantom Lords fizeram com o Ike?” apontou com a cabeça o rapaz à sua direita.
Eu tinha ouvido. Toda a história tinha sido pu­blicada nos jornais. Ike tinha quatorze anos, e mo­rava na Rua Keap. Estava brincando com dois me­ninos, quando uma turma de Phantom Lords os ata­cara. Os outros conseguiram fugir, mas Ike foi cer­cado e empurrado contra uma cerca. Quando ele tentou  reagir, foi  dominado  e  arrastado  para um porão, do outro lado da rua. Ali, de acordo com a reportagem dos jornais, amarraram-no com as mãos para a frente, e lhe deram socos e chutes até que perdeu os sentidos. Depois, derramaram fluido para isqueiro sobre as suas mãos, e puseram fogo. Ele cambaleou até a rua, onde caiu e foi encontrado por uma radiopatrulha que passava.
Dei uma rápida olhadela no rapaz que Willie Açougueiro apresentara como Ike. As mãos e os braços estavam cobertos de ataduras, e o seu rosto estava muito ferido.
“Vocês são os únicos que podem ajudar. Que­remos ser clubes irmãos. Todo mundo tem medo dos Mau-Maus, e nós precisamos da sua ajuda para brigar com Phantom Lords. Se não vingarmos Ike, somos covardes”, continuou Willie.
As outras quadrilhas conheciam a minha repu­tação e a reputação da gang dos Mau-Maus. Não era a primeira vez que alguém nos procurava, pedin­do ajuda. E nós gostávamos, pois isso nos dava uma desculpa para brigar.
“E se nós não ajudarmos?”
“Vamos perder o nosso território para os Phan­tom Lords. Ontem à noite eles já entraram lá e pu­seram fogo em nossa confeitaria.”
“Eles queimaram a sua confeitaria? Bem, ra­paz, eu vou queimá-los. Todos eles. Amanhã à noite eu estarei no território dos Hell Burners, e faremos planos para matar aqueles esnobes.”
No dia seguinte, saí do meu apartamento, logo que escureceu, e dirigi-me para Williamsburg. No caminho, convidei dez membros da minha quadri­lha. Ao entrarmos no território dos Hells, sentimos a tensão no ar. Eles estavam com medo e tinham su­bido aos telhados. De repente, fomos bombardeados com pedras e garrafas. Felizmente a pontaria deles era péssima, e nós nos enfiamos pela porta de um prédio de apartamentos, para escapar à avalanche de pedras e vidro que despencava do alto.
Disse aos outros rapazes que continuassem es­condidos, enquanto eu subia pelo prédio de aparta­mentos, até o último andar. Ali descobri uma esca­da que subia até o teto, com um alçapão dando para o telhado.
Levantando um pouco a tampa do alçapão, pu­de ver os rapazes na parte da frente do telhado, de­bruçados na beirada, olhando a rua, lá em baixo. Esgueirei-me silenciosamente pelo alçapão, e me es­condi atrás do tubo de ar.
Devagarinho, aproximei-me de dois deles, e dei-lhes um tapa no ombro. “Aiiiiii!” gritaram. Os dois quase caíram do telhado. Olharam para trás, com os olhos arregalados, mãos agarradas nervosamente ao parapeito, bocas abertas de medo.
“Q-q-q-quem é-é-é- vo-você?” gaguejaram.
“Ei, meu chapa, eu sou Nicky. Quem é você? Uma coruja, ou o quê?” Não pude deixar de rir.
“Q-q-quem é Nicky?” gaguejou um deles.
“Vamos, moleque, eu sou o líder dos Mau-Maus. Estamos aqui par.a ajudar, a menos que nos matem primeiro. Onde está o seu líder? Onde está Willie Açougueiro?”
Ele estava em outro telhado. Levaram-me até lá. Cerca de quinze Hell Burners aglomeraram-se ao nosso redor, e o resto dos Mau-Maus subiu e juntou-se a nós.
Willie nos contou como estavam tentando frus­trar a invasão dos Phantom Lords, mas como até en­tão não tinham conseguido nada. Naquela noite, tu­do estava quieto, mas nunca se sabia quando a qua­drilha surgiria nas ruas, para picá-los em pedaci­nhos. A polícia sabia que estava havendo uma guer­ra de quadrilhas, mas nada podia fazer para impe­di-la.
Willie tinha um revólver, mas pelo que pude compreender, nenhum dos outros rapazes tinha ar­ma de fogo.
Escutei o que tinham a dizer e depois comecei a traçar os planos para a batalha.  A turma ficou quieta enquanto eu falava.
“Vocês estão perdendo porque estão na defensi­va. Estão deixando que eles venham aqui, e assim têm de defender o seu próprio território. A manei­ra de vencer é ir atrás deles.”
Fiz uma pausa para causar efeito, e depois con­tinuei: “E nada de armas de fogo.”
“Nada de armas de fogo? Como é que se pode brigar sem revólver?” Houve um movimento entre eles.
“Vamos usar armas silenciosas.” Abri o paletó e tirei uma baioneta de uns sessenta centímetros, completa, com bainha. Tirei-a da bainha, brandindo-a no ar. Pude ouvir assobios baixos dos rapazes que nos rodeavam.
Eu ganhara seu respeito e aprovação. Agora ou­viam-me, ansiosos para ver como é que eu ia liderá-los.
Virei para Willie: “Quero cinco dos rapazes mais fortes. Nós vamos escolher cinco dos nossos. Amanhã à noite vamos entrar no território dos Phantom Lords, e conversar com os chefes. Eles não querem inimizade com os Mau-Maus. Digo que ago­ra somos clubes irmãos, e se eles não deixarem vo­cês em paz, terão de lutar também com a gente. Se não quiserem acordo, vamos botar fogo na confei­taria deles, só para eles ficarem sabendo que esta­mos falando sério. O que é que acham?”
“Sim, sim, meu chapa”, começou a gritar a gang. “Vamos tocar fogo naqueles bastardos. Vamos aca­bar com eles. Vamos mostrar a eles.”
Na tarde seguinte fui com cinco de nossos ra­pazes, e nos reunimos na confeitaria da Rua White, no território dos Hell Burners. A confeitaria fora fechada desde a briga das quadrilhas, alguns dias antes. Cinco dos Hells, inclusive Willie, nos encon­traram lá. Conversei com o gerente, e disse que sentíamos muito que  os  Phantom Lords  tivessem depredado a casa, e que iríamos providenciar para que aquilo jamais acontecesse de novo. Pedi-lhe en­tão para guardar a minha baioneta até que voltás­semos
Eram cerca de cinco da tarde, e uma chuva fina estava caindo no crepúsculo frio. Saímos dali e atravessamos a cidade, em direção à Rua Três, no território dos Phantom Lords. Havia cinco deles na confeitaria. Eles nos viram chegando, mas não pu­deram escapar porque tínhamos bloqueado a porta.
Todos entramos de mãos no bolso do paletó, como se portássemos revólveres. Dirigi-me aos ra­pazes que tinham ficado de pé, por trás da mesa. Perguntei praguejando: “Quedê o chefe?”
“Freddy é o nosso líder”, disse um rapaz de ex­pressão maldosa, que usava óculos escuros.
“Qual de vocês é Freddy?”
“Eu sou Freddy; que diacho são vocês?” per­guntou um rapaz de cerca de dezoito anos, de fei­ções abrutalhadas e cabelo negro e crespo, que deu um passo à frente.
Eu mantinha ainda a mão no bolso, e a gola da capa de chuva levantada atrás.
“Sou Nicky, Presidente dos Mau-Maus. Já ouviu falar de nós? Este é Willie Açougueiro, chefe dos Hell Burners. Agora nós somos clubes irmãos. Quere­mos acabar com a briga.”
“Tá certo, meu chapa”, disse Freddy. “Vamos bater um papo. “
Reunimo-nos a um canto para conversar, mas um dos Phantom Lords xingou Willie com um pala­vrão Antes que eu pudesse mover-me, Willie tirou a mão do bolso e abriu um punhal. Em vez de re­cuar, o rapaz estendeu o guarda-chuva na direção dele. A ponta de metal, afiada como uma agulha, rasgou a capa de chuva de Willie, esfolando-lhe o lado, perto das costelas. Imediatamente, um dos Hell Burners agarrou um pesado açucareiro, e ati­rou-o no rapaz que empunhava o guarda-chuva, atin­gindo-o no ombro e derrubando-o por terra.
“Ei calma!” gritou Freddy, mas ninguém lhe deu atenção. Os rapazes lançaram-se uns contra os outros. Freddy virou-se para mim: “Manda parar.”
“Ora, manda você. Foi sua turma que come­çou.”
Foi então que algo me atingiu na nuca. Ouvi um tinido de vidro quebrado, quando uma garrafa es­patifou-se contra um espelho por trás do balcão.
Lá fora, um carro da radiopatrulha parou no meio da rua, com um rangido de freios, luzes ver­melhas piscando. Dois policiais uniformizados sal­taram, deixando as portas do carro abertas, e cor­rendo para a confeitaria, com os cassetetes na mão.
Os outros rapazes também os viram. Como por um sinal, todos voamos para a porta e nos espalha­mos por entre os carros. Um guarda estava bem atrás de mim, mas eu virei uma grande lata de lixo no meio da calçada, retardando-o o suficiente para escapar por uma travessa.
O palco estava montado para um “quebra-pau” em grande escala.
Na noite seguinte, mais de cem Mau-Maus se reuniram na confeitaria, no território dos Hells. Wil­lie Açougueiro estava lá com mais de cinqüenta dos seus rapazes. Marchamos juntos pelo meio da rua, em direção à confeitaria na zona dos Phantom Lords.
Cortez, um dos Mau-Maus, tinha passado a se­mana toda “alto” com heroína, e naquela noite es­tava louco para brigar. Quando chegamos à confei­taria, ele empurrou a porta e agarrou um Phantom Lord que tentou escapar. Cortez tentou golpeá-lo com uma faca, mas errou, e empurrou-o para mim, que vinha atrás.
Eu estava rindo. Era aquela a proporção em que eu gostava de brigar — cerca de cento e cin­qüenta contra quinze. Com um pedaço de cano de chumbo que levava na mão bati no rapaz que cam­baleava. Ele gritou de dor quando o pesado cano o acertou no ombro. Enquanto ele caía na calçada, golpeei-o de novo, desta vez na nuca. Ele despencou pesadamente no concreto, e o sangue escorreu por um ferimento profundo.
“Vamos gente”, gritou alguém, “vamos queimar todo o território.” Os rapazes espalharam-se. Alguns entraram na confeitaria e outros arremeteram con­tra um salão de bilhar que ficava ao lado. Eu fui levado pela onda, e vi-me na confeitaria. Ainda es­tava com o cano na mão, e ia batendo em tudo que encontrava. As janelas já tinham sido quebradas, e pude ver o gerente encolhido debaixo do balcão, pro­curando proteger-se. O pessoal estava como louco, quebrando tudo. Alguém fez tombar a vitrola, e eu me vi sobre ela, arrebentando-a com o cano. Outros tinham entrado atrás do balcão, e estavam arran­cando as prateleiras da parede, e quebrando garra­fas e pratos. Alguém “limpou” a caixa registradora, e então dois rapazes atiraram-na através da vidraça quebrada.
Corri para a rua, com o rosto coberto de san­gue, ferido por um estilhaço de vidro. Corria para baixo e para cima, quebrando os pára-brisas dos carros com o cano.
Cerca de cinqüenta rapazes estavam dentro do salão de bilhar. Tinham virado todas as mesas de bilhar de pernas para o ar, e quebrado todos os ta­cos. Agora tinham voltado para a rua e atiravam bolas de bilhar em todas as lojas.
Uma turma de rapazes fez parar um carro no meio da rua, e subia nele, pulando sobre o teto e o cofre do motor, até que o carro ficou disforme. To­dos estavam rindo, gritando e destruindo.
Sirenes gemeram quando carros da polícia con­vergiram de ambas as extremidades da rua. Normal­mente, aquilo seria um sinal para os rapazes para­rem e fugirem, mas a febre de destruição assumira o controle, e já não ligávamos mais.
Um carro da radiopatrulha conseguiu chegar até o meio do quarteirão, mas os tiras não puderam abrir as portas do carro, pois os rapazes arremeteram de todos os lados, batendo neles com garrafas quebradas, tijolos e porretes, quebrando os faróis e despedaçando as janelas. Os policiais, enjaulados dentro do veículo, tentaram chamar a central de po­lícia pedindo ajuda, mas nós subimos em cima do carro e arrancamos a antena. Um dos rapazes co­meçou a dar pontapés na sirene, e ela soltou-se e caiu na rua.
Mais carros da polícia brecaram, os freios ran­gendo, no fim do quarteirão. Era a baderna. Mais de cento e cinqüenta rapazes estavam lutando, gri­tando, virando carros, quebrando vidros. Policiais aventuraram-se no meio daquela multidão eferves­cente e ruidosa, brandindo os cassetetes. Vi Cortez lutando contra dois guardas no meio da rua. Corri para ajudá-lo, mas ouvi estampidos de tiros, e per­cebi que era hora de dar o fora.
Espalhamo-nos em todas as direções. Alguns dos rapazes correram rua abaixo e enveredaram pe­las travessas. Outros entraram nos prédios de apar­tamento, subiram as escadas e esconderam-se nos telhados. Em questão de minutos a cena estava va­zia, e nada mais restava além de todo um quarteirão destruído. Nenhum carro ficara intacto. A confeita­ria fora completamente demolida. O salão de bilhar também. Todas as vidraças haviam sido quebradas no bar do outro lado da rua, e quase todo o uísque fora roubado das prateleiras. Alguém abrira a porta de um carro, cortara os assentos, e depois pusera fogo no estofamento. Os policiais estavam tentando apagar o fogo, mas o fogo ainda ardia, quando fo­mos embora.
Todos escaparam, menos Cortez e três Hells. A lei das quadrilhas declarava que se o cara fosse pre­so, teria que “se virar sozinho”. Se começasse a “cantar” ou a “dar o serviço”, seria punido pela qua­drilha. Ou, se estivesse na cadeia, a gang se vinga­va na família dele. Cortez foi sentenciado a três anos, e os outros também receberam condenação.
Mas os Phantom Lords nunca mais voltaram ao território dos Hells.