terça-feira, 8 de junho de 2021

Este mundo tenebroso - parte 2 - capítulo 18

Sybil Denning era uma pessoa bondosa e dada, e jamais parecia esgotar seu estoque de palavras ou tópicos. Ela e Sally passaram a maior parte da manhã perambulando pela propriedade do Centro Ômega para Estudos Educacionais enquanto a Sra. Denning indicava todos os prédios, para que serviam, e que novos projetos estavam correntemente sendo efetuados.

— Esta praça deve estar pronta em algumas semanas — disse ela, apontando um grande pátio do tamanho de uma campo de bola ao cesto, mas sem nenhuma das marcas e limitada por cercas vivas recém-plantadas. — O programa Tai Chi Chuan ficou tão popular que achamos apropriado criar um espaço eficaz para ele.

Elas caminharam mais adiante.

— Este é o teatro de espetáculos. Tem quatrocentos lugares, e é a nossa vitrina para todas as modalidades de arte tais como música, movimento, dança, poesia, drama e assim por diante. Oh, e aqui em baixo... — Elas chegaram a uma grande estrutura de pedras e vidro. — Este é o nosso centro das artes terapêuticas. Tivemos nossas várias oficinas de trabalho em classes por todo o campus, mas desde o ano passado tentamos consolidar a pesquisa em um único prédio. Estamos tentando novos enfoques holís-ticos do sistema de imunização, bem como terapia nutricional, e depois homeopatia, cristais, terapia vibracional, e até medicina tibetana. Esse é um curso que pretendo fazer enquanto estou aqui. Escute, está com fome? Está quase na hora do almoço, e estou certa de que os Galvins terão alguma coisa pronta.

— Vamos lá — disse Sally, vulgo Bethany Farrel.

Elas sentaram-se para um gostoso almoço vegetariano. Sally pediu arroz com legumes levemente fritos; a Sra. Denning pediu uma grande salada de verduras.

— Obviamente — continuou a Sra. Denning, sem sair do ritmo da preleção da manha inteira — o alvo da educação, da verdadeira educação, não é simplesmente o de ensinar a geração após geração a mesma quanti­dade de conteúdo acadêmico como preparação para a vida, apenas os mesmos velhos princípios básicos, como dizem. A raça humana está evoluindo depressa demais para isso. Na educação, estamos mais preocu­pados com facilitar as mudanças. Precisamos mudar as gerações futuras a fim de prepará-las para uma comunidade global. Isso significa que uma porção de idéias velhas sobre a realidade vão ter de ser jogadas fora; noções tais como nacionalismo, ter de prestar contas a um Ser Supremo, e até mesmo o antigo dogma judaico-cristão de moralidade absoluta. Em lugar disso, propomo-nos implantar uma nova visão do mundo, um plano global da realidade no qual nossos filhos percebam que toda a terra, toda a natureza, todas as forças, todo o consciente, constituem uma unidade enorme, interligada e interdependente. E já não estamos sozinhos nesse alvo; até a Liga Nacional de Educação assumiu a nossa causa.

Ela continuou mastigando a salada como um coelho feliz.

— Assim, trazemos todas as sabedorias do mundo a este lugar, todos os sistemas de crença, todas as tradições místicas, e não excluímos quase nada. Através de tudo isso, a verdade pode ser encontrada por cada pessoa onde ela a encontrar.

— O potencial humano — disse Sally.

— Oh, sim, isso, e a perfeição espiritual, a consciência universal, tudo o que foi dito acima! — A Sra. Denning riu com prazer. — Tem sido um tempo tão compensador para mim... bem, por muitos anos de minha vida, na realidade. Eu ensinava inglês no colegial até seis anos atrás, quando vim trabalhar com a equipe aqui.

Sally sabia isso. Embora sua lembrança da Sra. Denning, a professora de inglês, voltasse a dezenove anos trás, ela podia vê-la como se tivesse sido ontem. Uma cena começou a ter lugar em sua mente. Lá estava uma Sra. Denning muito mais moça, com mais cabelos castanhos do que brancos, fazendo-lhe uma carranca, brava por ter sido interrompida. Sally também era muito mais jovem, uma aluna do terceiro colegial com uma malha verde desbotada, uma saia que lhe subia muito acima dos joelhos, e cabelo ruivo longo, liso, que lhe chegava à cintura.

— Quem é você e por quê? — exigiu a Sra. Denning. Era uma pergunta de rotina que ela sempre usava; devia ter achado que era inteligente. Sally achou que era rude.

Obviamente, a Sra. Denning não se sentia bem naquele momento. Ela tentava conduzir um grupo de reforço de leitura, e a maioria dos alunos era do tipo desgrenhado que usava drogas e cuspia no chão, que não conseguia ler nem ligava se nunca conseguisse. A Sra. Denning definitiva­mente não se sentia à vontade, e muito menos possuía a melhor das disposições.

Sally também não se sentia bem. A mãe, a quem não via havia quase doze anos, acabara de morrer, uma miserável alcoólatra. Sally não sentia piedade, mas o acontecimento fez aprofundar algumas atitudes que ela vinha desenvolvendo naquele colégio, atitudes de fatalismo, cinismo e melancolia.

Agora Sally, fazendo seu trabalho como assistente da secretaria durante o período da quarta aula, tentava levar à Sra. Denning uma folha numa prancheta para que fosse assinada, uma lista típica de participantes num futuro seja-lá-o-que-fosse voluntário. Não pedia para levar bronca. A per­gunta da Sra. Denning atingiu uma porção de nervos expostos.

Quem sou eu e por quê? Boa pergunta.

Ela baixou o olhar à professora que a encarava carrancuda e respondeu muito diretamente:

— Não sei, e vocês professores me convenceram de que jamais saberei. Bem, naturalmente a Sra. Denning ficou danada.

— Mocinha, não gosto da sua atitude!

Naquele ponto de sua vida, Sally nem ligava para o que a Sra. Denning gostava ou não gostava.

— Sra. Denning, vim a esta sala porque a Sra. Bakke gostaria de ter a sua assinatura nesta folha. Apenas faço o meu serviço e não mereço ser tratada rudemente.

A Sra. Denning pôs-se de pé, pronta a aceitar o desafio.

— Qual é o seu nome?

— Roe. Sally Roe. É R-o-... Tem um lápis? A Sra. Denning tinha um lápis.

— R-o-e. Tenho a certeza de que se lembrará dele.

— Estou surpresa por deixarem você trabalhar na secretaria. A Sra. Bakker vai ouvir a respeito disto!

Sally estendeu a prancheta.

— A Sra. Bakker poderá contar com a senhora como voluntária? A Sra. Denning agarrou a prancheta e assinou às pressas.

— Agora saia daqui!

— Obrigada pelo seu tempo.

Sally já estava quase na porta quando a Sra. Denning disse-lhe umas palavras de despedida.

— Isto será contado contra você, mocinha!

Ela se deteve, voltou o olhar para essa professora, essa representante de autoridade.

— Bem, a senhora é a professora; a senhora tem o poder. O certo e o errado dependem da situação e a lei se deriva do poder, portanto acho que isso faz a senhora estar certa. — Então Sally achou melhor acrescentar uma nota de rodapé aos seus comentários. — Sr. Davis, Estudos Humanos 101, sexto período.

A Sra. Denning tinha a intenção de denunciar o comportamento de Sally, mas nunca o fez. Algo a respeito daquele breve encontro ficou com ela, e não, ela não se esqueceu do nome de Sally Roe.

A mente de Sally retornou ao presente e ela perseguiu um cogumelo pelo prato enquanto a Sra. Denning continuava a tagarelar. Sally teve de sorrir ao pensar quanto sua conversa de hoje diferia da primeira.

— Naturalmente eu estava envolvida com isto aqui antes de vir trabalhar com a equipe. Eu passei aqui quase todos os verões, trabalhando para aumentar os meus créditos em educação e ajudando com o programa de Potencial Jovem. — Sally esteve prestes a perguntar, mas não precisou; a Sra. Denning prosseguiu a fim de explicar o que era. — Diversos professo­res familiarizados com o Ômega tomavam parte regularmente em um programa para recrutar jovens de diversos colégios que nós repre­sentávamos em todo o país, jovens que demonstrassem verdadeiro poten­cial para futura liderança, que mostrassem capacidade especial. Eu mesma recrutei diversos jovens do colegial onde eu lecionava. Esses Potenciais Jovens, como os chamávamos, tomariam parte em nosso programa de verão aqui no Centro, e diversos deles voltariam em busca de treinamento intensivo por diversos verões, mesmo depois de terem começado a faculdade.

Sally sorriu. Ela podia lembrar-se da Sra. Denning de dezenove anos atrás, sentada à sua escrivaninha na sala de aula vazia durante o recreio do almoço, estranhamente agradável.

Sally, ainda a arrogante magrela de rosto de pedra, havia-se detido no lado de fora da classe a fim de fortalecer bem os nervos antes de entrar. Quando a Sra. Denning sorriu e ofereceu-lhe uma cadeira, ela ficou muito surpresa e um tanto desconfiada.

— Como já deve ter percebido — disse a professora — não denunciei aquela confrontação que tivemos há algumas semanas.

Sally nada disse. Estava ali porque a Sra. Denning havia-lhe pedido que viesse; que a Sra. Denning sustentasse a conversa.

A professora descansou os cotovelos sobre a escrivaninha e cruzou as mãos logo abaixo do queixo.

— Peço desculpas por ter sido tão rabugenta. Pensei sobre o que disse, e, sim, acho que fui rude com você.

Sally ainda não sentia vontade de falar.

— Está bem.

— Sally, falei com o Sr. Davis, e também com a Sra. Bakker e o Sr. Pangborn, e todos concordamos que você promete muito; venceu alguns verdadeiros obstáculos em sua vida e saiu-se excepcionalmente bem nos aspectos acadêmicos e intelectuais. Agora os outros professores me dizem que você faz perguntas incisivas e examina o material muito mais do que o curso exige.

— Quero que seja acerca de alguma coisa — disse Sally.

A Sra. Denning ficou impressionada e assentiu com a cabeça, sorrindo.

— Sim. O significado por trás de tudo, não é mesmo? Sally não estava disposta a desperdiçar palavras.

— Saí-me excepcionalmente bem. Aprendi. Mantive uma média cons­tante da nota mais alta. Mas se nada mais sou do que um acidente cósmico, então não vejo vantagem alguma em tudo o que fiz, e, para falar a verdade, estou ficando bem entediada com isso.

A Sra. Denning estendeu a mão para apanhar um folheto e entregou-o a Sally.

— Pode ser que isto a interesse. Sally o examinou enquanto ouvia.

— É um programa especial de verão para alunos excepcionais. Estive envolvida como conselheira de verão por diversos anos até hoje, e sempre procuro novos Potenciais Jovens. Acho que você preencheria as qualificações.

— O que eu aprenderia?

A Sra. Denning ficou encantada em responder.

— O significado por trás de tudo.

O significado por trás de tudo. Agora, dezenove anos depois, Sally não podia reter um sorriso amargo. Felizmente, a Sra. Denning não percebeu.

— Quer um pouco mais de chá? — perguntou a professora.

— Sim, por favor.

A Sra. Denning despejou o preparado herbáceo verde na xícara de Sally. Esta perguntou:

— Então, como todos esses Potenciais Jovens se saíram?

— Maravilhosamente! Tivemos uma relação impressionante, com os nossos Potenciais Jovens chegando a tornar-se educadores, psicólogos, médicos, mesmo estadistas. Veja, a força do Ômega está nas gerações futuras que educamos. Quando as moldamos na sua juventude, elas então amadurecem para tornar-se os futuros agentes de transformações em nossa cultura, trazendo todas as massas mais e mais perto da meta final da comunidade mundial. Começa na sala de aula.

— E é isso que é tão emocionante com relação às mudanças que ocorreram nos últimos anos. Nosso material e currículos obtêm aceitação muito mais ampla agora. Educadores e escolas de todo o país freqüentam os nossos seminários e se matriculam nos nossos programas. Acho que um fator seria a dissolução do velho modo tradicional de ver o mundo, o fator cristão, que tem sido tamanho obstáculo por tantos anos. As pessoas começam a despertar para si mesmas e para a necessidade da comunidade global. É a única maneira pela qual a nossa raça pode sobreviver, natural­mente. Agora que educamos novas gerações totalmente livres dos velhos resquícios da intolerância judaico-cristã, nosso sucesso se eleva exponencialmente.

Cree ouvia tudo, escondido no sótão do pequeno restaurante. Mas ele ficava nervoso; o tempo passava mais e mais, e não demoraria muito para que outras pessoas começassem a aparecer, mais professores, mais líderes, mais gurus e xamãs, e, com eles, mais demônios do que ele e seus guerreiros queriam enfrentar. Pior de tudo, o príncipe desse lugar também estaria de volta, e se aborreceria muito ao encontrar esses sabotadores escondidos por ali.

Ouviu um assobio especial. Era Si, indicando problema. Ele disparou pelo comprimento do sótão, saiu pela ponta do prédio e adentrou os galhos dissimuladores de uma grande árvore.

Havia um minúsculo brilho de luz vindo das árvores perto do portão da frente, o sinal de Si. Ele alertava todos os guerreiros.

E lá estava o problema! Os demônios apareceram primeiro, rodopiando e pairando em um bando de pelo menos cem, seguindo cerca de mais de seis metros acima de um veículo invisível. Não eram grandes demais, provavelmente não os combatentes da linha de frente, mas, não obstante, mortais. Cree teve de encolher-se só de olhar aquelas presas rebrilhando e o bater daquelas garras afiadas. Era melhor evitar atacar um bando daqueles.

Então o veículo apareceu, um grande furgão, dirigindo-se pesadamente rumo ao campus, remexendo a poeira. Estava cheio de hóspedes de fim-de-semana, e cheio de guerreiros demoníacos também.

A janela da oportunidade se fechava rapidamente. Eles tinham de tirar Sally de lá!

— Diga-me — disse Sally, como se acabasse de lembrar-se de algo — seria o Centro Ômega que publicou aquele currículo que vi... Encontrando a Mim...?

Os olhos da Sra. Denning brilharam.

Encontrando o Verdadeiro Eu! Sim, esse é um currículo popular para as séries 1 - 6; temos programas diferentes para cada série, mas a implementação mais fácil até agora tem sido com os alunos da quarta série. Sabe, tivemos esse currículo disponível por cerca de dez anos, mas ele nunca entrou nas escolas há até poucos anos, os velhos obstáculos cristãos de novo. Agora, contudo, estamos tendo grande sucesso com ele. E ele ainda funciona, o que diz muita coisa a respeito da equipe que o criou.

Si assobiou novamente, e Cree recebeu o sinal. Outros veículos vinham subindo pela estrada: um ônibus de cinqüenta passageiros, cheio de colegiais, diversos carros, outro furgão.

O primeiro furgão estava encostando na frente da secretaria, a nuvem de demônios que o acompanhava começando a dispersar-se, todos caca­rejando e tagarelando, alguns empoleirando-se nas árvores, alguns pousan­do em cima do furgão, alguns apenas adejando pela área à cata de diabrura.

Não! Cree ainda não tinha visto aqueles dois. De dentro do furgão, como enormes, vultosos dinossauros, dois demônios guerreiros surgiram e postaram guarda, as espadas de prontidão ao seu lado, os olhos amarelos movendo-se rápidos com grande cautela. Rebuscavam a área, as árvores, todos os possíveis esconderijos, procurando algum intruso.

Em seguida, um homem saiu do furgão e espichou-se um pouco. Trajava um agasalho de correr azul-marinho e usava óculos escuros. Era de meia-idade, mas obviamente um verdadeiro entusiasta da saúde. Seu rosto tinha uma expressão estranha, pétrea; os músculos pareciam rígidos.

Cree reconheceu-o imediatamente.

Steele. O misterioso Sr. Steele, supervisor do Centro Ômega! Não era de admirar a presença de tais monstruosos guardas demoníacos!

Quatro outros homens saíram do furgão, cada qual com pelo menos quatro demônios acompanhantes grudados em si. Esses tipos eram verda­deiramente ferozes. Havia algo acerca dos quatro; Cree podia sentir que eram algo até mais insidioso e maléfico do que o Sr. Steele.

O Sr. Steele se deteve na secretaria para trocar umas palavrinhas com alguns velhos amigos que haviam acabado de chegar no ônibus escolar. Acenou a todos os colegiais ainda esperando para desembarcar.

Cree já não podia fazer sinal para ninguém sem ser visto. Ele e seus guerreiros estariam brevemente cercados.

As duas mulheres haviam terminado seu almoço e agora tomavam o chá, relaxando.

Sally calculou que era hora de fazer a próxima pergunta. Ela começou a tirar a correntinha de dentro da camisa.

— Diga-me... em todas as suas viagens, eu pensava... já viu alguma vez um anel como este?

Ela tirou o anel para fora e deixou que a Sra. Denning desse uma boa olhada.

A Sra. Denning colocou os óculos de leitura para olhar melhor.

— Hehhh... o que e este símbolo aqui?

— É o que sempre quis saber.

— Onde arrumou isto?

— Um amigo.

A Sra. Denning virou o anel de um lado e de outro, a estudá-lo.

— Bem... esta face poderia ser a de um gárgula, mas tão triangular... como se fosse uma combinação de uma face vampiresca e um triângulo... Fascinante.

— Mas a senhora nunca viu nada parecido antes?

— Oh, não, não que eu saiba.

Steele se dirigia ao restaurante. Cree olhou até o outro lado da área. Seus guerreiros se escondiam bem, tão bem que mesmo Cree não os podia ver. Não tinha certeza de onde eles se encontravam, ou se estavam mesmo por lá.

Oh, não! Adiante do lago, logo acima dos topos das árvores, grande destacamento de demônios se aproximava como um enxame de morce­gos, parecendo uma mancha longa e fina de carvão através do céu. O Príncipe de Ômega estava de volta, pronto para outras maldades. Logo ele e sua horda estariam sobre o lago.

Cree enfiou-se de volta no sótão do restaurante para verificar o que acontecia com Sally.

O Sr. Steele entrou no Restaurante Cabana de Toras e imediatamente cumprimentou o Sr. Galvin, que estava em pé atrás do balcão polindo com toalha branca e macia uma longa fileira de copos colocados ao longo da prateleira de trás.

— Eh, Sr. Steele, já está de volta!

O Sr. Steele não tirou os óculos escuros, mas permitiu que um sorriso cruzasse seus lábios apertados.

— Queria estar aqui para o fim-de-semana, Joel.

— O que vai tomar?

— Café, por favor!

— Está fresquinho.

A Sra. Denning ouviu a voz do Sr. Steele e voltou-se na sua cadeira.

— Oh, Sr. Steele! Que surpresa! Ele sorriu-lhe e dirigiu-se a elas.

Sally olhou imediatamente para a mesa, tentando tirar a expressão horrorizada do rosto. Seu coração ainda batia? Por um momento ela pensou que ele tivesse parado.

— E então, como foi a semana, Sybil? — indagou o Sr. Steele.

— Sr. Steele, quero apresentar-lhe uma visitante que temos hoje. Esta é Bethany Farrell, uma viajante de Los Angeles à procura de uma mudança, um pouquinho de desafio.

O Sr. Steele removeu os óculos escuros. Sally ergueu os olhos para ele. Seus olhos se encontraram. Eles se conheciam.

Crew puxou a espada, tentando engendrar um plano. Com Sally encurralada no restaurante ele poderia ter de convocar um assalto total. De qualquer forma, eles tinham apenas minutos de reserva agora. As forças demoníacas se reuniam em todos os cantos. E Si...

RRUGIRRR! Cree abaixou-se depressa enquanto a espada flamejante retalhou o ar logo acima de sua cabeça! Dentes! Olhos amarelos! Bocarra escancarada!

As asas de Cree explodiram cm mancha brilhante. Ele se atirou pelo sótão na direção da ponta da cumeeira, a espada do demônio como uma serra guinchando logo atrás dele.

IAAUU! O outro guarda demoníaco apareceu à sua frente como a explosão de uma bomba, os dentes amarelos arreganhados. Cree não podia deter-se em tempo; brandiu a espada num arco chamejante.

A cabeça do demônio e Cree saíram voando pela ponta do prédio; a cabeça se dissolveu, e Cree arremeteu ao céu, soltando um berro deses­perado que ecoou sobre o campus e alcançou o outro lado do lago.

O outro guarda demoníaco, monstro horripilante, tentou agarrar os pés de Cree. Cree disparou para cima com outra explosão de velocidade. Outro demônio, vindo de cima, caiu sobre ele como um gavião e investiu com a espada. Cree bloqueou-o e mandou o demônio para longe, revirando loucamente.

A lâmina do guarda veio com toda a força na direção do meio do seu tronco. As espadas se chocaram numa explosão de fagulhas incandescen­tes, e Cree foi atirado nas árvores.

Os lábios do Sr. Steele estavam até mais apertados agora, e seus olhos eram penetrantes. Ele estendeu a mão, cumprimentando.

— Muito prazer em conhecê-la... Bethany.

Sally tomou-lhe a mão, e ele a apertou tanto que machucou. Por um tempo que parecia não ter fim, ele não a soltou, mas segurou-lhe a mão e ficou de olho nela.

— Muito prazer em conhecê-lo — respondeu ela assim que conseguiu encontrar a voz.

Ele não mudou nada! Ainda parece o mesmo!

A Sra. Denning ainda parecia a pessoa jovial de sempre.

— O Sr. Steele é o diretor do Centro Ômega. É um homem formidável. — Então ela contou ao Sr. Steele. — Estive mostrando o Centro a ela, apenas familiarizando-a com o nosso propósito... — E ela continuou falando sem parar.

Oh, Sra. Denning, por favor, cale-se. A senhora vai fazer com que me matem.

— Então, você viu tudo, não é? — perguntou o Sr. Steele.

— Bem, tudo não... — Ele lhe machucava a mão.

Ele era assim mesmo quando lecionava as classes de verão aqui no Centro anos atrás. Sally tinha medo dele então. Ela estava com medo dele agora. Havia um poder sinistro, uma presença cm torno do homem. Ele podia hipnotizar com aqueles seus olhos.

Si arremeteu de entre as árvores naquela ponta do campus juntamente com cerca de cinqüenta guerreiros, pegando os demônios de surpresa. Um aglomerado deles acabava de chegar à área em outro automóvel cheio de hóspedes de fim-de-semana. Os guerreiros celestiais jorraram sobre eles antes que os demônios soubessem o que acontecia, e removeram imedia­tamente aquela complicação.

Em resposta ao grito de Cree, a remanescente centena de guerreiros varreu o lago como um lençol chamejante, dividido em muitas correntes, e jorrou pelo campus como uma enchente. Demônios rodopiavam, e depois arremetiam das árvores, prédios e veículos com gritos agudos e berros cruéis. Espadas se entrechocavam, asas rugiam, fagulhas voavam. Os anjos concentravam toda a atenção dos demônios, pelejando ferozmen­te contra dois, três, seis demônios de cada vez, mas não prevaleciam. Os espíritos malignos se mantinham firmes.

Cree disparou e ziguezagueou entre as árvores, por aqui, por ali, dentro, fora, para cima, para baixo, negaceando, movendo-se velozmente.

CRAAACH! O guarda veio por cima dele, e suas espadas se cruzaram de novo. Ele não conseguia livrar-se daquele demônio!

A vasta nuvem de espíritos além do lago ouviu os gritos e viu a batalha. Na frente, as presas projetando-se além do queixo e a cabeça eriçada de ferrões, Barquit, o Príncipe de Ômega, rugiu uma ordem e desembainhou a espada. Com um floreio ecoante, sonoro de rubras lâminas ardentes, os guerreiros que retornavam mergulharam no campus.

A Sra. Denning não se detinha enquanto não contasse tudo ao Sr. Steele.

— Oh, sabe uma coisa? Ela tem um anel esquisito que deveria mostrar-lhe.

O Sr. Steele soltou a mão de Sally. E inclinou-se mais perto. Ela pensou sentir o calor do rosto do homem.

— Um anel?

Sally meneou a cabeça e tentou sorrir, dispor da coisa toda com uma risada.

— Oh, não é nada.

Ele ainda estava inclinado muito próximo.

— Oh, sim. Gostaria muito de vê-lo.

O guarda desceu do alto das árvores como um meteoro. Cree atirou-se de lado e mal conseguiu evitar ser cortado ao meio. Ele deu outro impulso poderoso às suas asas e dirigiu-se para o céu.

O guarda retinha seu calcanhar! Cree puxou com as asas, mas o bruto sacudiu-o para baixo!

ZZUUUCH! Si! Deus o abençoe!

UFA! O calcanhar de Cree estava livre.

Em longa trilha de luz, Si caiu do céu e chocou-se com toda a força contra o guarda. Ambos reviraram numa bola de fogo, engalfinhados, rosnando. Cree deu uma cambalhota e caiu novamente na direção do chão, a espada pronta.

O guarda tinha Si pela garganta, a grande espada erguida.

Cree atirou a espada, e ela atravessou o dorso do guarda como um míssil. Si escapou contorcendo-se e cortou o bicho em dois. Ele se dissolveu numa nuvem sufocante de fumaça vermelha.

Cree apanhou novamente a espada. Podia ver o Príncipe de Ômega descendo sobre eles como uma tempestade.

— Vamos tirá-la daqui!

Sally deixou cair a cabeça.

— Algo errado? — perguntou a Sra. Denning.

— Acho que vou passar mal do estômago. — Não mentia. O Sr. Steele agarrou-lhe o pulso.

— Deixe-me ajudá-la a chegar ao banheiro. Ele a ergueu de onde estava sentada.

— Não, deixe que eu vou sozinha...

A Sra. Denning parecia um tanto surpresa com o comportamento atrevido do Sr. Steele.

— Sr. Steele, talvez ela possa ir sozinha...

Ele não pareceu ouvi-la. Fazia sinais através da janela aos quatro homens que haviam vindo consigo no furgão. Eles observavam. Viram o aceno de sua mão e puseram-se a caminho do restaurante.

Cree e Si haviam criado sua oportunidade.

— Nenhum guarda — gritou Cree. — Ele está exposto!

Barquit e seus demônios mergulhavam através do lago, dirigindo-se ao campus, espadas de prontidão.

Sally podia ver os quatro homens apressando-se rumo ao restaurante. Eles podiam vê-la pela janela, e o que viam apressava seus passos. O Sr. Steele não fazia força alguma para chegar ao banheiro. E não a soltava.

Aquilo não era um homem. Era... algo diferente.

— Vou vomitar! — ameaçou Sally.

Cree inclinou-se bruscamente, fez uma curva fechada, e caiu como um míssil na direção da ponta do restaurante, as asas rugindo. A parede do restaurante encheu-lhe a vista, passou em cheio para trás. Ele estava dentro, adernando sobre as mesas, ao longo do balcão, a espada estendida.

Joel Galvin abaixou-se, os braços sobre a cabeça, e a Sra. Denning soltou um grito estridente quando toda a fileira de copos despedaçou-se de uma ponta a outra.

O Sr. Steele também se abaixou, puxando Sally para baixo consigo.

Cree saiu pela outra ponta do restaurante, arremetendo rumo ao céu no exato momento em que Si atirou-se como uma bala através da frente do restaurante e atravessou Steele.

— Ahhh!! — A mão do Sr. Steele foi aos seus olhos.

— Sr. Steele! — gritou Galvin.

Sally estava livre. Ela correu para a porta.

A espada de Si havia estado lá. Os quatro homens não a viram, nem tampouco a viram os espíritos que vinham grudados neles. Os espíritos adejavam por ali, procurando seu atacante; os quatro homens postaram-se ali com os olhos semicerrados, sombreando os olhos, tentando perceber de que direção vinha o sol.

O Príncipe de Ômega e suas hordas desceram sobre o campus, espan­tando do seu esconderijo uma nevasca de guerreiros brilhantes que se espalharam em todas as direções, fugindo como pássaros assustados. Os demônios soltaram berros estridentes e perseguiram-nos. Era por esse tipo de esporte que esperavam. Barquit procurava o líder dessa hoste saqueadora, mas não o via.

Bater em retirada! Bater em retirada! Os anjos fugiram, levando as hordas demoníacas cada vez mais longe no céu, cada vez mais longe do campus, cada vez mais longe do apuro lá no chão.

— Muito bom! — disse Cree, seguindo Sally.

Sally descia correndo a estrada de pedriscos, passando por outros carros que chegavam com mais gente.

— Ei — gritou alguém — onde fica a secretaria?

— Continue em frente — respondeu ela. — Você a encontrará. Eles prosseguiram. E ela também.

O Príncipe de Ômega e seus demônios davam vivas e berravam enquan­to perseguiam inúmeros guerreiros angelicais pelo céu. Eles tinham o poder e tinham a quantidade. Limpariam seu território desses desordeiros brilhantes, e pronto.

Cree e Si apenas se mantinham perto de Sally, tentando forçá-la para baixo de árvores e fora da vista. Ela parecia saber o que fazer, aonde correr, como se esconder. Os dois voavam de cabeça logo acima dela, as espadas desem­bainhadas, rolando continuamente a fim de ver o céu, a terra, o céu...

Eles não sabiam quantos haviam perdido nessa batalha. Mas ainda tinham Sally Roe... por enquanto.

Bom. Corra, moça, apenas corra.