Os dons de revelação constituem parte da revelação de Deus,
concedida ao homem salvo, para que, por eles, a “multiforme sabedoria” divina
seja manifestada no meio da Igreja, e os crentes em Jesus sejam protegidos das
sutilezas do Adversário e das maquinações humanas contra a fé cristã.
Sem a presença física de Cristo, após sua Ascensão aos céus,
os salvos, reunidos em igrejas locais, precisam, de maneira indispensável, dos
dons espirituais, tanto para cumprirem a Missão confiada por Cristo, quanto
para lutar e vencer “as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais”
(Ef 6.12). Sem eles, a igreja local não passa de uma comunidade humana, uma
associação religiosa, como um “vale de ossos”, transformados em corpos com
tecidos humanos, mas sem vida. Tem estruturas humanas, ministeriais,
denominacionais, intelectuais, políticas e administrativas, mas não tem o poder
de Deus em sua vida institucional. Os dons espirituais propiciam a provisão
divina para a igreja cumprir a sua missão, concedida por Cristo, de proclamar o
evangelho por todo o mundo e a toda a criatura.
Dentre esses, os chamados “dons de revelação” aparecem como
categoria de grande valor e necessidade, no meio das igrejas locais. No tempo de
Paulo, havia confusões, mistificações doutrinárias, ensinos heréticos e tantos
outros tipos de informações, que chegavam aos ouvidos dos crentes, que muitos
se desviaram, iludidos pelos “ventos de doutrina” (Ef 4.14). O gnosticismo
ameaçava a integridade da fé cristã. Os judaizantes queriam impor seus ensinos
legalistas e ultrapassados. A igreja precisava de recursos espirituais
sobrenaturais para não ser esmagada pelas heresias, muitas delas travestidas de
verdades absolutas. Só a revelação de Deus, manifestada de forma incisiva,
poderia evitar a derrocada do cristianismo.
E, nos dias presentes, será que não há necessidade da
revelação especial de Deus, através de sua palavra e de dons ou carismas que
façam a diferença, para que os cristãos saibam discernir o “joio do trigo”?
Certamente hoje, mais do que nunca, a igreja de Jesus, em toda a parte,
necessita desses recursos. Os dons de revelação podem identificar a origem, os
meios e os propósitos de muitas falsas doutrinas que surgem a cada dia, no meio
evangélico. Pela revelação sobrenatural, pode-se desmascarar os falsos
pastores, os “obreiros fraudulentos”, “de torpe ganância”.
I - PALAVRA DA SABEDORIA (1 CO 12.8)
É parte da sabedoria de Deus, com a finalidade de propiciar
entendimento, na ministração da palavra ou pregação; é de grande valor na
tarefa de aconselhamento, em situações que demandam uma orientação sábia,
notadamente no ministério pastoral. E de fundamental importância no exercício
da liderança, da administração eclesiástica, na separação de obreiros,
ultrapassando os limites do saber intelectual ou humano. Jesus agradeceu ao Pai
por essa revelação: “Naquela mesma hora, se alegrou Jesus no Espírito Santo e
disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas
coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai,
porque assim te aprouve” (Lc 10.21).
“Esse dom proporciona, pela operação do Espírito Santo, uma
compreensão (cf. Ef 3.4) da profundidade da sabedoria de Deus, ensinando a
aplicá-la, seja no trabalho seja nas decisões no serviço do Senhor, e a expô-la
a outros, de modo a ser bem entendida”.1 Quando os que dirigem a igreja local
contam com esse dom, dispõem de uma diversidade de serviços ou ministérios que
dinamizam o trabalho da igreja (1 Co 12.28) e a edificação da igreja é feita
com sabedoria (1 Co
3.10). Quando surgem problemas, no meio da congregação, as
soluções são encontradas com a ajuda do Espírito Santo (At 6.1-7; 15.11-21).
Paulo recebeu essa visão, de que há uma sabedoria sublime,
quando escreveu aos coríntios, dizendo: “Mas, como está escrito: As coisas que
o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as
que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no-las revelou pelo seu
Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de
Deus. Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do
homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o
Espírito de Deus” (1 Co 2.9-11).
Essa sabedoria é de altíssimo nível, e transcende os limites
da sabedoria natural ou humana. Não se adquire nas escolas seculares, nem
também nas escolas teológicas ou filosóficas. Ela é concedida por Deus, a quem
Ele quer, visando atender à necessidade da igreja, ou individual, de algum
servo ou serva sua, principalmente em ocasiões em que o saber natural é
insuficiente para a tomada de decisões, ou resoluções difíceis.
No Antigo Testamento, temos alguns exemplos marcantes dessa
revelação da sabedoria de Deus. Vemos tal sabedoria na construção do
Tabernáculo (Êx 36.1,2).
José, filho de Jacó, teve momentos especiais em sua vida, em
que demonstrou ter a sabedoria concedida por Deus, em situações extremamente
significativas. Na prisão, interpretou sonhos de servos de Faraó, os quais se
cumpriram plenamente. Chamado ao palácio real, diante de todos os sábios,
adivinhos e conselheiros do rei, interpretou os sonhos proféticos que Deus
concedera ao monarca egípcio, e, ainda por cima, deu instruções e consultoria
gratuita sobre planejamento, economia, contabilidade e finanças a Faraó. Se não
fosse a sabedoria do Espírito de Deus, jamais o jovem hebreu teria tamanha
capacidade para interpretar os misteriosos sonhos das vacas gordas e das vacas
magras, e foi elevado à posição de Governador do Egito (cf. Gn 41.14-41).
A proverbial sabedoria de Salomão era, sem dúvida alguma,
manifestação da sabedoria de Deus, para a resolução de “causas impossíveis”. O
caso das duas mulheres, que disputavam a mesma criança demonstra tal
capacidade, proveniente do Espírito de Deus (1 Rs 3.16-28). Antes de desviar-se
dos caminhos do Senhor, em sua velhice, Salomão foi um exemplo como
beneficiário da sublime sabedoria de Deus. “E deu Deus a Salomão sabedoria, e
muitíssimo entendimento, e largueza de coração, como a areia que está na praia
do mar. E era a sabedoria de Salomão maior do que a sabedoria de todos os do
Oriente e do que toda a sabedoria dos egípcios” (1 Rs 4.29,30).
Em o Novo Testamento, há diversas referências quanto à
aplicabilidade dessa sabedoria divina. Paulo exorta aos colossenses a que
saibam transmitir a palavra aos ouvintes, dizendo: “Andai com sabedoria para
com os que estão de fora, remindo o tempo. A vossa palavra seja sempre
agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada
um” (Cl 4.5,6). A falta dessa sabedoria de Deus pode causar graves prejuízos à
pregação do evangelho. Há pregadores, que usam o púlpito, em eventos
evangelísticos, de maneira arrogante e prepotente. Houve um que dizia, para uma
grande multidão, que os pastores eram um bando de trambiqueiros; e que a igreja
(denominação da qual fazia parte) estava ultrapassada. E dizia, diante de
pessoas não crentes; “Não sei por que Deus não tira essa velharia de cena”. A
sabedoria desse tipo de pregador não é do Espírito Santo. “Essa não é a
sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e diabólica” (Tg 3.15).
Na vida de Jesus, como o “Filho do Homem”, por diversas
vezes, ele demonstrou essa sabedoria vinda do Alto. Ao chegar à sua pátria,
causou profunda admiração em seus conterrâneos, por causa da sabedoria como que
ministrava a mensagem. “E, chegando à sua pátria, ensinava-os na sinagoga
deles, de sorte que se maravilhavam e diziam: Donde veio a este a sabedoria e
estas maravilhas? Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe
Maria, e seus irmãos, Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão entre nós
todas as suas irmãs? Donde lhe veio, pois, tudo isso!” (Mt 13.54-56 — grifo
nosso).
Essa mesma sabedoria tem sido identificada, na vida de
irmãos humildes, ao longo da História da Igreja. Há casos em que pessoas de
pouca instrução formal, usadas por Deus, transmitem mensagens de profundo
significado e conteúdo espiritual, que provocam admiração nos que o ouvem. Em
Natal, décadas atrás, o folclorista Luís da Câmara Cascudo, um dos ícones da
literatura nacional, estava num culto, na Assembleia de Deus. Foi dada
oportunidade a um crente muito humilde, que, cheio do Espírito Santo, entregou
a mensagem na unção de Deus. O ilustre visitante não se conteve, e exclamou:
“Esse homem prega e mostra o céu por dentro!”.
Na vida da igreja local, há casos interessantes, do
exercício da sabedoria divina, pois Deus é o mesmo. Um novo convertido, homem
do campo, recebeu a visita de um neto, que era formado em Medicina, em
faculdade famosa. Sabendo que o avô houvera aceitado a Cristo, passou a
criticá-lo com arrogância, dizendo que, em seus estudos houvera aprendido
muitas coisas, inclusive que Deus não existe, que o homem proveio de um macaco,
e, depois de desfilar outras informações do que aprendera, perguntou ao velho
crente: “E, nessa crença, o que o senhor aprendeu?”. O novo convertido, que nem
sequer tivera tempo de conhecer bem a Bíblia, respondeu ao neto ateu: “Eu
aprendi a dizer: para trás de mim, Satanás!”. O materialista despediu-se,
dizendo que não adiantava lutar “contra esses crentes...”.
É interessante que anotemos que o dom da palavra da
sabedoria não faz do seu portador uma pessoa mais sábia do que as outras. Diz
Horton: “O Espírito não torna a pessoa sábia por meio deste dom, nem significa
que a pessoa mais tarde não possa cometer erros (cf. o exemplo do rei Salomão
que, no fim da vida, não só errou, mas pecou)”.2
II - PALAVRA DO CONHECIMENTO (1 CO 12.8)
É manifestação da ciência ou do conhecimento de Deus,
concedido ao homem salvo. Pode ser dado por sonho, por visão, por revelação
especial, operando na esfera humana, no seio da igreja; sendo um conhecimento
sobrenatural propiciado por Deus. Podemos dizer que a palavra da sabedoria é a
aplicação da “ciência” de Deus, na vida prática pessoal ou da igreja. Escrevendo
aos coríntios, sobre as “armas de nossa milícia”, Paulo diz que essas “armas”
destroem “...os conselhos e toda altivez que se levanta contra o conhecimento
de Deus, e levando cativo todo entendimento à obediência de Cristo” (2 Co 10.5
— grifo nosso). Paulo fala de “todos os mistérios e toda a ciência” (1 Co
13.2), que só têm valor se for sob a graça do amor de Deus. Através desse dom,
o crente penetra nas profundezas do conhecimento de Deus (cf. Ef 1.17-19).
Em Cristo — “o mistério de Deus [...] em quem estão
escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2.2,3), é que os
dons devem ser exercidos, no meio da igreja cristã. Pois Deus quer que esse
conhecimento profundo e sobrenatural esteja à disposição dos seus servos, que o
amam. “Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não
ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que o
amam. Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra
todas as coisas, ainda as profundezas de Deus” (1 Co 2.9).
A Palavra de Deus mostra exemplos desse dom. Quando Jesus
pregava para a mulher samaritana, soube detalhes da vida dela, que o
conhecimento humano não teria condições de alcançar naquela circunstância de um
encontro inesperado. Ele disse à mulher que chamasse seu marido. A mulher
respondeu que não tinha marido e Jesus lhe disse que ela tivera “cinco maridos”
e aquele com quem vivia não era seu marido. A mulher ficou admirada, e disse:
“Senhor, vejo que és profeta” (Jo 4.16-19). A palavra da ciência não é
adivinhação nem expressão de tentativa de erro e acerto. E dada pelo Espírito
Santo.
O profeta Eliseu sabia os planos de guerra do rei da Síria,
mesmo à distância. Quando o rei pensava em atacar o exército de Israel de
surpresa, em determinado lugar o profeta de Deus alertava ao rei de Israel dos
planos do inimigo, por diversas vezes. O rei sírio ficou intrigado e desconfiou
de que haveria um traidor no meio de suas tropas. Mas um dos servos do rei o
fez saber o mistério: “E disse um dos seus servos: Não, ó rei, meu senhor; mas
o profeta Eliseu, que está em Israel, faz saber ao rei de Israel as palavras
que tu falas na tua câmara de dormir” (2 Rs 6.8-12).
Era um conhecimento muito mais aperfeiçoado do que todos os
atuais sistemas de informação, com uso de tecnologia de ponta, usados no mundo
atual. Eliseu não tinha informantes, nem sonhava com equipamentos de
comunicação ou de satélites. Era a mensagem divina, diretamente do Espírito
Santo ao seu coração. Quando o profeta Samuel disse a Saul que as jumentas do
pai já haviam sido encontradas, foi pela ciência ou conhecimento de Deus (1 Sm
9.15-20).
A revelação dada a Daniel acerca dos impérios mundiais
demonstra quão grande é a sabedoria de Deus, como recurso divino para ocasiões
especiais, em que de nada adianta a sabedoria humana, ou os conhecimentos
adquiridos pela experiência de quem quer que seja. Quis Deus utilizar-se de um
rei estrangeiro ao seu povo para revelar segredos sobre acontecimentos que
teriam lugar na História, na ocasião, e para o futuro. A visão de Nabucodonosor
é uma referência para a Escatologia, com base nas interpretações dadas pelo
Altíssimo a Daniel, seu servo, que estava vivendo naquele País, com uma missão
do mais alto significado.
Trata-se de um caso bem emblemático do que significa receber
o conhecimento, ou a revelação de Deus. O rei tivera um sonho muito estranho,
que o perturbara sobremaneira. Pela manhã, reuniu “os magos, e os astrólogos, e
os encantadores, e os caldeus, para que declarassem ao rei qual tinha sido o seu
sonho; e eles vieram e se apresentaram diante do rei. E o rei lhes disse: Tive
um sonho; e, para saber o sonho, está perturbado o meu espírito” (Dn 2.2,3).
Tudo em vão. Ninguém soube interpretar o sonho, por uma razão muito óbvia: o
rei não se lembrava do sonho! Furibundo, o rei mandou matar todos os sábios da
Babilônia, pelo fato de não saberem interpretar um sonho de que não tiveram
sequer o relato de sua visão.
Mas Daniel, que estava no reino, em posição de destaque,
pediu ao mensageiro do rei que desse um tempo para que buscassem a
interpretação. Seu pedido foi atendido, e, contando o grave problema a seus
três companheiros, foram orar ao Deus dos céus. Diz a Bíblia: “Então, Daniel
foi para a sua casa e fez saber o caso a Hananias, Misael e Azarias, seus
companheiros, e pediu que orassem a Deus, “para que pedissem misericórdia ao
Deus dos céus sobre este segredo, a fim de que Daniel e seus companheiros não
perecessem com o resto dos sábios da Babilônia. Então, foi revelado o segredo a
Daniel numa visão de noite; e Daniel louvou o Deus do céu” (Dn 2.17-19). De
maneira didática, com precisão histórica, Daniel interpretou o sonho, mostrando
ao rei o desenrolar dos acontecimentos de sua época e de eventos futuros. Foi o
conhecimento de Deus e não humano, lógico ou natural.
Esse dom revela coisas que não são percebidas pela visão
natural (ver
1 Sm 16.7; Jo 2.24,25). Na vida prática da igreja, algumas
experiências demonstram que o dom da palavra da ciência pode ser dado nos
tempos presentes. Num Círculo de Oração, em Natal-RN, as irmãs estavam
tranquilas, orando e louvando a Deus, numa congregação, anos atrás.
Apresentou-se um homem, muito bem vestido, de paletó de tecido fino, sapato
lustroso, gravata e Bíblia debaixo do braço. Ao ser interpelado, para ser apresentado,
disse que era um servo de Deus, que estava de passagem por ali, e que viera
visitar o trabalho. Acrescentou que era “filho do Ministro da Educação, Sr.
Jarbas Passarinho”. A apresentação do “ilustre” visitante foi feita, e as irmãs
de imediato quiseram ouvir uma palavra por ele.
Uma humilde serva de Deus, num lampejo divino, disse à
dirigente: “Não dê oportunidade a ele. E um mentiroso, falso e procurado pela
polícia...!”. Foi um mal-estar, pois a dirigente já ia anunciar a oportunidade
ao visitante. Mas, diante da advertência, não o fez. Foi criticada por um santo
irmão, que achou uma falta de respeito a um “servo de Deus”, “filho de uma
autoridade pública”. Esse também convidou o visitante para ir à sua casa, num
gesto de desagravo e de hospitalidade. No caminho, dizia ao visitante: “Essas
irmãs não têm sabedoria”. E pediu desculpas pelo constrangimento. Recebeu-o em
casa, apresentou à família, e ofereceu dormida ao desconhecido.
Pela madrugada, alguém bateu à porta. O anfitrião foi abrir,
e deparou-se com policiais federais, apontando metralhadoras para sua casa, e
dizendo que ele estava preso, pois dera acolhida a um criminoso, es-
telionatário, que vinha sendo rastreado em sua viagem. Quem revelaria tal coisa
a uma simples serva de Deus? Sem dúvida, foi a operação do dom da ciência, num
momento crucial. Este exemplo é prova de que Deus não muda. Agiu nos tempos
antigos. E age em todos os tempos.
E preciso entender a diferença entre o dom da sabedoria e o
dom da palavra da ciência. A ciência é o conhecimento profundo, concedido por
Deus, em relação às coisas divinas ou às coisas dos homens, que estão além do
conhecimento natural. O dom da sabedoria refere-se à utilização do conhecimento
em questões práticas da vida. Conhecimento sem sabedoria é puro exercício
intelectual infrutífero e diletante. O cristão deve ter conhecimento de Deus
para viver o cristianismo de forma concreta, no seu dia a dia.
III - DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS (1 CO 12.10)
Mais adiante, na epístola em apreço, encontramos o “dom de
discernir os espíritos” (1 Co 12.10b). Refere-se à capacidade sobrenatural,
concedida por Deus, com a finalidade de identificarem-se as origens e natureza
das manifestações espirituais. Tais manifestações podem ter basicamente, três
origens: De Deus, do homem (da carne) ou do maligno. Em determinadas ocasiões,
uma manifestação espiritual pode apresentar-se, no meio da congregação, ou
diante de um servo de Deus, com aparência de genuína, e ser uma mistificação
diabólica, ou arti manha de origem humana. Pelo entendimento e pela lógica
humana, nem sempre é possível avaliar a origem das manifestações espirituais. Mas,
com o dom de discernir os espíritos o servo de Deus ou a igreja não será
enganada.
Segundo Boyd, “a palavra ‘discernir’ (grego “diakrisis”)
úgri&ca julgado através de, distinguir, e tem o sentido de penetrar por
baixo da superfície, desmascarando e descobrindo a verdadeira fonte dos motivos
e da animação”.3 Através desse dom, em suas diversas manifestações, a igreja
pode detectar a presença de demônios, no meio da comunidade ou congregação, a
fim de expulsá-los, no nome de Jesus. Na ilha de Pafos, Paulo defrontou-se com
uma ação diabólica declarada com o objetivo de impedir a pregação do evangelho
ali, e a conversão de uma autoridade pública. Mas o apóstolo, cheio do Espírito
Santo, percebeu as artimanhas do Adversário, e, na autoridade de Deus, declarou
que o opositor do evangelho ficaria cego por algum tempo, o que de pronto
aconteceu. Diante de tamanho sinal, “Então, o procônsul, vendo o que havia
acontecido, creu, maravilhado da doutrina do Senhor” (At 13.12).
Myer Pearlman diz que se pode saber a diferença entre uma
manifestação espiritual legítima e uma falsa manifestação, através desse dom.
“Pelo dom de discernimento que dá capacidade ao possuidor para determinar se um
profeta está falando, ou não, pelo Espírito de Deus. Esse dom capacita o
possuidor para ‘enxergar’ todas as aparências exteriores e conhecer a
verdadeira natureza duma inspiração.”4 A manifestação espiritual precisa passar
por duas provas de sua legitimidade: A prova doutrinária e a prova prática.
A prova doutrinária pode basear-se no ensino do apóstolo
João, que diz:
“Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os
espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no
mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que
Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que
Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo,
do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo. Filhinhos, sois
de Deus e já os tendes vencido, porque maior é o que está em vós do que o que
está no mundo. Do mundo são; por isso, falam do mundo, e o mundo os ouve. Nós
somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus náo
nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro.” (1
Jo 4.1-6)
A prova prática tem base no ensino de Jesus, quando advertiu
acerca dos falsos profetas, que podem ser conhecidos pelos “seus frutos”, ou
seja, pelo seu caráter, demonstrado em seu testemunho, na vida prática:
“Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós
vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores. Por seus frutos
os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos
abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má produz
frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar frutos
bons. Toda árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto,
pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.15-20).
Jesus tinha esse dom. Quando seus adversários queriam
apanhá-lo em alguma palavra ou alguma falta, Ele já sabia o que se passava no
interior das pessoas. “Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos
conhecia e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem
sabia o que havia no homem” (Jo 2.24, 25). O apóstolo Pedro teve a percepção de
que Ananias estava mentindo, quando sonegou parte da oferta que prometera a
Deus, por esse dom especial de discernir os espíritos (At 5.3).
No ministério de Paulo, temos o exemplo notável do uso desse
dom (At 16.12-18). Ao lado de seu companheiro, Silas, chegou à cidade de
Filipos, na Macedônia, para onde se dirigiram por orientação do Espírito Santo.
Após um período de oração e evangelização pessoal, foi acolhido por Lídia, a
vendedora de púrpura, que aceitou a Cristo e foi batizada com toda a sua
família. Era patente o sucesso da missão dos apóstolos naquele lugar. O
Adversário não ficaria satisfeito de forma alguma e resolveu atacar de uma
forma muito sutil, usando uma jovem para tecer um dos mais elevados elogios que
um pregador poderia receber publicamente.
Ela era bem conhecida na cidade, pois era usada por
comerciantes inescrupulosos que obtinham grande lucro, usando-a em seu
proveito, pois possuía “espírito de adivinhação”. Quando os dois apóstolos
saíram para a oração, a jovem os seguiu, dizendo em alta voz: “Estes homens, que
nos anunciam o caminho da salvação, são servos do Deus Altíssimo” (At 16.17). E
fez essa declaração elogiosa, durante vários dias. Pregadores são seres
humanos, sujeitos às falhas próprias de sua natureza. Elogios em geral sempre
fazem bem ao ego, à parte emocional, ainda mais, quando o elogio é verdadeiro,
como era o que a moça propagava acerca dos dois servos de Deus.
Jamais alguém poderia imaginar que aquele elogio não seria
de origem legítima. Podemos entender até, que, a princípio, os apóstolos devem
ter ficado pensativos com aquela declaração. De fato, eles eram servos do Deus
Altíssimo! O que haveria de errado ou repreensível ouvir tal elogio? Não teria
a jovem percebido que eles eram cristãos autênticos? Acontece que Paulo e Silas
eram homens de oração, tinham comunhão com o Espírito Santo. Depois de alguns
dias, ouvindo aquela declaração, Paulo discerniu a sua origem.
Não era nada da parte de Deus. A afirmação era verdadeira,
mas a origem e a intenção eram malignas. O Diabo queria iludir os apóstolos,
com bajulação e lisonja, para que o demônio continuasse livre para agir, após a
saída dos servos do Senhor. Assim, “Paulo, perturbado, voltou-se e disse ao
espírito: Em nome de Jesus Cristo, te mando que saias dela. E, na mesma hora,
saiu” (At 16.18).
Conclusão
No mundo atual, a Igreja de Jesus necessita, mais do que
nunca, da revelação profunda das coisas divinas, para discernir entre o certo e
o errado; entre o legítimo e o falso, no que respeita às manifestações
espirituais. Em determinados programas de TV, de responsabilidade de igrejas ou
de determinados pregadores, existem heresias absurdas, como a chamada teologia
da prosperidade; o “cair no espírito”; “maldição hereditária” para o salvo em
Cristo; “teísmo aberto” e outras manifestações heréticas, que, a princípio, têm
aparência de serem genuínas, e levam muitas pessoas incautas, que não leem a
Bíblia, a interessarem-se por tais ensinamentos espúrios. Que o Senhor conceda
à sua igreja os dons de revelação a muitos crentes, incluindo líderes, para
presidirem a igreja local com segurança espiritual e doutrinária.