terça-feira, 8 de junho de 2021

A cruz e o punhal - capítulo 23


 Para a maioria dos moradores do Brooklyn, aquela manhã de 28 de agosto de 1961 era apenas mais uma límpida e quente manhã de verão. Mas para nós, no Centro Desafio Jovem, o dia parecia escuro.

Ao meio-dia deveríamos entregar aos ex-proprietários o che­que da prestação seguinte. Precisávamos de 15.000 dólares.

— Quanto dinheiro temos no banco? perguntei a Paul Di­Lena.

— Nem quero dizer.

— Quanto?

— Quatorze dólares.

Contara tanto com outro milagre! De alguma forma, eu sen­tia no coração a confiança de que não iríamos perder o Cen­tro; mas eis que chegávamos ao final do prazo estipulado, e não tínhamos o dinheiro.

Meio-dia chegou, e nada de milagre.

Comecei a fazer perguntas a mim mesmo sobre a minha confiança. Será que estava apenas tentando iludir a mim mes­mo? Será que esperara demais da parte de Deus, sem fazer alguma coisa, mesmo?

— Escute, disse eu a Júlio Fried, nosso advogado: Não vou me apresentar a eles sem um tostão. Será que você conseguiria um prorrogamento do prazo?

Júlio passou a tarde estudando documentos e assinando papéis e, quando terminou o trabalho, disse que havia conse­guido uma prorrogação.

— Concordaram em esperar até o dia 10 de setembro, David, mas se o dinheiro não estiver em suas mãos até esse prazo, tomarão as devidas providências. Você tem alguma idéia?

— Sim, respondi.

E ele ficou animado. Mas logo se desiludiu quando expli­quei qual era a minha idéia.

— Vou orar a respeito, disse.

Júlio estava acostumado ao sistema de oração do Centro, mas naquele momento, acho que ele gostaria de ter tido um diretor com mais senso prático.

Naquela mesma tarde, fiz uma coisa um tanto ousada. Reu­ni todos os jovens — membros de quadrilhas, viciados, estudan­tes, obreiros — e disse-lhes que o problema estava solucionado. Houve grande regozijo.

— Penso que devemos todos ir à capela agradecer a Deus, continuei.

Assim fizemos. Entramos, fechamos as portas, e começa­mos a agradecer e louvar a Deus por ter salvo a casa para o seu uso. Afinal, alguém perguntou:

— David, de onde veio o dinheiro?

— Não, ainda não veio.

Vinte e cinco jovens pasmados. Vinte e cinco sorrisos força­dos.

— Não chegou ainda, continuei. Mas antes do dia dez de setembro, o dinheiro estará em nossas mãos. Tenho certeza. Até a data marcada, terei um cheque de 15.000 dólares para mostrar-lhes. Mas pensei que deveríamos agradecer a Deus por antecipação.

Chegou o dia primeiro de setembro. Dia dois, três, quatro. Passei muito tempo ao telefone, procurando encontrar a solução do problema. Tudo indicava que era a vontade de Deus que continuássemos o nosso trabalho. Durante o verão, tivemos bastante êxito.

Nossos registros mostravam que 2.500 jo­vens de toda a cidade haviam tido um contato real com o amor — haviam entregado a vida a Cristo. Centenas de rapazes e moças haviam passado pelo Centro a caminho de novos empregos, novas ambições, novos ideais. Doze desses estavam se prepa­rando para o ministério.

— Tudo isso começou com aquele desenho na revista Life, disse eu a Gwen, certa noite, quando estávamos recordando o ano que se findava.

— Não é estranho que você nunca conseguiu ver aqueles rapazes do julgamento? disse Gwen.

Era mesmo estranho. Havia telefonado, escrito e batido em muitas portas durante quase quatro anos. Mas por razões que vão além da minha compreensão, não me foi permitido traba­lhar com os rapazes cuja tragédia me trouxera a Nova Iorque. O seu destino e o de Israel (Ex-presidente dos Mau Maus) per­manecia, pelo menos por enquanto, nas mãos do Estado. Tal­vez quando os rapazes saíssem da cadeia, eu poderia dizer-lhes da preocupação que sentia pelo futuro deles.

Havia um rapaz, entretanto, daqueles primeiros dias em Nova Iorque, com o qual ainda tinha contato — Ângelo Morales.

Certa manhã, Ângelo veio nos visitar. Juntos, recordamos aquele primeiro dia, quando nos encontramos na escada do prédio em que morava o pai de Luis Alvarez. E agora, o pró­prio Ângelo estava terminando o seu curso no seminário. Ele também iria trabalhar no Centro.

— Se ainda houver um Centro, Ângelo, disse eu, comparti­lhando com ele nossos problemas financeiros.

— Posso fazer alguma coisa? perguntou Ângelo.

— Sim, vá à capela com os outros, e ore. Enquanto vocês oram, nós estaremos no telefone.

Todos os membros da diretoria estavam ocupados dando telefonemas para os amigos do Centro. Recebemos auxílio, mas em quantidades pequenas que não resolveriam o problema dos 15.000 dólares.

Entre os telefonemas, um foi para o escritório de Clem Stone, em Chicago. Foi Harald Bredesen quem o fez, confessando que se sentia acanhado em fazê-lo. Clem já havia sido mais do que generoso com o Centro. Procurávamos mantê-lo sempre informado acerca do progresso de nosso trabalho, não apenas quando precisávamos de dinheiro; mas penso que quando Clem recebeu o telefonema vindo do Desafio Jovem, a sua reação natural foi colocar a mão sobre a carteira, protegendo-a.

Foi com o filho de Clem que Harald falou pelo telefone, no dia oito de setembro. Conversaram muito, e Harald contou o que já havia acontecido, e agradeceu à família Stone pela sua participação naquilo que já havia sido feito. Depois, não po­dendo rodear mais, finalmente chegou ao motivo principal do telefonema.

"Nós precisamos de 15.000 dólares até o dia dez, depois de amanhã", disse ele, e explicou por quê. "Não sei qual a sua posição no momento, e certamente não vou pedir uma respos­ta agora. Mas, converse com seu pai, diga-lhe muito obrigado pelo que ele já fez, e vamos ver o que acontece."

Chegou o dia dez de setembro.

O correio da manhã chegou. Abrimos as cartas ansiosamen­te, e recebemos muitos envelopes de jovens que mandavam seu dinheirinho.

"Obrigado, Senhor", disse eu. "Não poderíamos continuar sem estes trocados."

Mais nada.

Chegou a hora do culto da manhã. Estavam todos reunidos, e todos oravam e cantavam. Aqui e ali eu ouvia os jovens ainda agradecendo a Deus pelos 15.000 dólares.

Durante o culto, chamaram-me à porta. Era uma carta ex­pressa. Olhei o carimbo — Chicago, Illinois.

Abri o envelope, e dentro havia um cheque visado no valor de exatamente 15.000 dólares!

Eu nem podia falar, quando levei aquele pedaço de papel para a capela. Fiquei de pé diante da lareira que tinha aquele feixe de trigo esculpido em baixo-relevo. Sem dizer palavra, levantei a mão pedindo silêncio, e quando todos se calaram, Paul DiLena entregou o cheque ao rapaz que estava mais perto de mim.

"Quer mostrar aos outros, por favor?" disse Paul numa voz quase inaudível.

O cheque que Clem Stone agora tem no seu arquivo em Chicago, já compensado, conta a história da maravilhosa ope­ração de Deus entre os jovens de Nova Iorque. O cheque está endossado de forma correta, depositado corretamente, porém, mais do que isso. Se olharem bem para aquele cheque, verão que está manchado; posso dizer que está sujo, depois de ter passado pelas mãos de duas dúzias de jovens que aprenderam o que é crer. Sem dúvida, haverá sinais de algumas lágrimas também; lágrimas de gratidão a Deus, que age de maneira mis­teriosa para executar os seus milagres.

 EPÍLOGO

Esta história, é claro, está longe de ter chegado ao fim. Diariamente se escrevem novos capítulos na vida trans­formada de jovens, em toda Nova Iorque. Mas outro volume também está sendo escrito. Esse se refe­re a Chicago, e não a Nova Iorque. Um novíssimo Centro De­safio Jovem já existe, e está em franca operação naquela cida­de. Aprendendo dos nossos sucessos e erros, do nosso projeto-piloto aqui, o Centro de Chicago está progredindo.

Como o nosso Centro em Nova Iorque, terá despesas de aproximadamente 50.000 dólares durante o primeiro ano, possuindo saldos bancários de quatorze, quinze e dezesseis dólares. Quando fui a Chicago ajudar no início do Centro, podia ouvir ecos da pergunta de Paul DiLena:

"Onde está o dinheiro, onde estão os livros, quem é o res­ponsável?"

O Espírito Santo é o responsável.

Enquanto ele for o responsável, os programas progredirão. No instante em que tentarmos resolver as coisas pelo nosso próprio poder, fracassaremos.

Esse é o princípio de direção do Centro aqui em Nova Iorque; é o princípio que dirigirá o nosso Centro em Chicago e o que está para começar em Filadélfia, em Boston, Los Angeles e Toronto.

O Espírito Santo é o responsável.

Deveríamos escrever essas palavras nos umbrais de nossas casas. Mas como palavras não podem significar muito, fare­mos melhor; nós as escreveremos em nossa vida, e na vida de todos aqueles que pudermos alcançar e inspirar com o Espírito do Deus Vivo.

 FIM