As coisas estavam se complicando cada vez mais em minha
vida. Nossos grupos de feiticeiros estavam crescendo, e o meu próprio poder na
magia também aumentava. Sharon e eu estávamos sendo convidados cada vez mais
para outras reuniões de feitiçaria. Os espíritos guias nos fizeram escrever a
Gavin e Yvonne Frost, da Igreja da Wicca, e chegamos a conhecê-los.
Eles nos convidaram a fazer uma avaliação crítica do meu
curso de feitiçaria.
Eu me sentia mais saudável como nunca! Contudo, via minhas
energias se esgotarem por causa da luta diária contra a compulsão para começar
a assassinar mulheres à noite. Eu sabia, com um misto de terror e satisfação,
que era apenas uma questão de tempo para que a lascívia por sangue vencesse a
prudência. Ficaria, então, do jeito sangrento que a “metamáquina” dentro de mim
queria.
Além disso, Orion não via a hora de cumprir sua promessa de
me dar (usando suas palavras) “umazinha preparada” para eu sacrificar no seu
altar. Eu não teria como escapar. Satanás estava cuidando para que isso
acontecesse. Mas escapar para onde?
Pelo que eu sabia, havia apenas três escolhas: católicos,
protestantes e ortodoxos. A Igreja Católica Romana, tanto quanto minha
experiência me mostrava, estava envolvida com a magia negra, assassinato e
vampirismo. A Igreja Ortodoxa não estava muito longe disso (pelo menos o seu
ramo russo). Meu conhecimento acerca dos protestantes era muito pequeno; para
mim, pareciam uns tolos chatos que negligenciavam todos os esmerados rituais,
as vestes clericais e os vitrais coloridos, para ficarem apenas com um monótono
e constante estudo bíblico.
Tinham-me dito — tanto os católicos como os irmãos da
confraria de Satanás — que nunca pusesse os pés numa igreja de protestantes.
Por isso nunca os procurei. Eles nem mesmo eram cogitados como solução para
meus problemas. Além disso, pensava que Jesus fosse um rei-vampiro, filho do
próprio Satanás! Para escapar de meu dilema, por que iria me voltar para uma
pessoa assim? Ele era a pessoa que tinha dado início a muitas das práticas nas
quais eu estava enredado; era o que eu pensava.
Quando eu estava enfrentando esse dilema, recebi um bilhete
que mudaria para sempre o curso da minha vida. Por mais curioso que possa ser,
o que veio mudar minha vida era uma simples correspondência bancária. Dentro
dela, estavam os meus cheques já compensados, que sistematicamente o banco me
devolvia. Quando os peguei para conferir com os meus controles pessoais, um
deles chamou a minha atenção.
Era um cheque que eu havia enviado para a Igreja de Satanás.
No cheque, escrito com uma letra de mulher, havia a frase:
“Vou orar por você, em nome de Jesus.” Presumi que deveria ser uma pessoa
cristã achando que eu estaria enfrentando problemas e que, por essa razão,
tinha enviado dinheiro para a Igreja de Satanás.
Deveria ser um “nenhum” totalmente “por fora”, pensei eu,
não entendendo que Jesus na realidade era um feiticeiro. Apenas dei uma risada
e coloquei o cheque em meus arquivos. Mas meu riso não durou muito. Nos dias
seguintes, senti como se alguém tivesse desligado todo o meu poder por meio da
magia. Senti-me doente, fraco e desolado! Como o tipo de magia com o qual
estava envolvido era extremamente poderoso e compulsivo, eu estava sob uma
forte aflição! Imagine o que deve um viciado em drogas sentir quando é forçado
a interromper seu vício, e multiplique isso várias vezes.
Então, perdi meu segundo emprego em tempo parcial, que tinha
arrumado, como guarda-noturno. Por incrível que pareça, eu não sentia mais
aqueles opressivos desejos da “metamáquina” em meu interior, e isso me
preocupava também. No fundo, sentia também certo alívio por causa disso. Que
conflito!
As contas não pagas começaram a se avolumar, e eu achava que
se tratava de alguma coisa que os demônios tinham feito comigo, pois a situação
piorava a cada dia. Não conseguia, porém, entender o que estava acontecendo.
Assim, como todo bom feiticeiro, busquei presságios e sinais. Fui ao meu templo
e caí de rosto no chão, clamando a Lúcifer por um sinal. O que tinha feito de
errado? Eu havia assinado o Pacto! Eu tinha levado tantos outros— muitos, na
verdade — a assinarem o Pacto! Eu me esforçara o máximo para crescer e ser um
digno escravo de Satanás. Eu tinha de saber o que fazer.
Embora tivesse orado a Satanás, quem me respondeu, porém,
foi Deus!
No dia seguinte, veja quem aparece em minha casa: duas
moças, discípulas de Orion, muito envolvidas no satanismo e com discos
voadores. Tinham ouvido falar que estávamos interessados em discos voadores e
ligados à magia sexual e quiseram nos conhecer. Mas trouxeram consigo algo
muito estranho e incomodativo:
três revistas cristãs de histórias em quadrinhos: Anjo de
Luz, Encantamento e Sabotagem}. Duas delas abordavam especificamente Satanás e
a Irmandade.
Elas as tinham encontrado em algum lugar e as traziam só para
se divertir. A mais velha das moças passou-me, rindo, as revistas dizendo: —
Você precisa ver isso, rapaz. Eles são do tempo de Neandertal!
Dei uma rápida olhada nas revistas e vi que ela tinha feito
uns sórdidos acréscimos nos desenhos. Eram palavrões e outras anotações
satíricas nas margens, dentes pintados de preto em algumas das personagens e
também chifres do diabo desenhados em algumas figuras de pregadores. Observei
brevemente que uma das revistas dizia, na última página:
“É: ou Cristo ou Satanás... e somente um tolo escolheria
Satanás!”
'‘Deus o ama e deseja que você tenha paz e vida eterna no
céu.”
Estas frases eram seguidas por um quadro que continha
instruções sobre “como receber Jesus Cristo como seu Salvador pessoal”. Eu
simplesmente dei um sorriso de escárnio. Aqueles “bobos”, que tinham escrito
aquelas coisas, nada sabiam quanto a eu já ter nascido de novo pelo m odo
verdadeiro e secreto, por meio de Maria Madalena: Que ousadia quererem me
atingir com aquele estúpido “papo-furado”!
Eu não tinha percebido que Deus tinha estendido sua mão do
céu usando devotos discípulos de Satanás para trazerem à minha vida,
justamente, a informação de que necessitava para escapar daquela terrível
espiral pela qual eu caía vertiginosamente. Peguei as revistas e as joguei
dentro de uma gaveta. Eu estava muito ocupado — impressionando e entretendo
aquelas “fãs” satanistas — para me preocupar com histórias em quadrinhos do
tipo “Neandertal”.
Então, como se já não tivesse problemas suficientes, recebi
um telefonema, por meio do qual fui informado que o meu “Ipsissimus — Sumo
Sacerdote e Rei da Estrela da Manhã”, da alta esfera satânica, tinha sofrido um
sério acidente num caminhão e estava em condições críticas. (Ele foi tirado de
minha vida por quase um ano.) O que estava acontecendo comigo?
Naturalmente, Satanás (tal como a natureza) detesta o vácuo.
Nem bem um dia tinha se passado, desde a hora em que joguei as revistas dentro
daquela gaveta, e alguém bateu à minha porta. Sharon e eu estávamos prestes a
sair de casa para fazer compras numa mercearia. Ela abriu a porta e deparou com
dois jovens de rostos fortemente rosados, bem apresentados e saudáveis, com
camisas brancas, gravatas e calças escuras. Tinham um distintivo na lapela que
os identificava com o nome e uma posição. Sharon disse:
— Vocês são mórmons, não são?
Eles deram um passo para trás, quase assustados com sua
saudação.
— Sim, se-senhora — gaguejou um deles. — Somos missionários
da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. A senhora pode nos dar
alguns minutos?
Dissemos-lhes que estávamos para sair, mas que eles poderiam
voltar outra hora, e teríamos prazer em conversar com eles.
Os rapazes concordaram conosco de voltarem no dia seguinte,
à tarde. Sharon fechou a porta e, quando eles foram embora, ela olhou para mim
com um estranho olhar. Por que teríamos nós, ferrenhos feiticeiros, tão
prontamente acedido aos missionários mórmons, que são o cúmulo da retidão e da
chatice? Por que Sharon e eu tão facilmente concordamos em recebê-los no dia
seguinte?
Sharon sabia da resistente crise espiritual que eu vinha
enfrentando nas últimas semanas. Ela sabia — como eu também — que nos fora
dito, cerca de seis anos antes, pelo “Grão-Mestre Druida” (a quem já nos
referimos), que se, por acaso, um dia, entrássemos em séria crise espiritual,
nos filiássemos à Igreja Mórmon! Embora Sharon não simpatizasse muito com os
mórmons, aventamos a possibilidade de que eles teriam a chave para solucionar o
nosso problema.
Esse hierarca druida, de nome Enoque (não é seu verdadeiro
nome), era ligado a membros de alto nível dessa Igreja. Chegou mesmo a nos
mostrar fotografias suas em reuniões com o então profeta da organização, Harold
B. Lee. Garantiu-nos que a Igreja Mórmon fora fundada por feiticeiros como um
lugar em que bruxos como nós poderíamos encontrar abrigo quando estivéssemos
sob ataque.
Ele nos tinha ensinado que muitas das doutrinas da Wicca e
dos druidas são totalmente idênticas às dos mórmons. Por exemplo, tanto os
referidos feiticeiros quanto os mórmons crêem:
• numa divindade masculina e feminina (deus e deusa);
• na preexistência como filhos espirituais;
• que a pessoa pode evoluir para tornar-se um deus ou uma
deusa;
• no casamento para agora e a eternidade;
• em rituais iniciatórios secretos.
Assim, Enoque explicou-me que poderíamos tornar-nos mórmons
e, ao mesmo tempo, mantermos praticamente todas as nossas crenças como
feiticeiros. Além disso, revelou-nos que os rituais secretos dessa Igreja
seriam uma incrível fonte de poder do ocultismo. Portanto, parecia que a
chegada daqueles missionários era uma resposta às nossas orações... a Satanás.
Assim, quando os missionários voltaram, sentamo-nos e
pacientemente prestamos atenção à apresentação que eles fizeram, com muita
encenação, e diversos diagramas ilustrativos. Nós os surpreendemos por verem
quanto já sabíamos da doutrina da Igreja dos Santos dos Últimos Dias e, dentro
de uma semana, já tínhamos submetido a eles o nosso pedido para sermos
batizados e nos tornarmos membros de uma igreja mórmon.
Fomos entrevistados e aprovados por um “líder regional”, e
depois informaram-nos por telefone que seriamos batizados dentro de algumas
semanas. Senti uma forte e rara emoção ao receber aquela notícia, ao desligar o
telefone. Parecia-me uma chance de começar tudo de novo. Os mórmons ensinam que
o batismo libera a pessoa de todos os pecados. Isso significava para nós uma
oportunidade de limpar tudo e recomeçar zero-quilômetro!
Eu vinha me sentindo muito sujo e ainda me via sendo usado
em minhas experiências com os vampiros e minhas atividades satânicas. Tive para
mim que algum tipo de milagre havia acontecido, uma vez que minha vontade de
tomar sangue tinha acabado totalmente e meu apetite normal estava retornando.
Seria esta, realmente, a chance para começar tudo de novo?
A impressão que eu tinha era que não havia nada a perder! Se
Enoque estava certo, então eu alcançaria um novo marco em meu poder luciferiano
ao passar pelos rituais no templo mórmon. Isso seria uma solução para o
misterioso esvaziamento que eu vinha sentindo ultimamente em minhas reservas de
poder por meio da magia. Se Enoque estava enganado, então eu estaria me unindo
à verdadeira Igreja cristã! Aquela altura, eu acreditava que as duas
alternativas seriam possíveis ao mesmo tempo.
Parecia bom demais para ser verdade! Será que de fato, por
meio dos rituais mórmons, eu iria me encontrar com o Jesus que vinha procurando
durante todos aqueles anos? Os rostos sorridentes e saudáveis dos missionários
comunicaram-me uma paz que eu não conhecera nos últimos dez anos, uma paz
firmada no entendimento de que eu estava fazendo a vontade de Deus. Desde que
meus professores universitários detonaram as bases da minha fé na Bíblia,
passara a ter dificuldade em crer, e procurei Jesus nos lugares mais
improváveis de encontrá-lo.
O lugar mais óbvio de todos seria o lugar certo? A
instituição que se chama Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
teria como me dar este Jesus? Naquela noite, quando fui dormir, orei para que
isso acontecesse. Com lágrimas de esperança, orei com todo o meu coração que
assim fosse.
O Senhor não desiste nunca, este crédito eu lhe dou!
Enquanto eu dormia naquela noite, tive um sonho bem agitado. Ele falava comigo,
mesmo estando eu prestes a me ligar a um culto religioso.
Chamava-me de volta, da beira de um precipício.
O sonho começou estando eu na parte mais alta de uma
montanha. Era noite, e havia nuvens movimentando-se rapidamente, com estrondos
de trovões. De quando em quando, eu era iluminado naquele íngreme pico pelos
clarões de relâmpagos sobre os quais não conseguia ter quase nenhum controle
com a minha magia.
Estava frio e ventava naquele lugar elevado, todo tomado
pela tempestade; contudo, eu sentia prazer pelo poder que tinha.
Durante um rápido momento em que a tempestade se acalmou,
ouvi o som de um cântico vindo do sopé da montanha. Voltei, então, o meu olhar
para o vale lá embaixo e vislumbrei algumas luzes. Assim que as nuvens que
circundavam o pico se dispersaram, pude ver claramente de onde vinham as luzes
e o som daqueles cânticos. Eram de uma pequena igreja evangélica naquele vale
escuro, com suas despretensiosas janelas lançando nas trevas calorosos raios de
uma iluminação amiga. Ela estava repleta de pessoas, e senti uma pontada de
solidão. Estavam cantando um dos poucos hinos evangélicos que eu já tinha
ouvido “Amazing Grace” “Maravilhosa Graça”, de John Newton, um dos hinos mais
conhecidos e cantados nos Estados Unidos]. De todo o coração, minha vontade era
sair do lugar onde me encontrava e ir até lá misturar-me com aquela gente. A
cruz que havia sobre a porta da igreja parecia estar acenando para mim. Mas uma
parte dentro de mim me puxava para trás:
— Não seja tolo! Você é um feiticeiro, um praticante da
magia!
Faz parte da sua condição de feiticeiro estar isolado,
afastado das multidões. Seu dever é trazer relâmpagos dos céus para que a
humanidade não perca o seu senso de m agia!
Em meu sonho, protestei:
— Mas estou cansado de tudo isso! Já “dei duro” por muitos
anos. Não tenho direito a um descanso?
De algum modo, finalmente reconheci o timbre da voz do meu
interlocutor no sonho como sendo a voz de Aleister Crowley:
— A magia é com o subir numa montanha. Você não pode parar para
descansar nunca, ou você despencará e se destruirá todo.
— Nunca? — lamentei, chorando, com muita tristeza.
— Não, até que você alcance o ponto mais alto e se torne um Ipsissimus,
com o eu — um deus encarnado!
— Mas estou cansado e sinto-me só. Quero descer e juntarme
àquelas pessoas naquele lugar tão caloroso e acolhedor.
— Esses a í são os tolos que os homens adoram ser, tanto
seus deuses com o eles mesmos são tolos!... Em meu sonho, Crowley sorria com
descaso e citou seu Livro da Lei:
— Vá até lá, junte-se a eles e perca tudo que você
conquistou.
Torne-se um deles, e eles o amarão. Então você poderá
“morrer nas covas com os cães da razão’’'.
Senti como se estivesse tremendo de frio, e os raios dos
trovões caíam cada vez mais perto de mim.
“Se eu ficar aqui, vou morrer” — pensei.
Crowley proclamou:
— Se você descer até lá, homenzinho, sua m ente será a de um
otário total em menos de 15 dias.
Os relâmpagos caíam mais perto ainda. De algum modo, o som
do hino começou a extinguir a sarcástica fúria de “Crowley” em meu sonho.
O hino parecia falar comigo e dizer: “Você não precisa ficar
aí como uma vara de condão humana, lançando relâmpagos, a fim de salvar a
humanidade. Jesus já fez tudo por você. Desça e juntese a nós, na família de
Deus.”
Tremendo de frio, comecei a descer. Indo para baixo aos
tropeços, naquele precipício, em direção às convidativas luzes daquela igreja,
ouvi ainda a voz crítica de Crowley ecoando às minhas costas:
— Você vai se arrepender! Você está cometendo um grande
erro.
Vai cair no abismo! — advertiu-me ele, referindo-se à versão
ocultista do inferno, o “abismo”, onde caíram aqueles que não conseguiram
tornar-se um deus. Ora, como praticante da magia, as únicas pessoas que eu
tinha ouvido falar terem caído no abismo eram aquelas que tinham ousado
tornarem-se crentes em Jesus. Foi com esse triste pensamento que acordei.
Infelizmente, minha ignorância sobre hinos evangélicos era
quase tão grande quanto de Teologia. Interpretei mal o meu sonho, achando que
havia uma bênção sobre minha decisão de ficar ao lado daqueles jovens mórmons
de rostos tão ardentes, ingressando em sua Igreja. Naquela época, não sabia que
os mórmons não cantam o hino com que eu havia sonhado, tampouco em suas igrejas
se encontra o símbolo da cruz!
Minha falta de conhecimento bíblico também fez com que a
advertência de Deus passasse por mim sem que a entendesse. Sentia-me muito
feliz pensando que, por ter encontrado o Cristo dos mórmons, tinha encontrado o
Jesus de meus mais devotados sonhos. Nem imaginava que, na realidade, estava
prestes a participar de uma das contrafacções mais bem engendradas e cruéis de
Satanás!
Assim, em 8 de agosto de 1980, fui batizado numa igreja
mórmon por dois missionários anciãos, que ensinaram a Sharon e a mim as
“discussões” (lições missionárias). Ela e eu havíamos conversado sobre isso, e
Sharon concordara em ser batizada também; todavia, estipulou a condição de que
deixaríamos aquela seita se os rituais do templo não fossem o que estávamos
esperando, ou se nada resolvessem por mais de um ano.
Não há tempo nem espaço neste livro para narrar tudo o que
aconteceu nos meus estranhos cinco anos de aventuras como mórmon.
No entanto, uma vez mais, embora Satanás tenha tentado usar
o mormonismo como nova artimanha espiritual para me enganar e armar cilada
contra mim — , Deus fez uso desse tempo para um propósito muito mais nobre. Ele
o usou para mostrar-me que eu era pecador.
Os mórmons, como toda gente sabe, não são más pessoas.
Eles, afinal, se esforçam por viver vidas íntegras. Como
feiticeiro e satanista, isso realmente não estava entre os primeiros pontos da
minha lista de prioridades. Como satanista, eu não tinha consciência alguma
quanto a ser pecador. Com efeito, no dia em que não cometia um grande pecado,
achava que tinha sido um mau dia.
Naquele tempo, eu vivia praticando adultério, bebendo sangue
e usando entorpecentes como um demônio, ano após ano!
Quando, porém, me filiei à Igreja dos Santos dos Últimos
Dias, percebi que havia um esquema de regras bem diferente que eu tinha de
observar. Para me qualificar de poder ir ao templo supersecreto — a que tinham
direito apenas alguns poucos mórmons pertencentes à elite, portadores de
cartões de recomendação para entrar no templo — eu sabia que seria entrevistado
sobre a minha guarda de todos os mandamentos.
Tomei a resolução, então, de “entrar na linha”, na minha
nova religião. Uma misteriosa força havia retirado de mim a dependência de
sangue. (Agora, olhando para o passado, entendo que deve ter sido pelas orações
daquela moça do banco, a que escrevera no cheque, por mim.) Paralelamente, meu
desejo por maconha e cocaína diminuíra substancialmente. Isso era bom, pois o
código dietético mórmon proíbe toda bebida alcoólica e também drogas, café, chá
e cigarro. Eu nunca fumei, raramente bebia uma bebida forte e quase nunca
tomávamos café ou chá preto (éramos vegetarianos, consumindo apenas alimentos
naturais).
Com muita força de vontade (e certamente a ajuda daquela
moça do banco, que orava por mim), consegui largar o vício das drogas em poucas
semanas, após o meu batismo mórmon. Alguns dos meus outros hábitos pecaminosos
eram um pouco mais difíceis de vencer. Pela primeira vez na vida, tive que
enfrentar o desafio de não mentir, não ver pornografia (isso não era nada fácil
para quem havia passado 12 anos cultuando em plena nudez com dezenas de moças
formosas!), não perder as estribeiras, nem tomar o nome do Senhor em vão.
Pela primeira vez em 12 anos, tive que enfrentar o pecado,
em minha vida, como um inimigo a ser vencido, em vez de tê-lo como um
companheiro com quem “festejar com muita alegria”. Isso não era nada divertido!
Ficar lá com os mórmons ajudava um pouco.
Eram pessoas admiráveis, que não liam revistas do tipo
Playboy e costumavam alertar-me para ter cuidado com o meu linguajar.
Não obstante, por acreditarmos que a Igreja Mórmon era
dirigida por druidas do grau mais elevado, não tínhamos deixado de praticar a
feitiçaria. Com efeito, em 1981, Sharon e eu tivemos uma entrevista em Salt
Lake City com um “apóstolo” da Igreja (um dos 15 homens de sua cúpula mundial).
Por termos podido dar-lhe algumas “chaves” e “sinais” especiais, que nos tinham
sido passados pelo Mestre Druida, ele se abriu para nós. Solenemente,
assegurou-nos que nossas intuições e informações estavam certas.
Lúcifer é, de fato, o deus adorado no templo mórmon.
Ele nos advertiu que corríamos certo perigo. Fomos “aconselhados”,
sob pena de morte, a nunca falar do que fora tratado naquela reunião com nenhum
oficial da Igreja de nível inferior ao de apóstolo. Também nos deu a entender
que, se mudássemos para o estado de Utah, onde fica a sede da Igreja Mórmon,
teríamos, certamente, um lugar na hierarquia. Concluímos, assim, que o
mormonismo não passa de uma feitiçaria “cristianizada”.
Então o que fizemos foi “mormonizar” um pouco nossos grupos
de feitiçaria e deixamos de nos considerar satanistas. Assumimos, porém, que
agora éramos luciferianos. Como fazíamos parte dos poucos mórmons que
pertenciam à “elite” do templo,4 tínhamos que usar uma veste especial sagrada
debaixo da nossa roupa (na verdade uma veste secreta). Sharon e eu começamos a
realizar nossas reuniões do grupo vestidos com mantos, e não, como fazíamos
antes, com “vestes celestes” (o termo Wicca para estarmos nus). Em pouco tempo,
sem que disséssemos nada a respeito, o uso de mantos tornou-se um símbolo de
status, tal é o poder de uma liderança.
Deixamos de beber vinho em nossos sabás. No lugar do vinho,
passamos a tomar suco de uva. (Isso nos alegrou bastante, pois, na verdade,
detestávamos vinho e outras bebidas alcoólicas...)
Chegamos até a levar alguns de nossos melhores participantes
de nossos grupos a ingressarem na Igreja Mórmon! Outras mudanças menores também
ocorreram.
Quando Sharon e eu nos conhecemos, tínhamos feito um acordo
entre nós de que cada um buscaria desenvolver-se na magia à sua maneira, da
forma como se sentisse dirigido para isso. Respeitávamos os princípios um do
outro e contávamos com a integridade pessoal um do outro para perseverarmos em
nossos objetivos e ideais. Desde que entrei no satanismo, por exemplo, Sharon
participou apenas daquelas atividades consideradas absolutamente necessárias.
Era o caso de rituais em que havia algumas outras sacerdotisas nos grupos, que
invejavam sua posição. Percebeu que tinha de se envolver um pouco ou ficaria
para trás.
Nosso pessoal a considerava quase uma segunda mãe, e havia
entre nós uma união como de uma família. Achavam, porém, que mesmo que ela não
demonstrasse interesse por determinada “prática das trevas”, teriam a porta
aberta para pessoalmente ingressarem naquela corrente de magia. No entanto, ela
trabalhava em outras áreas da feitiçaria e continuamente procurava “trazer luz”
às nossas atividades. Em vez de rituais satânicos, incentivava a pesquisa na
alquimia e em ciências tais como a cristalografia e sua matemática. Em vez de
drogas (um dos oito maiores raios da roda dos bruxos), instruía a respeito de
vegetarianismo, saúde e ioga.
Em vez de dispor os círculos de magia branca com os quatro
deuses pagãos, como fazíamos, ela passou a invocar os vigias do grupo com os
nomes dos evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João. Fazendo agora uma
retrospectiva do passado, na verdade sua tênue oposição tornou-se a cada nível
sutilmente visível.
Logo depois que isso começou, Sharon passou por uma
experiência fora do comum. A reunião do círculo do sabá desenvolvesse
normalmente. O círculo havia sido feito, os vigias estabelecidos, como era uma
noite de lua cheia, começamos a fazer a invocação para trazer até nós a
essência da deusa à grande sacerdotisa: “Fazendo Descer a Lua”. Não era algo
raro de acontecer, mas também não era comum Sharon “entrar em transe” e
incorporar a deusa, como aconteceu naquela noite. Então, um espírito totalmente
novo veio sobre ela, e ela começou a falar numa linguagem desconhecida. Tinha
assumido o que se chama a “posição de deusa” (uma postura em pentagrama) para a
invocação. De repente, caiu de joelhos, chorando e falando sobre o quê, não
sabíamos! Estávamos acostumados a esperar que qualquer coisa pudesse acontecer,
mas não foi “qualquer coisa” que aconteceu. Ela (a deusa, pelo que criamos)
impôs as mãos sobre cada um de nós, abençoando, e em seguida passou a lavar
nossos pés com a água consagrada que tínhamos usado para fazer o círculo.
Isso perturbou muitos de nossos iniciantes, porque se
tratava de algo muito próximo de lembranças que eles procuravam esquecer! Mais
da metade deles tinha sido criada no catolicismo e testemunhado a cerimônia do
lava-pés na quinta-feira santa.
Algum tempo depois, Sharon começou a falar de sair
totalmente do grupo, tornando-se uma pessoa “normal”: talvez voltando a
estudar, arranjando um emprego, fazendo uma reviravolta
total em sua vida. Nenhum de nós percebeu que algo muito
incomum havia acontecido. Era agora uma mulher diferente. Estava muito confusa,
mas, certamente, tinha mudado.
Embora as mudanças parecessem ser para melhor, eu nem
suspeitava que um novo desafio, vindo do céu, em pouco tempo nos alcançaria.