terça-feira, 4 de maio de 2021

Lúcifer destronado - Capítulo 03

A cerimônia da inocência acabou

 Estivem os envolvidos no Sumo Sacerdócio da Wicca por muitos anos, e tivemos de preparar turmas e mais turmas de estudantes para os nossos grupos, ou “covens”. Todavia, decepcionamo-nos com a Wicca. Sharon e eu tínhamos uma idéia da Wicca como sendo uma fé elementar, pura e edênica em sua inocência.

Sabemos agora que ela é cheia de calúnias, traições, brigas doutrinárias e politicagem.

Outras mudanças significativas ocorreram. Um de meus amigos e mentores, de quem recebi grande influência na Wicca antes de eu ter conhecido Sharon, sugeriu-me que eu lesse A Bíblia Satânica, de Anton LaVey. Eu era ainda bastante ingênuo, pensando que, embora os bruxos cultuassem Lúcifer, o Deus Chifrudo, não fossem satanistas. Perguntei, então, por que deveria ler um livro escrito por um satanista declarado.

Meu amigo explicou-me que LaVey tinha algumas percepções muito interessantes, especialmente com respeito à magia de Aleister Crowley, e que sua obra tinha alguns pontos muito bem abordados. Li, então, o livro e fiquei um tanto desconcertado diante da iolenta crítica anticristã que se encontra logo no início. No entanto, muitas coisas que LaVey dizia fazia sentido para mim.

Há três tipos básicos de rituais na Bíblia Satânica: por Compaixão, por Luxúria e por Destruição (maldição). Ponderei comigo mesmo que jamais iria amaldiçoar alguém, mas cheguei a me envolver com os outros dois rituais. Fizemos um “Ritual de Luxúria” para um casal numa de nossas reuniões a fim de resolver o problema de frigidez da esposa, e que realmente funcionou. Tivemos de igual modo sucesso com o “Ritual de Compaixão”, para a obtenção de curas.

Aos poucos, fui sendo seduzido pelo satanismo. Sharon e eu começamos a questionar — já que o satanismo é considerado muito maligno para os bruxos — por que o símbolo do Segundo Grau da Wicca, o do Sumo Sacerdócio, é um pentagrama invertido? Esse pentagrama tem sido associado, há vários séculos, ao satanismo! E mais:

Por que o nome supersecreto do Deus Chifrudo deriva-se, pelo notarikon,1 exatamente do símbolo da Igreja de Satanás — a cabeça de bode Baphomet com as cinco letras hebraicas que há ao seu redor (lâmed, vave, iode, tau e nune)?

Por que tínhamos sido instruídos de que o mais poderoso de todos os círculos de magia na feitiçaria somente é construído com pentagramas invertidos?

Tais questões ficaram todas no ar, sem respostas. Ninguém conseguia nos dar uma explicação. Discutimos o assunto com nossos colegas e mestres e procuramos obter o conselho de nossos venerados “espíritos guias”. Acreditávamos que esses guias fossem homens que haviam se aperfeiçoado e se livrado do “ciclo do carma”,2 e que, sendo espíritos desencarnados, falavam conosco, seres humanos, por meio da incorporação, possibilitando que evoluíssemos espiritualmente.

Quase que diariamente incorporávamos essas entidades e buscávamos seus conselhos. Elas nos davam a entender que seria bom nos envolvermos com a Igreja de Satanás. Diziam que a Wicca nos ensinava o domínio da Deusa (ramo feminino da magia), mas que o satanismo nos ensinaria todos os mistérios do Deus Chifrudo, o ramo masculino.

A Wicca e o ocultismo moderno foram muito influenciados pelo psicólogo Carl Jung. A idéia de polaridades opostas em reconciliação é um dogma central. Os espíritos guias e muitos feiticeiros, seguindo os escritos de Jung, quiseram fazer-nos entrar em contato com nossos “lados tenebrosos”, nossas “sombras” (um termo jungiano). Para que tivéssemos domínio sobre o Caminho da magia, tínhamos de abraçar nossos lados tenebrosos, reconhecendo os espíritos carnais que em nós habitavam.

Éramos ensinados de que a maior parte -— se não a totalidade — do mal existente no mundo tinha sido criada pelo judaísmo e pelo cristianismo, pela supressão de nossas paixões carnais. Este é um tema freqüente na psicologia secular. Assim, para o bem da nossa saúde psicológica,  para o nosso desenvolvimento na magia, seria necessário fazer uso dos ensinamentos da Igreja de Satanás, a fim de que pudéssemos abraçar nossas sombras e liberarmos os incipientes poderes da magia que supostamente nelas habitavam.

Desse modo, tendo apenas uma pequena dor de consciência, filiei-me à Igreja de Satanás. Afinal, tanto meus amigos e mestres deste mundo como todos os meus sábios espíritos guias vinham me encorajando nesse sentido. Como isso poderia ser, então, um erro?

Fiquei um tanto desapontado ao descobrir que não havia de fato uma igreja de Satanás em nossa comunidade. Os grupos locais dessa Igreja eram chamados de “grutas”, em vez de “covens” ou “paróquias”; mas não havia nenhum deles em Milwaukee. Escrevi para a sede internacional da Igreja, que ainda se localizava na fabulosa casa negra da Rua Califórnia, em San Francisco. Eles enviaram-me algumas informações e um formulário para associar-me como membro. Cobravam uma taxa de ingresso de 20 dólares. Paguei-a com prazer e, depois de algumas semanas, comecei a receber seu maldosamente e cínico boletim The Cloven H oof[0 Casco Fendido] e, por fim, um cartão de membresia.

Assinei o cartão e passei a levá-lo comigo, com muito orgulho, em minha carteira. Tornei-me satanista “de carteirinha”. Isso mesmo! E não tive que matar bebês, nem cuspir na cruz, nem dizer o Pai-Nosso de trás para a frente. Apenas dei meus 20 dólares e me filiei. Era como ter-me filiado ao Rotary Club!

Mas Sharon e eu não dissemos coisa alguma aos membros iniciantes de nossos grupos sobre essa nossa decisão. O que dizíamos, na verdade, é que bruxos e satanistas estavam em pólos opostos, e que não se poderia ser um bruxo da Wicca e um satanista ao mesmo tempo. Alguns membros dos níveis mais elevados do nosso grupo, no entanto, ficaram intrigados com nossas explanações da filosofia de LaVey sobre a magia e acabaram se filiando também.

Considerei a possibilidade de começar alguma coisa da Igreja de Satanás na região de Milwaukee e escrevi à sede da organização sobre o assunto. Logo, eles nos enviaram um formulário de requerimento que eu deveria encaminhar-lhes devidamente preenchido, solicitando acesso ao segundo grau na Igreja de Satanás, o grau de Feiticeiro. Era um formulário bem mais amedrontador que aquele do primeiro grau. Continha um extenso questionário, que requeria uma pequena dissertação analítica em resposta a diversos assuntos filosóficos. Tinha também um custo maior. Contudo, preenchi-o totalmente e o enviei.

Nunca foi do meu estilo ficar esperando muito por alguma coisa, de modo que comecei a buscar outras possibilidades. Entrei em contato com dois ramos distintos da irmandade oculta. O primeiro foi a O.T.O. (Ordo Templi Orientis — Ordem dos Templários do Oriente). A O.T.O. é uma respeitável ordem alemã, mágico-maçônica, fundada no século 19 por Chefes Secretos (mestres elevados). Aleister Crowley, ao que se supõe, descobriu o segredo dela — o verdadeiro segredo de toda a Maçonaria — e rapidamente foi feito seu membro.

Sharon e eu estávamos realmente bastante intrigados com Crowley e achamos a abordagem da O.T.O. mais completa e exigente. Assim, começamos a estudar com eles, embora continuando a pesquisar ainda os outros materiais de LaVey.

Entramos em contato também com um grupo satânico independente, a Ordem do Carneiro Negro, com o qual começamos a nos corresponder.

Comecei a celebrar missas satânicas em caráter regular. Sharon e eu praticávamos muitos dos rituais de Crowley. Tanto meus amigos deste mundo como meus espíritos guias diziam que, para que eu pudesse entrar num satanismo mais sério (além do nível da Igreja de Satanás), seria necessário realizar duas tarefas aparentemente paradoxais.


William Schnoebelen legalmente mudou o seu nome para Christopher P. Syn. Quando deixou o satanismo, voltou a mudá-lo, passando a ter novamente seu nome original.

A primeira era entrar para a Maçonaria, tornar-me um Mestre Maçom e depois ascender aos graus mais elevados. A segunda, por incrível que pareça, era ordenar-me como sacerdote católico! Isso foi uma surpresa total para mim, pois eu tinha sido criado como católico. Na verdade, cheguei a freqüentar um seminário nos meus tempos de faculdade, quando comecei a me envolver com o ocultismo, enquanto estudava para o sacerdócio. Conhecia o catolicismo muito bem e sabia que os católicos são estritamente proibidos de se tornarem maçons. Agora, por que motivo me instruíam a fazer essas duas coisas em contradição?

Explicaram-me que certas “correntes” do poder ocultista fluem através dos séculos, principalmente, por meio de linhas humanas de sucessão. Isso fazia sentido, desde que era doutrina fundamental tanto do catolicismo quanto da Wicca que havia uma sucessão entre seus respectivos sacerdócios.

A Igreja Católica — diziam-me — era o repositório da petrina, uma corrente de energia mágica de São Pedro. Já os maçons tinham a custódia da corrente joanina (de São João). E que parte da dinâmica que faz com que uma magia cerimonial realmente funcione é haver a conjugação dessas duas diferentes correntes de energia.

A oposição entre católicos e maçons é apenas superficial — explicavam-me. Nos níveis mais elevados, ambos convergem para um mesmo ponto. Claro que as pessoas comuns não sabem disso, porque essas coisas são mantidas em segredo. Todas as seitas, naturalmente, operam na base de “só revelar o necessário”.

Por sorte (ou por algum motivo ) , Sharon e eu fomos contatados por um sacerdote, alguns dias depois de tomarmos conhecimento de tudo isso. Era um sacerdote da Igreja Católica Romana Antiga (I.C.R.A).4 Esta Igreja, nascida de uma dissidência com o Vaticano, tem Ordens Sagradas válidas e celebra a missa em língua vernácula já há vários séculos, mesmo antes do Concilio Vaticano II, como também permite que o clero se case. Este sacerdote que nos contatou ficou sabendo que tínhamos um curso que

 ensinava feitiçaria e quis estudar conosco. Ele disse que, em retribuição, poderia conseguir que eu estudasse para o sacerdócio na I.C.R.A. Isso me parecia algo que “tinha caído do céu”, ou ainda, “do inferno”, e prontamente aceitei a oferta.

Dois anos depois, fui ordenado sacerdote nessa seita, numa missa muito solene, na Paróquia de São Paulo, em Plainfield, Illinois.

Além disso, alguns meses depois, um rapaz quis entrar em nosso “coven”, cujo pai era oficial na Loja Maçônica. Ele pôde, então, me apoiar em todo o processo de entrar na Maçonaria e avançar em seus graus.

Com essas duas conquistas, parecia que só me restava mesmo “ascender” cada vez mais na hierarquia do Reino das Trevas.