A cerimônia da inocência acabou
Sabemos agora que ela é cheia de calúnias, traições, brigas
doutrinárias e politicagem.
Outras mudanças significativas ocorreram. Um de meus amigos
e mentores, de quem recebi grande influência na Wicca antes de eu ter conhecido
Sharon, sugeriu-me que eu lesse A Bíblia Satânica, de Anton LaVey. Eu era ainda
bastante ingênuo, pensando que, embora os bruxos cultuassem Lúcifer, o Deus
Chifrudo, não fossem satanistas. Perguntei, então, por que deveria ler um livro
escrito por um satanista declarado.
Meu amigo explicou-me que LaVey tinha algumas percepções
muito interessantes, especialmente com respeito à magia de Aleister Crowley, e
que sua obra tinha alguns pontos muito bem abordados. Li, então, o livro e
fiquei um tanto desconcertado diante da iolenta crítica anticristã que se
encontra logo no início. No entanto, muitas coisas que LaVey dizia fazia
sentido para mim.
Há três tipos básicos de rituais na Bíblia Satânica: por
Compaixão, por Luxúria e por Destruição (maldição). Ponderei comigo mesmo que
jamais iria amaldiçoar alguém, mas cheguei a me envolver com os outros dois
rituais. Fizemos um “Ritual de Luxúria” para um casal numa de nossas reuniões a
fim de resolver o problema de frigidez da esposa, e que realmente funcionou.
Tivemos de igual modo sucesso com o “Ritual de Compaixão”, para a obtenção de
curas.
Aos poucos, fui sendo seduzido pelo satanismo. Sharon e eu
começamos a questionar — já que o satanismo é considerado muito maligno para os
bruxos — por que o símbolo do Segundo Grau da Wicca, o do Sumo Sacerdócio, é um
pentagrama invertido? Esse pentagrama tem sido associado, há vários séculos, ao
satanismo! E mais:
Por que o nome supersecreto do Deus Chifrudo deriva-se, pelo
notarikon,1 exatamente do símbolo da Igreja de Satanás — a cabeça de bode
Baphomet com as cinco letras hebraicas que há ao seu redor (lâmed, vave, iode,
tau e nune)?
Por que tínhamos sido instruídos de que o mais poderoso de
todos os círculos de magia na feitiçaria somente é construído com pentagramas
invertidos?
Tais questões ficaram todas no ar, sem respostas. Ninguém
conseguia nos dar uma explicação. Discutimos o assunto com nossos colegas e mestres
e procuramos obter o conselho de nossos venerados “espíritos guias”.
Acreditávamos que esses guias fossem homens que haviam se aperfeiçoado e se
livrado do “ciclo do carma”,2 e que, sendo espíritos desencarnados, falavam
conosco, seres humanos, por meio da incorporação, possibilitando que
evoluíssemos espiritualmente.
Quase que diariamente incorporávamos essas entidades e
buscávamos seus conselhos. Elas nos davam a entender que seria bom nos
envolvermos com a Igreja de Satanás. Diziam que a Wicca nos ensinava o domínio
da Deusa (ramo feminino da magia), mas que o satanismo nos ensinaria todos os
mistérios do Deus Chifrudo, o ramo masculino.
A Wicca e o ocultismo moderno foram muito influenciados pelo
psicólogo Carl Jung. A idéia de polaridades opostas em reconciliação é um dogma
central. Os espíritos guias e muitos feiticeiros, seguindo os escritos de Jung,
quiseram fazer-nos entrar em contato com nossos “lados tenebrosos”, nossas
“sombras” (um termo jungiano). Para que tivéssemos domínio sobre o Caminho da
magia, tínhamos de abraçar nossos lados tenebrosos, reconhecendo os espíritos
carnais que em nós habitavam.
Éramos ensinados de que a maior parte -— se não a totalidade
— do mal existente no mundo tinha sido criada pelo judaísmo e pelo
cristianismo, pela supressão de nossas paixões carnais. Este é um tema
freqüente na psicologia secular. Assim, para o bem da nossa saúde
psicológica, para o nosso
desenvolvimento na magia, seria necessário fazer uso dos ensinamentos da Igreja
de Satanás, a fim de que pudéssemos abraçar nossas sombras e liberarmos os
incipientes poderes da magia que supostamente nelas habitavam.
Desse modo, tendo apenas uma pequena dor de consciência,
filiei-me à Igreja de Satanás. Afinal, tanto meus amigos e mestres deste mundo
como todos os meus sábios espíritos guias vinham me encorajando nesse sentido.
Como isso poderia ser, então, um erro?
Fiquei um tanto desapontado ao descobrir que não havia de
fato uma igreja de Satanás em nossa comunidade. Os grupos locais dessa Igreja
eram chamados de “grutas”, em vez de “covens” ou “paróquias”; mas não havia
nenhum deles em Milwaukee. Escrevi para a sede internacional da Igreja, que
ainda se localizava na fabulosa casa negra da Rua Califórnia, em San Francisco.
Eles enviaram-me algumas informações e um formulário para associar-me como
membro. Cobravam uma taxa de ingresso de 20 dólares. Paguei-a com prazer e,
depois de algumas semanas, comecei a receber seu maldosamente e cínico boletim
The Cloven H oof[0 Casco Fendido] e, por fim, um cartão de membresia.
Assinei o cartão e passei a levá-lo comigo, com muito
orgulho, em minha carteira. Tornei-me satanista “de carteirinha”. Isso mesmo! E
não tive que matar bebês, nem cuspir na cruz, nem dizer o Pai-Nosso de trás
para a frente. Apenas dei meus 20 dólares e me filiei. Era como ter-me filiado
ao Rotary Club!
Mas Sharon e eu não dissemos coisa alguma aos membros
iniciantes de nossos grupos sobre essa nossa decisão. O que dizíamos, na
verdade, é que bruxos e satanistas estavam em pólos opostos, e que não se
poderia ser um bruxo da Wicca e um satanista ao mesmo tempo. Alguns membros dos
níveis mais elevados do nosso grupo, no entanto, ficaram intrigados com nossas
explanações da filosofia de LaVey sobre a magia e acabaram se filiando também.
Considerei a possibilidade de começar alguma coisa da Igreja
de Satanás na região de Milwaukee e escrevi à sede da organização sobre o
assunto. Logo, eles nos enviaram um formulário de requerimento que eu deveria
encaminhar-lhes devidamente preenchido, solicitando acesso ao segundo grau na
Igreja de Satanás, o grau de Feiticeiro. Era um formulário bem mais
amedrontador que aquele do primeiro grau. Continha um extenso questionário, que
requeria uma pequena dissertação analítica em resposta a diversos assuntos
filosóficos. Tinha também um custo maior. Contudo, preenchi-o totalmente e o
enviei.
Nunca foi do meu estilo ficar esperando muito por alguma
coisa, de modo que comecei a buscar outras possibilidades. Entrei em contato
com dois ramos distintos da irmandade oculta. O primeiro foi a O.T.O. (Ordo
Templi Orientis — Ordem dos Templários do Oriente). A O.T.O. é uma respeitável
ordem alemã, mágico-maçônica, fundada no século 19 por Chefes Secretos (mestres
elevados). Aleister Crowley, ao que se supõe, descobriu o segredo dela — o
verdadeiro segredo de toda a Maçonaria — e rapidamente foi feito seu membro.
Sharon e eu estávamos realmente bastante intrigados com
Crowley e achamos a abordagem da O.T.O. mais completa e exigente. Assim,
começamos a estudar com eles, embora continuando a pesquisar ainda os outros
materiais de LaVey.
Entramos em contato também com um grupo satânico
independente, a Ordem do Carneiro Negro, com o qual começamos a nos
corresponder.
Comecei a celebrar missas satânicas em caráter regular.
Sharon e eu praticávamos muitos dos rituais de Crowley. Tanto meus amigos deste
mundo como meus espíritos guias diziam que, para que eu pudesse entrar num
satanismo mais sério (além do nível da Igreja de Satanás), seria necessário
realizar duas tarefas aparentemente paradoxais.
William Schnoebelen legalmente mudou o seu nome para
Christopher P. Syn. Quando deixou o satanismo, voltou a mudá-lo, passando a ter
novamente seu nome original.
A primeira era entrar para a Maçonaria, tornar-me um Mestre
Maçom e depois ascender aos graus mais elevados. A segunda, por incrível que
pareça, era ordenar-me como sacerdote católico! Isso foi uma surpresa total
para mim, pois eu tinha sido criado como católico. Na verdade, cheguei a
freqüentar um seminário nos meus tempos de faculdade, quando comecei a me
envolver com o ocultismo, enquanto estudava para o sacerdócio. Conhecia o catolicismo
muito bem e sabia que os católicos são estritamente proibidos de se tornarem
maçons. Agora, por que motivo me instruíam a fazer essas duas coisas em
contradição?
Explicaram-me que certas “correntes” do poder ocultista
fluem através dos séculos, principalmente, por meio de linhas humanas de
sucessão. Isso fazia sentido, desde que era doutrina fundamental tanto do
catolicismo quanto da Wicca que havia uma sucessão entre seus respectivos
sacerdócios.
A Igreja Católica — diziam-me — era o repositório da
petrina, uma corrente de energia mágica de São Pedro. Já os maçons tinham a
custódia da corrente joanina (de São João). E que parte da dinâmica que faz com
que uma magia cerimonial realmente funcione é haver a conjugação dessas duas
diferentes correntes de energia.
A oposição entre católicos e maçons é apenas superficial —
explicavam-me. Nos níveis mais elevados, ambos convergem para um mesmo ponto. Claro
que as pessoas comuns não sabem disso, porque essas coisas são mantidas em
segredo. Todas as seitas, naturalmente, operam na base de “só revelar o
necessário”.
Dois anos depois, fui ordenado sacerdote nessa seita, numa
missa muito solene, na Paróquia de São Paulo, em Plainfield, Illinois.
Além disso, alguns meses depois, um rapaz quis entrar em
nosso “coven”, cujo pai era oficial na Loja Maçônica. Ele pôde, então, me
apoiar em todo o processo de entrar na Maçonaria e avançar em seus graus.
Com essas duas conquistas, parecia que só me restava mesmo “ascender” cada vez mais na hierarquia do Reino das Trevas.